As sequências de Rhapsody: A Musical Adventure chegam pela primeira vez a este lado do globo na coletânea Rhapsody: Marl Kingdom Chronicles. Enquanto no primeiro jogo temos um RPG tático com batalhas em grid, desta vez recebemos dois RPGs que contam com batalhas em turno, mas ainda recheados com ótimas músicas, comédia e histórias com um quê de contos de fadas.
Tal mãe, tal filha: o amadurecimento de uma princesinha rebelde
Lançado originalmente para o primeiro PlayStation em 1999 e ambientado anos após a finalização do primeiro jogo da série, Rhapsody II: Ballad of the Little Princess narra a história de Kururu, filha adolescente de Cornet, que deseja seguir os passos de sua mãe e encontrar seu príncipe encantado. Para tanto, a princesa sai em uma jornada de autoconhecimento na companhia de sua melhor amiga Crea, filha de Etoile, que também auxiliou a jovem Cornet em sua jornada na juventude de ambas. Munida do poder da amizade e das habilidades de sua mãe para controlar e se comunicar com marionetes, a pequena Kururu parte em uma busca empolgante que tem como objetivo encontrar seu verdadeiro amor.
Durante a jornada da jovem princesa, muitos personagens entram e saem de seu grupo, o que permite a ela conhecer e interagir com muitos tipos de pessoas diferentes, cada qual com um background diferenciado, o que faz com que Kururu reflita sobre muitos aspectos de sua própria experiência de vida e cresça como pessoa de pouco a pouco. É possível perceber certo avanço na área narrativa se compararmos com o primeiro jogo da série, talvez pela maior duração do título em si, já que podemos passar mais tempo com nossos companheiros de viagem e conhecer melhor os personagens que fazem parte desta simpática aventura, repleta de momentos alegres e tristes.
As músicas presentes são excelentes e complementam o desenvolvimento da narrativa com maestria, bem como todo o trabalho da movimentação dos sprites e as mudanças de background para combinar com a atmosfera que as canções buscam trabalhar. Desta vez, não temos a dublagem completa das faixas para o inglês, mas podemos compreender os contextos das composições graças a uma legenda que acompanha a sinfonia enquanto os personagens cantam. É uma abordagem interessante, já que podemos ter uma noção da emoção que as vozes originais buscaram passar para as canções presentes na história.
Acerca dos sistemas presentes no que tange a gameplay, é importante citar logo de cara que o sistema de batalhas funciona melhor do que o escolhido para o primeiro jogo. Combates em turno tornam a experiência muito mais rápida e dinâmica: as lutas são tão fluidas que dois ataques ocorrem simultaneamente se inimigos diferentes forem alvejados por aliados distintos, o que é visualmente agradável e mecanicamente satisfatório. O jogo não possui uma dificuldade muito elevada, mas o balanceamento está bem melhor do que seu antecessor, o que ajuda a manter o interesse nas lutas por mais tempo.
Outro fator interessante na escolha dos sistemas é o uso de MP ser completamente abolido neste título, então o mesmo recurso é utilizado tanto para comprar itens e equipamentos quanto para utilizar técnicas especiais das marionetes em batalha. Para especiais dos próprios personagens, HP é consumido para que a técnica seja realizada.
O dinheiro é abundante depois de algum tempo de jogo, não sendo necessário se preocupar com a falta de recursos monetários. Com dinheiro no bolso, é possível usar técnicas de cura poderosas, então barras de vida vazias também não são preocupantes. Utilizar as habilidades das bonecas rende pontos de recompensas, e contamos com golpes poderosos chamados de Rewards para atacar com força total quando juntamos pontos suficientes. Além das marionetes, temos um sistema interessante de captura de monstros para aumentar a quantidade de parceiros de batalha. Com sorte, após derrotar um monstro, este pode se tornar uma marionete e, assim, suas técnicas em combate ficam disponíveis, bem como fazemos com os demais bonecos.
Por fim, a ambientação do jogo como um todo merece também elogios. Os cenários são tão detalhados quanto os sprites dos personagens, com artes caprichadas e coloridas. A atmosfera de fantasia e magia consegue ser traduzida com competência por meio de planos de fundo minuciosamente trabalhados, o que ajuda na imersão da aventura de Kururu. No entanto, é uma pena que esses belos recursos sejam muito reutilizados e que, graças a essa repetição de cenários, ainda seja fácil se perder pelos caminhos que devemos explorar para encontrar itens, companheiros e seguir a história de maneira geral. A experiência se torna ainda mais incômoda se levarmos em consideração que lidamos com o datado sistema de encontros aleatórios.
O presente de um anjo: um encerramento digno para o musical
No ano 2000, era lançado para o PlayStation 2 um jogo chamado Tenshi no Present: Marl Oukoku Monogatari, que chega a esta coletânea sob o título de Rhapsody III: Memories of Marl Kingdom. Essa é uma entrada difícil de ambientar sem dar muitos spoilers das histórias anteriores, então limitar-me-ei a defini-lo como um título que tem como objetivo complementar a narrativa de seus antecessores.
Rhapsody III é dividido em seis capítulos, dentre os quais os quatro primeiros possuem histórias que se passam durante ou após os eventos dos títulos antecessores, de tal forma que aspectos emocionais dos personagens envolvidos possam ser mais explorados e que algumas pontas soltas possam ser explicadas. Os dois últimos capítulos, no entanto, são os mais ricos no que se refere à narrativa como um todo, porém, são praticamente impossíveis de citar sem estragar completamente a experiência de quem não jogou os outros jogos.
