Desenvolvido pelos irmãos Michalski, da Harvester Games, Burnhouse Lane foi originalmente pensado para ser uma sequência direta de seu primeiro jogo, The Cat Lady. No entanto, o produto final que recebemos foi uma experiência completamente nova, com uma história possível de ser aproveitada por todos os jogadores, independente ou não de experiências anteriores com os outros jogos da empresa.
Uma história sobre vida e morte
A trama gira em torno de Angie Weather, uma enfermeira viúva que fora casada com um de seus pacientes, agora morto após lutar contra um terrível câncer. Infelizmente, pouco tempo depois de se ver nessa situação já assaz trágica, a protagonista recebe a notícia de que ela própria também foi acometida pelo mesmo mal de seu marido.
Após lutar à sua maneira contra pensamentos nefastos, Angie decide aproveitar o que lhe resta de vida aceitando um último trabalho como enfermeira: cuidar do velho George, um idoso que vive em uma fazenda afastada da civilização e cuja rotina se baseia em comer sanduíches e assistir a seus programas de televisão na maior parte do tempo. No entanto, o decorrer da trama a leva à misteriosa Burnhouse Lane, uma espécie de cidade-purgatório onde a enfermeira é apresentada a uma entidade com forma de gato que lhe oferece a chance de realizar cinco tarefas em troca do livramento de sua doença.
A narrativa é dividida em capítulos e, em cada um deles, o jogador é responsável por controlar Angie e resolver quebra-cabeças para avançar na história. A maior parte da gameplay se resume a coletar objetos, selecioná-los no inventário e tentar encontrar o local correto para sua utilização, mas também há momentos de furtividade, nos quais devemos evitar chamar atenção de inimigos, e sobrevivência, em que precisamos manejar diferentes tipos de armas para aniquilar os males presentes no momento.
Outro ponto importante da jogabilidade é a presença de escolhas durante os diálogos, as quais são cruciais para definir o final a ser desbloqueado. Cabe ao jogador decidir se Angie agirá como uma educada e sociável enfermeira, pronta para engolir as piores atrocidades já ouvidas pelo homem com um sorriso no rosto, ou uma mulher respondona em estado terminal que já não se importa com a visão que a sociedade terá de si.
Apesar de, ao final das escolhas, a maioria das seleções levar ao mesmo desenvolvimento, escolher uma ou outra opção gera diálogos muito interessantes a depender de com quem estamos falando no momento e, às vezes, até mesmo descobrir segredos que servem para auxiliar no desenvolvimento da trama ou previsão de situações problemáticas por parte do jogador.
De um jeito ou de outro, toda a parte escrita do jogo é desenvolvida com maestria e temos uma ótima história sobre vida, morte, ambições e medos possível de ser aproveitada sob diferentes óticas. A maioria dos personagens é muito bem desenvolvida, bem como suas motivações e história de vida. Em poucas horas de jogo, é possível se identificar, se ofender ou se revoltar com todos os personagens com quem interagimos, pois todos são representações fidedignas da fragilidade e dualidade inerentes à natureza humana.
Alguns elementos fantásticos também estão presentes, pois a interação com as entidades em Burnhouse Lane garante a Angie algumas habilidades que não serão citadas aqui para evitar spoilers. Apenas é interessante ter em mente que essa ultrapassagem dos limites da interação humana per se garante ao jogador uma possibilidade de julgamento que não seria normalmente possível para meros mortais, mas que, dentro do contexto do jogo, se mostra verossímil o suficiente para que a experiência narrativa do jogo seja excelente.
Uma vez imerso no universo de Burnhouse Lane, é difícil querer largar o controle sem saber o que acontecerá no próximo capítulo.
Uma bela capa para uma boa história
Muitos bons livros são ofuscados por capas sem graça, mas esse não é o caso da história de Angie. Para complementar a parte escrita, o jogador é recebido nesse universo inquietante por belíssimos visuais e boa ambientação sonora. Na parte gráfica, temos personagens que são surpreendentemente expressivos: seus modelos possuem rostos que não são 100% estáticos, havendo uma variação de expressões faciais em momentos relevantes para o enredo.
