Todo mundo já adquiriu hábitos e gostos com seus parentes próximos. Às vezes são coisas simples como a preferência por um programa de TV, uma banda de rock apresentada pelo irmão mais velho, ou ainda uma comida que serve como ás na manga no domingão em família. International Superstar Soccer, para Super Nintendo, surgiu assim, como uma tradição familiar capaz de condensar duas grandes paixões: futebol e videogame.
Durante minha infância, tive o privilégio de ter, na figura de meu pai, o dono de uma locadora de fitas de Super Nintendo. Infelizmente, nesse tempo eu era muito novo para reter qualquer memória, mas uma coisa da época da locadora permaneceu na família: o gosto pela competição, principalmente em se tratando de jogos de futebol.
Cultivada tradicionalmente, a competição sempre teve, em minha família, a sua permanência nas jogatinas. Nós não tínhamos interesse pelos chamados jogos cooperativos, o título que servia quase como uma extensão do nosso Super Nintendo era o International Superstar Soccer (ISS daqui em diante).
Essa habilidade também se estendia para o International Superstar Soccer, mas uma diferença era óbvia: quando eu morria em jogos single player, bastava recomeçar e tentar novamente; ao perder uma partida de ISS, a sensação de ser derrotado por uma pessoa real caía sobre mim como um verdadeiro abate, abria-se o berreiro, as lágrimas começavam a correr pelo rosto. Tenho a lembrança de ver as pessoas com receio de ganhar as partidas de mim. Não era a habilidade que me separava dessas pessoas, mas o meu defeito de ser um mau perdedor.
Outro episódio igualmente marcante foi um campeonato pernambucano em que meu time, Santa Cruz, perdeu para o Sport nos pênaltis. Nessa circunstância, eu e meu pai ouvíamos atentamente ao narrador no radinho de pilha a cada cobrança, mas quando a derrota foi anunciada, novamente o choro veio. Recordo-me de deitar no chão da sala totalmente aturdido enquanto meu pai tentava me consolar.
Cultivada tradicionalmente, a competição sempre teve, em minha família, a sua permanência nas jogatinas. Nós não tínhamos interesse pelos chamados jogos cooperativos, o título que servia quase como uma extensão do nosso Super Nintendo era o International Superstar Soccer (ISS daqui em diante).
Crédito: Jogo Véio |
Os jogos e a tradição
Se hoje as crianças têm facilidade com os smartphones, no meu caso, essa habilidade foi redirecionada para os jogos. Crescido com um controle de SNES sempre ao alcance, lembro-me de algumas façanhas incríveis para alguém de 5/6 anos, como era o meu caso. Entre eles, destaco a finalização de jogos como Megaman X e O Rei Leão, que, hoje, parecem bem mais difíceis do que na época.Essa habilidade também se estendia para o International Superstar Soccer, mas uma diferença era óbvia: quando eu morria em jogos single player, bastava recomeçar e tentar novamente; ao perder uma partida de ISS, a sensação de ser derrotado por uma pessoa real caía sobre mim como um verdadeiro abate, abria-se o berreiro, as lágrimas começavam a correr pelo rosto. Tenho a lembrança de ver as pessoas com receio de ganhar as partidas de mim. Não era a habilidade que me separava dessas pessoas, mas o meu defeito de ser um mau perdedor.
Crédito: YouTube/TV Globo |
Algumas derrotas doem mais que outras
Apesar de alguns momentos com o ISS se destacarem, as derrotas nem sempre giravam em torno dos consoles. Para elencar apenas duas do universo futebolístico, posso citar a derrota para a França na Copa de 2006, que eliminou o Brasil nas quartas de final. No episódio em questão, eu tinha apenas 6 anos, mas tenho a vívida lembrança de chorar muito, tirar grosseiramente a camisa da seleção que me vestia e esbravejar contra todos à minha volta. É curioso pensar que, para mim, o 7x1 na Copa de 2014 jamais conseguiria ter o mesmo peso.Outro episódio igualmente marcante foi um campeonato pernambucano em que meu time, Santa Cruz, perdeu para o Sport nos pênaltis. Nessa circunstância, eu e meu pai ouvíamos atentamente ao narrador no radinho de pilha a cada cobrança, mas quando a derrota foi anunciada, novamente o choro veio. Recordo-me de deitar no chão da sala totalmente aturdido enquanto meu pai tentava me consolar.
