Análise: Cross Tails (Switch) esconde muito potencial atrás de grind walls

O jogo tenta beber da fonte de Disgaea e outros RPGs, mas se torna maçante e exaustivo devido ao grinding.

em 20/07/2023

Publicado pela KEMCO, Cross Tails é um curioso RPG desenvolvido pela Rideon, Inc. que bebe da fonte de títulos clássicos do gênero, como Disgaea, Fire Emblem e até mesmo Ragnarök Online e MMORPGs afins, mas abordando o conceito de animais antropomórficos que vivem em um grande conflito político-social. No entanto, as boas ideias que o título traz acabam prejudicadas pelo grinding excessivo, fazendo com que ele se torne cansativo a longo prazo.

Como cães e gatos

A trama de Cross Tails gira em torno de duas tribos, os canídeos do Reino de Ravenfurd e os felinos da República de Hidiq, que por décadas travaram confrontos incansáveis. Mesmo quando a calmaria parecia ter chegado, os Hundians e os Felis continuaram a estranhar uns aos outros, mas, ao que tudo indicava, os conflitos entre cães e gatos finalmente cessaram.

No entanto, a aparente trégua começou a sucumbir quando uma misteriosa força colocou Ravenfurd e Hidiq em lados opostos mais uma vez. Entre mal-entendidos e poucas opções pacíficas, colocando até mesmo a nação reptiliana do País de Dralbo no meio do fogo cruzado, cabe às duas tribos encontrar o caminho menos sangrento para a paz.


Apesar de uma premissa deveras simples e um tanto clichê, temos a oportunidade de escolher de qual lado queremos ficar ao selecionar, logo de início, um dos protagonistas: Felix, representante dos cães, ou Shaimaa, uma gatinha pavio-curto que não sabe parar quieta. Desse modo, a mesma história pode ser vivida sob duas óticas diferentes, já garantindo aqui um importante fator de rejogabilidade.

No entanto, diferentemente de Fire Emblem: Three Houses, que trouxe uma proposta de gameplay semelhante em 2019, o título da Rideon, Inc. não conta com a possibilidade de recrutar soldados do exército oposto. No entanto, o RPG permite que guerreiros Hundians ou Felis sejam contratados no decorrer da campanha, aumentando o poder bélico do exército do jogador, como veremos a seguir.

Inúmeras customizações e possibilidades

A característica mais marcante de Cross Tails é a grande quantidade de classes desbloqueáveis para todos os personagens. De acordo com informações do jogo no Steam, são 24 ao todo, fora as classes únicas para cada um dos heróis da aventura. 

Tomando como exemplo Shaimaa, já que escolhi o lado felino para viver a história, a protagonista tem como classe exclusiva Clan Princess, mas suas profissões primária e secundária são, respectivamente, Magic Swordsman e Knight.

A múltipla combinação de classes permite não só que um personagem equipe diferentes armas, como também tenha acesso a diversas habilidades passivas e ativas. Neste contexto de montar as árvores de técnicas dos bonecos, logo tive uma sensação de nostalgia da época em que eu jogava Ragnarök Online.

Fazendo uma breve comparação com o MMORPG da Gravity, mesmo que meu exército conte com duas classes voltadas à magia, posso focar um bonequinho na ofensiva e o outro em buffs/debuffs. Claro, Ragnarök Online não tem essa possibilidade de mesclar classes diferentes, mas permite que os jogadores determinem o foco daquele personagem.


Infelizmente, as habilidades de uma classe estão atreladas a elas, com exceção das passivas. Isso significa que, quando uma profissão primária ou secundária é alterada, o personagem perde acesso às técnicas ofensivas, a não ser que elas sejam de sua classe exclusiva. Por exemplo, Nisrine, o amigo de infância de Shaimaa, retém todas as suas técnicas com lança mesmo que ele seja especializado em técnicas de suporte.

Além das classes e habilidades, Cross Tails conta com um sistema de runas, que podem ser usadas para fortalecer equipamentos com os mais variados efeitos, como aumento nos parâmetros dos personagens ou até mesmo ativar a chance de fazer com que o boneco sobreviva a um ataque letal. Há ainda um sistema de Fé, que, assim como as runas, também garante benefícios únicos.

Para não me estender muito no assunto da personalização, que é outro grande ponto positivo, todas as informações estão dispostas em tutoriais, mas também são introduzidas conforme o progresso na campanha. Por fim, o RPG disponibiliza um sistema de troféus (conquistas), incentivando a experimentação dos mais diversos recursos presentes in-game.

Há coisas que outros jogos fazem melhor, especialmente na jogabilidade

Se por um lado a customização de personagens, classes e equipamentos é uma das melhores características de Cross Tails, por outro a jogabilidade deixa a desejar na maior parte do tempo. Fica claro que a grande inspiração do título desta análise é Disgaea; inclusive, quem é familiarizado com a franquia da NIS, sendo fã ou não, perceberá as diversas semelhanças entre os dois, em especial a movimentação em tiles. 

