Tudo começa na floresta
Marnie Lennox, a protagonista da vez, é uma adolescente no auge dos seus 16 anos e, como de praxe, a garota está em sua fase rebelde — nas palavras dela, uma “gótica wannabe”. Durante as férias de verão, seus pais decidem que ela passará uma semana na casa de sua avó paterna, na minúscula Fenchapel, quase isolada da civilização.
Para piorar a situação da protagonista, a avó de Marnie, que perdeu seu marido há não muito tempo, não parece muito sã e constantemente fala de fadas e outros seres fantásticos que habitam a floresta próximo a sua casa. No entanto, vovó Iris tenta de tudo para agradar à sua neta, que, aos poucos, tenta construir uma boa relação com a mulher mais velha.
Em uma tarde, Marnie decide — praticamente por insistência da avó — fazer um piquenique na floresta, numa tentativa de não ficar enfurnada em seu quarto por uma semana inteira. Após um almoço feito por Iris, com as comidas favoritas de sua neta, a adolescente encontra um colar um tanto rústico e uma carta de sua avó, que diz que o acessório é uma herança da família e que agora pertence à menina.
Depois dessa pausa, a jovem resolve voltar para casa, porém acaba se perdendo na floresta. Para piorar, ela começa a ouvir vozes e, pensando se tratar de sua imaginação, Marnie é bastante hostil com quem quer que seja que está falando com ela; como se as coisas não estivessem ruins o suficiente, Marnie se perde ainda mais no meio de tantas árvores e verdes.
A situação fica bizarra quando nossa protagonista encontra um cavaleiro e que, a princípio, ela julgou ser alguém muito “lelé da cuca” fazendo cosplay. No entanto, esse misterioso homem começa a dizer que Marnie é Leofe e, embora a adolescente tente uma conversa racional com a estranha pessoa, o cavaleiro decide que está sendo enganado, brande sua espada e começa a atacar a menina.
Durante a fuga, a pequena “gótica wannabe” acaba se escondendo em uma árvore oca, que acaba se revelando um caminho secreto para uma clareira igualmente secreta. Nesse novo local, Marnie encontra uma garota adormecida, em posse de uma espada, que logo desperta graças a um poder misterioso emanado do colar que Marnie ganhou de sua avó.
A partir daí, a vida da adolescente rebelde muda completamente.
Clichê atrás de clichê
The Fairy’s Song flerta com elementos de fantasia e tenta trazer um misto de conto de fadas com romance medieval em tempos modernos — a trama da visual novel, de acordo com passagens e diálogos do próprio jogo, se passa em 2018. No entanto, embora eu goste muito das narrativas criadas por ebi-hime, preciso confessar que The Fairy’s Song me deixou profundamente chateada no quesito da contação de história.
Já não é de hoje que a autora faz questão de contextualizar e descrever a ambientação de suas histórias, porém a visual novel em questão acaba usando esse excesso de descrição como muleta para tentar justificar a duração do jogo. Apesar de eu não ser uma entusiasta de visual novels propriamente dito, gosto bastante de passar o tempo lendo e viajando pelos mais variados cenários, mas, no caso de The Fairy’s Song, tudo o que eu conseguia pensar era “já está acabando?”.
É curioso até mesmo para mim criticar a ambientação das visual novels de ebi-hime, porque, diferentemente de outros títulos como Blackberry Honey e Salome’s Kiss, que realmente me fizeram ter vontade de voltar no tempo e conhecer a Inglaterra vitoriana do século XIX, o jogo desta análise me deixou exausta. Claro, é sempre interessante ver que a autora toma muito cuidado para criar suas ambientações, algo que elogiei em The Language of Love, porém The Fairy’s Song peca pelo excesso ao pé da letra.
