The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom (Switch) foi anunciado em 2019 com um teaser que mostrava a princesa Zelda e seu cavaleiro Link encontrando uma espécie de múmia que desperta e traz o caos a Hyrule.
A Nintendo escondeu o nome oficial do jogo por bastante tempo, e reteve a identidade do vilão até recentemente, um mês antes do lançamento, quando um novo trailer deixou claro que o ser de joias douradas e cabelos vermelhos é, de fato, Ganondorf.
O retorno do nêmesis de Hyrule é significativo não apenas porque faz 17 anos que um novo jogo da série não trazia o marcante vilão, mas porque a presença dele é necessária para completar o sentido de um dos maiores símbolos da série: a Triforce.
Essa é uma longa história, uma linha do tempo milenar que começa em Skyward Sword, atravessa muitas lendas e termina em Breath of the Wild, tendo seu ponto central em Ocarina of Time.
Vamos contá-la em duas partes e, nesta primeira, concentraremos na essência plural da franquia em contar e recontar sua história de princesas, heróis e reis da escuridão que transportam seus nomes através das eras.
Zeldaverso
É bom deixar logo claro que a linha do tempo de The Legend of Zelda, apesar de oficial, não é uma estrutura intencionalmente planejada. A Nintendo primeiro projeta a gameplay de seus jogos e depois aplica a camada de tinta que dá rosto e personalidade a cada título. Zelda também passa por esse processo criativo, então, na prática, seus responsáveis não priorizam a continuidade da história, sempre adaptando-a às demandas do game design.
Exemplo disso é Link’s Awakening: é dito sequência a A Link to the Past, mas essa sucessão tem mais a ver com a época de lançamento e similaridade como jogo do que em elementos da trama, que é um episódio completamente à parte e até teve outros jogos alocados entre eles, a dupla Oracle of Seasons/Ages.
Uma das vantagens dessa filosofia é que cada título é independente e serve como uma porta de entrada convidativa aos novatos que desconhecem a história e serão capazes de absorver a carga simbólica da jornada do herói. Serve também aos veteranos, somando as histórias que jogaram para formar uma visão mitológica de um todo que não é prejudicado pelas lacunas dos zeldinhas que não jogaram. Eu mesmo não tive em mãos cerca de metade dos jogos da série, o que em nada diminui meu entusiasmo.
Dessa forma, a miríade de elementos recorrentes levou os jogadores a criarem associações e interpretações que rompiam as barreiras das aventuras isoladas e os misturavam em uma lore que permitia várias divergências. Quando a Nintendo planejou uma enciclopédia da série, reunindo seu material em um grande arquivo, fez sentido atender à vontade dos fãs detalhistas e fazer o mimo de organizar os jogos em uma cronologia oficial, mesmo que essa nunca tenha sido sua intenção.
A Linha do Tempo foi publicada no volume Hyrule Historia em 2011 e causou alvoroço, parecendo a muitos como uma confirmação de teorias unificadoras. A dificuldade em produzir uma continuidade entre obras que são ao mesmo tempo muito próximas e muito distantes levou a um recurso narrativo que hoje em dia está na moda: o multiverso. Não foi esse o nome usado, mas a verdade é que o vai e vem temporal de Ocarina of Time tornou-se um ponto de difusão ideal para partir a realidade de Hyrule em três linhas separadas.
Pode parecer bonita no papel, mas basta olhar um pouco mais a fundo para ver que a cronologia é repleta de repetições, incongruências, coincidências e perguntas sem respostas. Não é possível traçar um calendário minucioso porque ele não existe intencionalmente — e isso não é um problema; afinal, a série se chama “A Lenda de Zelda”, não “Os Registros Históricos de Zelda”. Simples assim.
Eu já tratei antes da questão de que
cada título é uma releitura da mesma lenda, um conjunto cuja lógica narrativa não precisa de coerência, mas de reorganização coesa dos mesmos velhos elementos enriquecidos por outros novos. O modus operandi da Nintendo pode ser descrito pelo ditado “quem conta um conto aumenta um ponto”, o que já a levou até a jogos que trazem o nome da princesa Zelda, mas não a presença dela, como Link’s Awakening e Majora’s Mask.