Porém, o que Cross Tails oferece em termos de combate, Disgaea consegue fazer melhor. Isso vale para o uso de habilidades, posicionamento de personagens e até mesmo cálculo de dano. Efeitos de terreno? Aplicação de buffs e debuffs? A NIS soube aproveitar tudo isso melhor em seu carro-chefe. 

Trocando em miúdos, a exploração dos mapas durante os combates se resume a se movimentar e realizar uma ação. Não existe sequer a possibilidade de contra-atacar um inimigo (salvo pelo uso de habilidades específicas) ou criar um ataque em conjunto com outros aliados.

Nesse quesito, é realmente uma pena que o sistema de batalha seja tão simples, conseguindo até perder para Record of Agarest War, outro RPG bastante medíocre, em termos de estratégia. Arrisco dizer que, se não fosse pela vasta customização, a guerra entre cães e gatos da Rideon, Inc. ficaria no mesmo patamar da série Rhapsody: A Musical Adventure, também da NIS.


Outra característica negativa de Cross Tails é o modo como ele lida com o fator grinding. Para melhorar e habilitar habilidades, por exemplo, é necessário usar Gold, a moeda do jogo, mas, a partir de certo ponto, o jogador é obrigado a rejogar as mesmas batalhas opcionais várias vezes.

O RPG procura fazer com que estratégias diversas, como aumentar dano em troca de diminuir defesas e bonificação de experiência,  sejam usadas ao longo da campanha, mas não existe a possibilidade de fugir do grinding. Até existe um sistema de risco e recompensa para o jogador que escolher uma dificuldade mais elevada, porém a IA se torna completamente agressiva, deixando o modo Maniac, por exemplo, praticamente injogável — digo isso porque tentei e me arrependi, e olha que eu sou o tipo de pessoa que joga Fire Emblem na dificuldade mais elevada, hein.

Resumo da ópera: o que Cross Tails tenta fazer em jogabilidade, outros RPGs fazem melhor. Pelo menos a dificuldade pode ser alterada a qualquer momento da campanha, sem indícios de prejudicar o jogador por isso.

Roda bem, mas é feinho

Outro fator que me deixou incomodada  foi a apresentação audiovisual, a começar pela falta de retrato para personagens secundários — e isso se aplica aos combatentes genéricos que podem ser recrutados ao longo da campanha. Contudo, isso está longe de ser a pior atrocidade visual aqui.

Tanto os elementos dos cenários quanto os bonecos possuem um horrível e espesso contorno preto, excluindo toda e qualquer possibilidade de o título ganhar alguns pontinhos extras no quesito arte. Inclusive, achei uma pena essa escolha duvidosa de design, já que os retratos dos personagens relevantes para a trama são bem desenhados e expressam carisma.


As músicas e cenários também beiram a repetição, sem se destacar muito — no fim, essa apresentação audiovisual me passou a sensação de que o jogo foi feito às pressas. Não dá nem para dizer que foi uma tentativa de dar um ar retrô à aventura, até porque o supracitado Record of Agarest War conseguiu mostrar melhor polimento visual como um todo.

Ao menos, posso afirmar que Cross Tails roda bem no Switch tanto no modo TV quanto no modo portátil, além de não recorrer a telas de carregamento exageradamente longas. Só quero deixar registrado aqui um estranho bug visual que acontece quando suspendemos o console com a tela de salvamento aberta, mas, pelo menos em minha experiência, isso não acarretou na perda de progresso ou fechamento forçado do jogo.

Podia ser melhor

Apesar de trazer uma vasta customização de personagens, uma história capaz de entreter e a possibilidade de visitar uma mesma história sob duas óticas diferentes, Cross Tails não consegue se destacar em nenhum aspecto memorável no âmbito dos RPGs, com outros títulos do gênero se saindo melhor no que o título publicado pela KEMCO se propõe a fazer. Além disso, a apresentação audiovisual também deixa a desejar em vários aspectos, mesmo que rode satisfatoriamente bem no Switch.

Hoje em dia, há opções melhores de RPGs no mercado. Não adianta demonstrar potencial, se este é constantemente prejudicado por problemas como um grinding a longo prazo.

Prós

  • Fator de rejogabilidade presente ao incluir dois pontos de vista diferentes para a mesma história;
  • Grande customização de personagens, com várias classes e habilidades para explorar;
  • Dificuldade ajustável a qualquer momento da campanha;
  • Sistema de troféus que estimula a experimentação de diversos aspectos da jogabilidade;
  • História simples, mas que entretém na medida certa.

Contras

  • Apresentação audiovisual aquém do esperado para um RPG atual, em especial os sprites dos bonequinhos;
  • A customização de personagens é prejudicada pelo grinding excessivo;
  • Sistema de combate medíocre que desperdiça os pontos positivos da customização de personagens;
  • Estranho bug visual ao retomar a jogatina depois de suspender o jogo na tela de salvamento.
Cross Tails — PC/PS5/PS4/XBX/XBO/Switch — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela KEMCO
Cross Tails está disponível na eShop
Capa: Thais Santos
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Também conhecida como Lilac, é jornalista e atualmente trabalha com assessoria de imprensa. Fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas.
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