Os jogos online e o ambiente tóxico
Depois de muitos anos sendo um péssimo perdedor, confesso não saber exatamente o momento em que deixei de ser. Na infância as lágrimas vinham à tona com facilidade, já na adolescência o comum eram os murros na mesa, os pontapés na parede e um extenso vocabulário de baixo calão desferido nos chats. O ISS, que era o motivo do “rage” diário, no decorrer dos anos, deu lugar ao Winning Eleven, que deu lugar ao Bomba Patch, que deu lugar a vários outros jogos online no momento em que migrei dos consoles para o PC.A derrota que, para falar o mínimo, já era problemática na infância, na adolescência, com os jogos online, seguiu na mesma onda. Um acréscimo ainda foi feito, se pensarmos em jogos como DDTank, League of Legends e Counter-Strike, eu ainda tinha o imaturo hábito de culpar outras pessoas pela derrota do time. Para ser um pouco menos carrasco comigo mesmo, esse é um costume que pode ser chamado de padrão entre as comunidades.
Por um lado, compreendo que esses jogos, além de suas respectivas comunidades, ajudaram a criar minha toxicidade. Por outro, sinto que eles foram os grandes responsáveis para o meu amadurecimento. Simplificando bastante, para evoluir nos rankings, era necessária uma mudança de postura e de mentalidade, não adiantava apenas culpar os colegas de time, eu tinha que encontrar o erro no meu modo de jogar.
Foi diante dessa tarefa autorreflexiva que os jogos competitivos impuseram uma mudança no meu comportamento, que ocorreu não apenas em relação a essa categoria de jogos. Hoje em dia consigo aceitar uma derrota, entender que o outro lado foi superior, que nem sempre vou conseguir ganhar. Há uma grande satisfação nisso, e, se pensarmos bem, é a possibilidade da derrota que glorifica a vitória.
A derrota mais saborosa de minha vida
Mas não se enganem, não vou mentir e dizer que hoje eu entro em uma competição sem pensar na vitória, seja em Mario Kart ou numa partida ranqueada de algum jogo competitivo. Talvez por esse motivo, eu seja aquilo que alguns insistem em chamar de “tryhard” — com algumas ressalvas, é claro. No entanto, recentemente tive uma derrota que conseguiu me tirar uma grande felicidade, foi por conta dela que pensei em escrever este texto. O jogo em questão era Super Mario Party (Switch).Eu e minha namorada estávamos em uma partida. Nos momentos finais, eu estava na liderança, havia coletado mais estrelas, algo necessário para a vitória, a disputa estava acirradíssima, mas, em função de ser o último turno, eu sabia que ninguém conseguiria chegar ao local certo para comprar outra estrela. Minha vitória era certa.
Chegou a vez da minha namorada e ela conseguiu a proeza de cair em um ponto-surpresa, momento em que surge o famoso Lakito lhe oferecendo a opção de roubar uma estrela de outro jogador. Sem pensar duas vezes, ela fez a escolha necessária para vencer: tirou minha estrela e ganhou a partida.
A felicidade estampada no rosto de minha companheira ao conseguir uma vitória tão improvável foi superior a qualquer sentimento que eu pudesse ter ao vencer. Posso dizer sem sombra de dúvidas que vê-la tão contente acabou me contagiando, estava alegre por ela. Para um jogador que sempre busca a vitória, posso dizer que vivi um raríssimo momento em que perder foi melhor que ganhar.
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli