Em busca do eclipse capaz de salvar o mundo
Iniciar Sea of Stars logo me remeteu à estrutura narrativa de Shining Force, em que primeiro somos apresentados à história por meio de um narrador, aqui chamado de The Archivist. Ele nos conta sobre como Fleshmencer, um alquimista, deixou para trás criaturas poderosas chamadas de Dwellers, que só podem ser feridas pelos Solstice Warriors, pessoas escolhidas capazes de controlar os poderes da Lua e do Sol.
É aqui que entram em cena os protagonistas Zale e Velere. Esses dois amigos são Children of Solstice, isto é, foram abençoados pelos poderes de Solen e Luana, os deuses do Sol e da Lua, respectivamente. Mesmo com personalidades tão opostas, que remetem à ideia desses astros, os futuros Solstice Warriors possuem uma interessante sinergia entre si.
Depois de uma década de treinamento na Zenith Academy, Zale e Valere estão aptos a assumir seus papéis como os guerreiros que trarão a paz ao mundo. Contudo, a missão dos dois é arriscada, já que eles precisarão colocar um fim no Dweller of Woe, a última criatura deixada para trás por Flashmencer.
Felizmente, seguindo o padrão dos JRPGs, os jovens Solstice Warriors conhecerão novos aliados ao longo do caminho. Terminarei o sumário da trama por aqui, a fim de evitar spoilers, porém quero destacar que a história de Sea of Stars se passa no mesmo cenário de The Messenger, o metroidvania do Sabotage Studio. Mesmo com algumas referências aqui e ali, o RPG funciona muito bem sozinho, além de servir como uma espécie de prólogo para a aventura do ninja mensageiro.
A união entre o antigo e o moderno
Durante a exploração, o jogador não apenas percorre os mapas, como também pula, escala paredes e atravessa precipícios, entre outras ações. Além disso, no melhor estilo The Legend of Zelda, apetrechos são obtidos no decorrer da campanha para facilitar a navegação pelos incríveis cenários de Sea of Stars, como é o caso do Graplou, que permite arremessar um gancho para realizar pulos mais longos, e do Mistral Bracelet, capaz de criar correntes de ar para empurrar blocos maciços e abrir caminho ou movimentar uma jangada.
Nas dungeons, há alguns puzzles que devem ser resolvidos — na maioria das vezes, com o uso dos apetrechos acima mencionados — para o jogador avançar na aventura. Esses quebra-cabeças e desafios não chegam a ser difíceis ou muito elaborados, mas exigem paciência e um pouco de tentativa e erro para ser solucionados.
A resolução dessas tarefas de lógica pode levar a salas escondidas nas dungeons, resultando em novas técnicas, receitas, equipamentos e itens. Com o passar do tempo, a exploração se torna tão natural que nem mesmo a linearidade da aventura é capaz de tirar o prazer de passar um tempo nesse mundo colorido e fantástico.
Já nos combates, temos o tradicional sistema por turnos, porém com um toque extra de estratégia e ações em tempo real. No início, as ações se resumem a atacar e usar magias ou itens, mas logo somos apresentados à mecânica de defesa e ataque extra, que exigem um timing correto para ser ativados.
Há ainda a curiosa mecânica de “usar magia sem utilizar magia”, que consiste em atacar oponentes normalmente para derrubar energia mística, a qual pode ser absorvida pelos personagens para potencializar seu próximo movimento com dano elemental, quando aplicável. Porém, o grande charme de Sea of Stars no que tange aos combates é a presença de ataques combinados entre os personagens, no melhor estilo “a união faz a força”.
Nosso trio inicial, por exemplo, é composto por Valere, Zale e Garl. Enquanto os dois primeiros podem manipular os poderes do Sol e da Lua, respectivamente, o terceiro é apenas uma pessoa comum, mas é capaz de prover um suporte valioso para o time. Munido de um escudo improvisado, Garl pode transformar a Sunball de Zale em uma poderosa chuva de meteoros capaz de atingir todos os oponentes na tela.
Ainda, o fiel escudeiro dos Solstice Warriors pode utilizar seu “escudo” para impulsionar Valere, que desfere um poderoso golpe com seu bastão. Apesar de serem exemplos triviais, as técnicas combinadas podem fazer grande diferença em combate, então vale a pena explorá-las a fundo para descobrir os melhores momentos para usá-las.
Explico: esses golpes só podem ser acessados ao preencher uma barra chamada Combo, que, quando completa, nos garante três pontos de combo. Dependendo da técnica escolhida, ela pode gastar até três pontos de uma só vez; para encher esse medidor de novo, é necessário desferir ataques nos inimigos repetidamente.
Uma simplicidade que poderia ser melhor trabalhada
A ideia principal do RPG é trazer aquele gostinho dos consoles antigos ao século XXI, e isso Sea of Stars faz muito bem. No entanto, sua simplicidade é uma faca de dois gumes.
Constantemente encontramos acampamentos nos quais podemos restaurar HP e MP de nosso grupo, bem como cozinhar itens de recuperação e salvar o progresso, isso sem mencionar os inúmeros autosaves durante a exploração de dungeons.
Ainda nesse âmbito da generosidade, existem relíquias que podem ser encontradas ou compradas com o objetivo de deixar a jogatina ainda mais fácil e acessível. Novamente, uma faca de dois gumes, pois estamos falando de recursos (opcionais, vale ressaltar) que variam da recuperação total de HP após as lutas à diminuição de dano recebido dos inimigos.
Os combates, mesmo demandando o pressionar de botões em alguns momentos, aos poucos passam a ser um exercício de memorização de padrões de golpes repetidos. Neste aspecto, apenas as lutas contra os chefes acabam sendo o ponto alto dos embates na minha opinião, já que esses inimigos possuem mais vida e pude explorar melhor a sinergia entre os membros do grupo, tanto individual quanto coletivamente.
Outra impressão que o jogo me passou foi que os desenvolvedores pensaram em priorizar a narrativa em detrimento de outros elementos clássicos de JRPGs, como os encontros aleatórios. Embora isso não seja uma falha per se, eu realmente senti falta de combates mais constantes — não pelo grinding em si, mas sim pelo fato de explorar melhor o potencial de cada personagem.
O sistema de level up também não é muito promissor: o grupo todo ganha experiência, mesmo os bonecos não utilizados na batalha ou aqueles que foram nocauteados. Dessa forma, todos os personagens sempre estarão no mesmo nível.
Também não senti muita diferença em seus parâmetros, embora a cada novo nível possamos escolher uma melhoria disponível para eles. No fim das contas, apenas suas personalidades e potenciais em combate acabam sendo os aspectos mais memoráveis para esses personagens.
Um sistema de viagem rápida — mesmo que por meio de itens — e logs para sumarizar a história e as missões também são recursos que me fizeram falta durante a aventura. Até existe um pequeno manual que explica alguns de seus elementos, incluindo os diferentes minijogos que encontramos ao longo do caminho, mas informações sobre monstros, localidades e afins são inexistentes.
Por fim, a trama, mesmo que interessante, traz diversos clichês e pontos-comuns. Claro, esse não é um recurso exclusivo de Sea of Stars, nem de nenhum outro jogo; nem mesmo RPGs consagrados de outrora são à prova de falha nesse sentido. No entanto, me senti um pouco incomodada com a priorização pela comédia em momentos que deveriam ser mais tensos ou trágicos.
É realmente uma pena que um jogo com tanto potencial se atenha apenas ao básico necessário de um RPG. Embora eu não seja uma fã assídua do gênero, acredito que um pouco mais de dificuldade em alguns pontos seria bem-vindo. Então, se eu me senti assim, acredito que os mais veteranos possam ficar um pouco decepcionados com o produto final.
Gráficos estonteantes que unem o melhor dos dois mundos
Sea of Stars traz em seu audiovisual um cuidado ímpar. Os sprites em pixel art são excelentemente trabalhados, coloridos e vívidos, e, em combinação com os cenários variados, temos detalhes que são puro deslumbre.
Por vezes eu fiquei correndo de um lado para o outro para apenas reparar nos mínimos pormenores das localidades pelas quais passei, seja para observar as sombras dos bonequinhos no chão ou o efeito de refração na água enquanto eles nadavam — isso sem mencionar o belíssimo mapa-múndi rico em informações visuais, mas sem apelar para uma poluição nesse sentido.
A trilha sonora, assim como as personalidades encontradas ao longo do caminho, são carismáticas e promissoras. Até mesmo a música durante as batalhas sofre ligeira variação de acordo com o local em que estamos, então nada acaba sendo “mais do mesmo”.
Contudo, meu maior elogio vai para a excelente performance do jogo no Switch. Mesmo com tantos elementos juntos, a jogatina é agradabilíssima tanto no modo TV quanto no portátil do console, mas, para efeitos de nostalgia — se você for como eu, claro —, priorize o último. A única ressalva é a presença de telas de carregamento demasiadamente longas, mas nada que chegue a atrapalhar a experiência.
O universo do jogo também é riquíssimo em detalhes narrativos, trazendo até mesmo uma mitologia própria. Inclusive, alguns itens encontrados no decorrer da aventura podem ser entregues à historiadora Taeks, que, em troca, nos conta algum mito baseado nas regiões em que foram encontrados.
O universo do jogo também é riquíssimo em detalhes narrativos, trazendo até mesmo uma mitologia própria. Inclusive, alguns itens encontrados no decorrer da aventura podem ser entregues à historiadora Taeks, que, em troca, nos conta algum mito baseado nas regiões em que foram encontrados.
Se você tiver problemas com o inglês, não se preocupe: o português é uma das opções de idiomas disponíveis para a aventura. Existem alguns tropecinhos aqui e ali (e nem o inglês se salva deles, como a ausência de vírgulas em alguns textos), mas tudo é perfeitamente entendível e acessível.
Um Mar de Estrelas que vale a pena ser desbravado
Sea of Stars evoca nostalgia ao trazer aos consoles modernos uma aventura que remete aos RPGs do século XX. Com um pacote audiovisual minuciosamente trabalhado, personagens e localidades carismáticas e muita lore para ser explorada, sua simplicidade faz com que a aventura de Zale e Valere seja um prato cheio tanto para veteranos quanto para novatos no gênero. Mesmo com algumas ressalvas aqui e ali, este jogo é a prova de que, embora existam percalços no meio do caminho, o resultado pode valer — e muito — a pena.
Prós
- Apresentação audiovisual estonteante, que evoca a nostalgia dos jogos dos anos 1990 com um quê de modernidade;
- Elenco de personagens, tanto controláveis quanto NPCs, colorido, variado e carismático;
- Sistema de batalhas por turnos, mas com algumas mecânicas que demandam ações em tempo real;
- Presença de ataques combinados que adicionam uma camada estratégica aos combates;
- Acessível a vários públicos, de veteranos e entusiastas a novatos em RPGs;
- Excelente performance no Switch;
- História e lore riquíssimas em detalhes, criando um universo único e cativante;
- O português brasileiro é uma das opções de idiomas disponíveis.
Contras
- A simplicidade é uma faca de dois gumes, especialmente nos combates;
- Ausência de encontros aleatórios para explorar o sistema de level up e a sinergia entre os personagens durante as lutas;
- Dificuldade baixa no geral, podendo desapontar fãs mais exigentes;
- Falta de recursos para agilizar a campanha, como logs para missões e história, bem como itens ou habilidades para voltar a locais já visitados mais rapidamente;
- Alguns clichês narrativos, como vários lugares-comuns, e priorização de comédia em momentos de mais tensão;
- Os desafios das dungeons poderiam ser mais complexos em alguns momentos.
Sea of Stars — PC/PS5/PS4/XBX/XBO/Switch — Nota: 9.0Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Sabotage Studio