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Análise: Harmony: The Fall of Reverie (Switch): em busca de equilíbrio em um mundo caótico do capitalismo tardio

Visual novel da Don’t Nod propõe uma experiência ousada, mas que inclui uma boa dose de escolhas ruins de design.

Desenvolvido pela Don’t Nod (Life is Strange), Harmony: The Fall of Reverie é uma visual novel que brinca com o conceito de ser a ponte entre dois mundos. Com uma representação única de escolhas, a obra traz discussões interessantes e atuais sobre a sociedade e nossa capacidade de agir individualmente e coletivamente.

Um processo de reabertura e autoconhecimento

Harmony conta a história de Polly, uma jovem que acaba sendo forçada a voltar para sua cidade natal, Atina, após o desaparecimento de sua mãe, Ursula. O relacionamento das duas sempre foi conturbado, com a protagonista sentindo uma certa distância e ao mesmo tempo o peso das expectativas. Ursula é uma poetisa renomada e durante muitos anos de sua vida trabalhou para construir uma espécie de centro de apoio a artistas de diversos campos.

Pouco após chegar em Atina, Polly acaba descobrindo um colar misterioso e indo parar em uma espécie de outro mundo chamado Reverie. Lá ela encontra as Aspirações, figuras que representam abstrações de conceitos humanos como “alegria” e “poder”, e descobre que o mundo delas está em uma grande crise.

Escolhida como o oráculo “Harmonia” que conecta os dois mundos e atua para manter o equilíbrio, Polly logo descobre que suas escolhas serão essenciais para encontrar sua mãe e garantir um futuro melhor para a realidade concreta em que vive. Com esse vínculo a Reverie, ela recebe uma espécie de bênção que permite ver um pouco do futuro e suas escolhas como nós interconectados de uma rede.

Em termos gerais, a trama discute elementos sociais bem interessantes. Atina é uma cidade fortemente controlada e regulada por uma megacorporação chamada Mono Konzern e as suas ações mais nefastas em prol do lucro são um ponto central de conflito. Outro elemento é a capacidade de fazer a diferença no mundo com ações individuais e coletivas, com o jogo retratando injustiças e dificuldades, mas também formas de resistência à opressão mais esperançosas.

Vale destacar que o jogo também conta com um Codex, um material de referência com várias informações sobre personagens, lugares, conceitos mitológicos, etc. As informações presentes nele complementam significativamente a narrativa, oferecendo até mesmo detalhes que não são tão claros na trama principal.

Uma rede de possibilidades

O detalhe que mais chama a atenção em Harmony é definitivamente a sua estrutura de gameplay. As ramificações narrativas são apresentadas como nós de uma árvore complexa e cabe ao jogador escolher quais deles deseja visitar para continuar a história.

Além da conexão linear entre alguns nós, há aqueles que são apresentados como itens paralelos mutuamente excludentes ou não. Liberar um ponto da árvore pode abrir um novo nó que é considerado “inevitável”, impedindo usar outras opções.

Além de representar uma escolha narrativa que possui reverberações em outros momentos da trama, cada nó pode ter uma “recompensa” para o jogador na forma de cristais. Esses objetos são uma forma de reforçar o alinhamento de Polly com uma Aspiração específica, liberando caminhos específicos para concluir um capítulo de uma forma que a personagem já consegue antecipar. Porém, nem todo o futuro é visível. Para alguns nós, especialmente quando eles estão mais distantes, os detalhes são bloqueados a princípio e só são revelados após chegar em um determinado ponto.

Infelizmente, embora esse conceito de árvores seja muito interessante, trata-se de uma representação complexa e muitas vezes pouco intuitiva. Muitos detalhes demoram a fazer sentido e a visão do jogador acaba tendendo a ser mais reduzida do que esse sistema poderia oferecer. Mesmo havendo alguns elementos na interface como as notificações de objetivos, não é o suficiente para fazer a experiência ser clara o suficiente.

Outro problema significativo do método é que o roteiro acabou ficando demasiadamente fragmentado. Os trechos de cada nó são muitas vezes curtos demais e isso acaba deixando alguns eventos com uma aparência forçada. Também há certos diálogos inadequados às escolhas do jogador.

Vale destacar que até concluir um capítulo da história, é possível recomeçar e tentar seguir outra linha de eventos. Voltar ao início é uma opção bem vinda, mas não é possível pular os diálogos mesmo de trechos já lidos, uma opção que faria muita diferença.

Um cristal sem brilho

Em se tratando de uma visual novel com múltiplas escolhas e linhas de desenvolvimento, um aspecto fundamental da experiência seria dar a capacidade do jogador explorar outras possibilidades no seu próprio ritmo. Porém, em Harmony, o jogo só possui autosave na tentativa de reforçar o peso das ações do jogador, o que só torna a exploração da trama mais complicada. No Switch, os loadings das cenas também são muito lentos, então se fosse possível simplesmente escolher o nó e ativá-lo sem carregar aquele diálogo já visto, a experiência seria bem melhor.

Além disso, embora seja visualmente bem agradável com animações estilizadas e bem expressivas, o tom da trama e o estilo cheio de energia das ilustrações acabam destoando ocasionalmente. Junto com uma dublagem que às vezes soa artificial ou de tom inadequado e o roteiro muito fragmentado, a experiência acaba sendo enfraquecida e parecendo uma mistura disfuncional.

Um experimento nada ortodoxo

Harmony: The Fall of Reverie
é uma visual novel experimental com temas sociais relevantes e um conceito nada ortodoxo de navegação narrativa. Embora haja muitos elementos que mereciam mais polimento, eu diria que o saldo ainda é positivo e vale a pena mergulhar nessa história.

Prós

  • O conceito de exploração de escolhas como nós de uma rede complexa com elementos incertos é muito interessante;
  • A trama discute temas sociais bem relevantes como os impactos das megacorporações na sociedade e a capacidade de transformação da ação individual e coletiva;
  • O Codex inclui várias informações interessantes para complementar a história do jogo.

Contras

  • A fragmentação demasiada do roteiro leva a um desenvolvimento estranho para a narrativa e algumas inconsistências;
  • A dublagem às vezes soa artificial ou inadequada para o contexto;
  • Animações exageradas destoam da discussão;
  • Sistema de linhas de escolha pouco intuitivo;
  • Inexistência de save manual dificulta consideravelmente a experiência de múltiplas linhas narrativas;
  • Loading pode ser um pouco demorado no Switch.

Harmony: The Fall of Reverie — Switch/PC/PS5/XSX — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: Switch

Análise produzida com cópia digital cedida pela Don’t Nod


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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