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Imagem promocional divulgada em 2016 como parte das comemorações de 30 anos da série.
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Mesmo assim, é interessante ver como algumas linhas gerais podem ser traçadas. Isso acontece porque cada peça isolada expande as possibilidades, aprofunda a lore e fornece base para mais nuances que podem ser revisitadas em jogos futuros, criando as referências e associações que tanto adoramos reconhecer.
É assim que vamos começar a tratar da lenda em seu princípio, quando os fundamentos foram narrados retroativamente: Skyward Sword (Wii/Switch) é o 15° título da série, mas sua história conta como tudo começou.
Skyward Sword
Não pense na Triforce como um mero item sagrado que confere poderes a quem o possui. Ela é o ícone que põe em movimento as engrenagens do eterno ciclo de reinvenção da lenda de Zelda. Vamos ver essa história do começo.
Três deusas, Din, Naryu e Farore, criaram a terra e partiram, deixando nela um artefato que representa suas essências tríplices, respectivamente o Poder, a Sabedoria e a Coragem. As três forças se manifestam em triângulos dourados que, juntos, formam um triângulo maior, completo em seu equilíbrio. Essa é a Triforce, que, diz a lenda, concede seus dons a quem a possuir, sem distinguir entre bem e mal.
Para guardar esse tesouro, as deusas deixaram outra divindade, a deusa Hylia. No entanto, o Rei Demônio Demise cobiçou esse poder e irrompeu do subterrâneo com suas hordas. No final, ele foi aprisionado, mas a deusa sabia que os grilhões não durariam para sempre e o mal voltaria a assolar o mundo.
Hylia tomou uma decisão difícil: abdicou da divindade para renascer em uma forma mortal ligada à Triforce. Dessa forma, ela reencarnou como Zelda, que se tornou líder do povo da deusa, os Hylians, e deu origem à família real de Hyrule. Todas as mulheres da linhagem real direta carregam o mesmo nome e podem ser a reencarnação da divina guardiã, aquela que protegerá o reino em tempos de necessidade.
Sabendo que não seria bom estar sozinha nessa enorme missão, Hylia também criou uma espada mágica para ser usada pelo herói que se erguesse como campeão da monarca. Ele passaria por provações para imbuir a espada nas Chamas Sagradas das três deusas para forjar a Master Sword, sob a bênção de Zelda.
Ganondorf ainda não aparece nesse início, mas suas raízes foram plantadas ali pela maldição final de Demise, quando foi derrotado pelos primeiros Link e Zelda da linhagem. Em tradução livre:
“Extraordinário! Você é um modelo de sua espécie, humano. Você luta como nenhum humano ou demônio que eu já conheci. Este ainda não é o fim. Meu ódio nunca perece. Ele nasce de novo em um ciclo sem Fim! Vou me erguer novamente. Aqueles como você... Aqueles que compartilham o sangue da deusa e o espírito do herói estão eternamente ligados a esta maldição. Uma encarnação do meu ódio sempre seguirá sua espécie, condenando-a a vagar para sempre por um mar de escuridão encharcado de sangue!"
O ódio de Demise foi encarnado em Ganondorf, um ladrão da tribo Gerudo que, sem saber que é prisioneiro de um destino maldito, cobiçou a Triforce para a todos dominar. São três prisioneiros: Zelda, Link e Ganondorf; as algemas são as marcas da Triforce que brilham em suas mãos. Levados pela sina do ódio antigo que os coloca em papéis ancestrais de eterna provação e conflito, os escolhidos pela Triforce não compreendem seus desígnios, eles apenas são impelidos a cumpri-los.
Essa história é recontada uma vez mais em Tears of the Kingdom, mas, antes de nos questionarmos o que esse retorno pode significar para a série como um todo, devemos passar por outros encontros destinados na segunda metade deste relato, especialmente pela conexão entre Ocarina of Time e Twilight Princess. Confira na parte final deste texto!
Revisão: Vitor Tibério