Além disso, há algumas sequências de closes em rostos e objetos que destacam a qualidade panorâmica de Burnhouse Lane. Não há como evitar ser absorvido pela epopeia da enfermeira quando tanto a leitura quanto a apresentação audiovisual casam tão bem para a experiência como um todo, com belíssimos cenários compostos por elementos que variam de bucólicas fazendas a grotescas paredes que parecem vivas.
Os personagens possuem modelos cuja escolha estilística por uma representação mais próxima do realista também ajuda na imersão do jogador, sendo muito fácil enxergar neles pessoas reais com problemas fictícios, assim como é necessário para aproveitar a obra como um todo.
Por fim, há um bom equilíbrio entre a parte visual e auditiva do título: as músicas ajudam a criar uma atmosfera tensa quando deve ser, e também melancólica nos momentos certos. As reflexões presentes ao longo da narrativa são muito bem embaladas por esse caprichado pacote de elementos apreciativos, e cabe ao jogador apenas se deixar levar pela rica ambientação propiciada.
Tensão que ultrapassa a ficção
Apesar da distinta maestria da narração, o game sofre com algumas questões técnicas preocupantes, que vão de pequenos bugs visuais praticamente irrelevantes a perdas notáveis de performance e desaparecimento total do progresso salvo. Em determinado momento de minha jogatina, perdi o equivalente ao desenvolvimento de um capítulo após jogar por algumas horas, salvar e fechar o software.
Com medo de passar por essa frustração novamente, resolvi finalizar o jogo sem fechá-lo, dando pausas apenas pelo modo de suspensão do Switch. Após chegar ao final da história, resolvi fechar o software e, para minha infeliz surpresa, minha perda de progresso inicial não parecia ser apenas um caso isolado.
Em outro momento do jogo, a movimentação da protagonista ficou completamente travada. Ainda era possível abrir e movimentar o cursor pelos menus e inventários, mas o jogo havia travado de forma que se tornou completamente injogável, forçando-me a recomeçar do ponto salvo mais recente.
Além disso, em momentos de chuva in-game, é visível a queda da taxa de quadros, e o tempo de carregamento entre uma área e outra é insuportavelmente longo vez ou outra. Situações como as citadas quase me fizeram simplesmente desistir de terminar o jogo, mas a qualidade da história foi, felizmente, mais forte do que a insatisfação com a qualidade técnica no geral.
Afinal, em um jogo cujos elementos fantasiosos giram em torno de gatos, o que há de errado em lidar com um “save de Schrödinger”? Piadas à parte, vale a pena tirar um dia ou dois para tentar realizar a leitura em uma única viagem, pois a campanha é relativamente curta, com cerca de dez horas de duração total.
Excelente opção para fãs de suspense
Burnhouse Lane não apresenta grandes desafios em termos de jogabilidade, podendo ser considerado um jogo fácil em termos de gameplay no geral. No entanto, os temas abordados são de difícil construção dialógica e, nesse ponto, não há como negar que o trabalho feito pelos irmãos Michalski é suficientemente competente.
Infelizmente, problemas técnicos acabam afetando a experiência, mas, caso o jogador não precise fechar o jogo, é uma recomendação fácil para aqueles que estejam à procura de uma excelente história interativa.
Prós
- Excelente narrativa, com personagens bem escritos e desenvolvidos;
- Gráficos chamativos e músicas envolventes;
- Múltiplos finais;
- Gameplay acessível a diferentes níveis de jogadores.
Contras
- Telas de carregamento insuportavelmente longas em alguns momentos;
- Queda da taxa de quadros perceptível em períodos específicos;
- Estranho bug que deleta o arquivo de save ao fechar o jogo;
- Pequenos bugs visuais ou de controle de personagem.
Burnhouse Lane — Switch/PC/PS5/PS4/XSX/XBO — Nota: 7.5Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Feardemic