A narração aqui é o ápice do que a série pode entregar, não há como negar. Durante os primeiros quatro capítulos, ainda temos momentos divertidos e engraçados, capazes de nos arrancar sorrisos, mesmo que discretos. Todavia, ao final do jogo, vemos nosso pequeno musical engraçado se tornar muito mais próximo de uma tragédia do que nunca. Tudo isso é feito de maneira orgânica, demonstrando a aptidão narrativa do jogo como uma excelente conclusão para a trilogia.
A parte visual possui suas particularidades, como a inserção dos já conhecidos modelos 2D com design de Ryoji Nomura em ambientes 3D, o que resolve definitivamente o problema da repetição de cenários do
s outros títulos da série. O sistema de batalha, no entanto, é um tanto quanto confuso se formos comparar com a simplicidade talvez exacerbada dos demais jogos
Podemos criar quatro grupos de personagens dentro da equipe, cada qual com um líder e três parceiros, o que totaliza uma equipe de 16 bonequinhos no total. De acordo com a compatibilidade do líder com esses auxiliares, seus stats mudam e novas habilidades são desbloqueadas. Durante a luta, selecionamos apenas ações para os líderes, e os demais personagens são controlados pela IA, infelizmente tomando decisões questionáveis no processo.
O mais interessante na parte de gameplay são as escolhas que, provavelmente, serviram de inspiração para a série que viria a ser o carro-chefe da empresa futuramente: Disgaea. Rhapsody III foge um pouco da dificuldade baixa dos outros dois e aposta na presença de algumas grind walls nunca antes vistas na série, nos obrigando a fazer as pazes com o sistema de encontros aleatórios e até mesmo torcer para que encontremos mais inimigos para evoluir o time. Não à toa um item recorrente em todos os capítulos e equipamento praticamente obrigatório durante a maior parte do jogo é o Pheromone X, que aumenta a taxa de encontro das batalhas. Felizmente, o jogo possui a opção de pressionar X para iniciar uma batalha automática, o que facilita o grind quando nossos personagens já aguentam lutar mais tranquilamente com os inimigos da área.
Longe de mim reclamar de grind: quem me conhece sabe que eu praticamente anseio por números cada vez mais altos em minhas inúmeras jogatinas de Disgaea. No entanto, temos aqui um jogo cujo nível máximo é 9999 e o inimigo mais poderoso do jogo pode ser derrotado antes do nível 300 com certa tranquilidade. Então, se os números estão tão inflados, onde devemos evoluir nossos personagens? Fica aí o mistério.
Com isso fora do caminho, vale citar que há novidades bem-vindas e sistemas atraentes. É possível levar consigo grande parte do progresso dos capítulos anteriores com o sistema de invocação de monstros feito na estátua da Deusa. Essa escultura também é responsável por uma outra mecânica interessante: podemos selecionar monstros para retornar para a natureza em troca de algumas recompensas, como itens, ouro e experiência. Inclusive, quando libertamos dois monstros, temos a opção de também selecionar, entre as recompensas disponíveis, um novo ser que combina as características dos que foram soltos.
Infelizmente, Rhapsody III conta com um número muito menor de músicas do que o restante da série, o que é uma pena, já que as existentes mantêm não só a qualidade das anteriores, como também o apelo visual, que agora conta com a robustez de um sistema de uma geração mais moderna do que seus antecessores.
Bem direto ao ponto
Para uma coletânea tão aguardada, principalmente pelos fãs ocidentais, é um pouco desapontador que não haja conteúdo extra incluído no pacote. A experiência no menu principal da coleção se resume a simplesmente escolher um dos dois títulos disponíveis e iniciá-lo.
Cada título conta com opções de filtro de imagem, que incluem a suavização dos pixels ou a adição de efeitos que simulam uma tela antiga para aumentar a sensação de nostalgia. Por fim, não há grandes modernizações no aspecto visual dos jogos ou nenhum conteúdo extra para cada título individualmente.
Uma rapsódia divertida, enfim completa
Rhapsody: Marl Kingdom Chronicles é uma eficiente recuperação de títulos importantes para os fãs de Rhapsody: A Musical Adventure que não tiveram a oportunidade de conhecer os acontecimentos após o fim da jornada de Cornet em sua estreia musical. Também é uma experiência interessante para aqueles que, por meio da coletânea NIS Classics, puderam conhecer os títulos que ajudaram a moldar o padrão dos jogos mais modernos da empresa e desejam se aventurar por jogos com propostas um pouco diferentes do que temos atualmente.
Prós
- Batalhas em turno simplificam e dinamizam as batalhas em comparação com o primeiro título da série;
- Sprites bem-trabalhados e detalhados em ambos os títulos;
- Trilha sonora e músicas marcantes ainda presentes de forma geral;
- Os dois títulos da coletânea possuem excelentes momentos tanto de comédia quanto de drama;
- Função de autobattle bastante funcional para aliviar o grind necessário para alguns momentos de Rhapsody III;
- Rhapsody III aprofunda as histórias apresentadas nos dois títulos anteriores e a relação interpessoal de seus personagens;
- Filtros de imagem para simular efeitos visuais da época de lançamento ou modernizar a experiência com suavização de pixels.
Contras
- Encontros aleatórios presentes em ambos os títulos são um sistema de combate maçante e datado;
- Rhapsody III parece ter dado o pontapé inicial para a aparição das famosas grind walls nas séries subsequentes da NIS, o que pode assustar quem esperava um RPG mais tranquilo como os anteriores;
- Sistema de batalha de Rhapsody III pode ser um tanto quanto confuso pela adição de elementos estranhos à série e que ninguém pediu;
- Coletânea sem conteúdos extras comemorativos.
Rhapsody: Marl Kingdom Chronicles — Switch/PC/PS5 — Nota: 8.0Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela NIS America