Contudo, não foi o excesso de descrição que me deixou incomodada nesta visual novel, mas sim os inúmeros clichês e previsibilidades ao longo da narrativa. Não teve nenhum momento em que minha leitura não me levou a adivinhar o que aconteceria a seguir — e, surpreendendo um total de zero pessoa, eu estava certa. São linhas e linhas de tantos lugares-comuns, especialmente no que tange à literatura fantástica/medieval, que, a partir de dado momento, acabei “desligando o cérebro” e fazendo uma leitura dinâmica do texto.
Além dessas inconsistências narrativas, algo que me surpreendeu negativamente em se tratando de uma história da ebi-hime, outro ponto que me decepcionou profundamente foi a construção dos personagens, em especial o par romântico de Marnie, Loefe. Não entrarei em muitos detalhes para não acarretar spoilers, mas, para uma garota que acabou de despertar de um sono de séculos, ela lidou muito bem com a ideia de estar no século XXI; não apenas isso, Loefe é extremamente poderosa, capaz de derrotar até mesmo um dragão sem muito esforço, um verdadeiro arquétipo Mary Sue.
Marnie é outra personagem que, apesar de estranhar os acontecimentos de início, logo se rende ao carisma de Loefe, dando início a uma relação para além de amizade entre as duas personagens. Mesmo assim, até esse romance incerto parece algo que foi colocado na história como um tapa-buraco, porque eu realmente não consegui entender como surgiu esse interesse repentino de Marnie por Loefe.
Em suma, trata-se de um desenvolvimento deveras superficial e até mesmo o desenrolar do romance entre Yuel e Safiya, em All Ashes and Illusions, por mais disfuncional que seja, conseguiu trazer mais dinamismo e despertar meu interesse do início ao fim. Realmente achei uma pena essa oportunidade de não desenvolver melhor as personagens de The Fairy’s Song, porque a primeira coisa que me chama a atenção nas visual novels de ebi-hime é o modo como a autora sempre consegue construir heroínas interessantes e coerentes.
Alguns problemas persistentes
Apesar de eu ainda querer falar das incoerências textuais da visual novel, preciso deixar esse tópico de lado para mencionar a performance do jogo no Switch. Assim como The Language of Love e Blackberry Honey, The Fairy’s Song apresenta “engasgos” em algumas transições de tela, que eu até hoje não entendi se são o resultado de uma falha na portabilidade para o Switch ou se a versão original para PC também possui esses problemas.
Embora o jogo seja totalmente compatível com a tela de toque do Switch, eu achei a visual novel em questão de difícil navegação nos menus devido ao esquema de cores. Os tons de verde são tão parecidos, que era difícil perceber qual opção eu tinha selecionado naquele momento; de resto, a apresentação audiovisual é certamente agradável, garantindo à visual novel alguns pontinhos positivos no fim das contas.
Existem opções melhores
The Fairy’s Song pode até agradar a fãs de contos de fadas e literatura medieval, mas não é a melhor história de ebi-hime disponível no Nintendo Switch. O intuito se perde em uma mistura de clichês e lugares-comuns narrativos, gerando previsibilidade atrás de previsibilidade e diversas inconsistências de roteiro — inclusive, este último é um fator agravado pelo mau desenvolvimento das personagens e excesso de descrição.
A redenção do jogo está em sua agradável apresentação audiovisual e em uma ambientação interessante, mas, de resto, não consigo recomendar The Fairy’s Song nem para quem deseja conhecer mais o gênero, nem para entusiastas de visual novels.
Prós
- Ambientação interessante;
- Apresentação audiovisual agradável;
- Totalmente compatível à tela de toque do Switch.
Contras
- Diversas inconsistências narrativas e fraco desenvolvimento de conflitos e personagens;
- Excesso de descrição desnecessário e previsibilidade, deixando a leitura cansativa e pouco interessante;
- Interface de difícil manuseio devido ao esquema de cores;
- Presença de “engasgos” em certas transições de tela.
The Fairy’s Song — PC/PS4/XBO/Switch — Nota: 6.5Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Cristiane Amarante
Análise produzida com cópia digital cedida pela Ratalaika Games