Análise: Trinity Trigger (Switch) é uma boa homenagem ao clássico Secret of Mana

Para aqueles que se frustraram com o remake 3D de Secret of Mana, este título merece a sua atenção.

em 24/04/2023

Desenvolvido pela FuRyu e publicado pela Marvelous (XSEED), Trinity Trigger é um RPG de ação com forte influência do clássico Secret of Mana (SNES), trazendo um combate cadenciado, através de stamina e party de três personagens, e foco em exploração em dungeons. O título conta uma história de fantasia em um mundo (Trinitia) onde se encontram criaturas chamadas Triggers, as quais se tornam poderosas armas mágicas, e há Deuses da Ordem e Deuses do Caos que disputam o controle delas. Nesse contexto, os humanos (inclusive o protagonista) são escolhidos desses últimos.

Uma trama simples com base na visão cosmológica de Ordem X Caos

Com contribuições e Yura Kubota (Octopath Traveler), a história possui um design narrativo linear e previsível, ambientada em um mundo chamado Trinitia. Logo de início, ficamos sabendo que houve uma antiga batalha entre os “Deuses da Ordem” e os “Deuses do Caos” para disputar seu controle. O estado do mundo tal como o encontramos no jogo é resultado do equilíbrio entre essas duas forças que continuam em tensão, e as criaturas que nele habitam encontram-se normalmente defendendo o lado de uma das entidades em específico.

O jogador segue Cyan, um jovem humano de uma pacata vila que, em um dia qualquer, é escolhido para ser o Guerreiro do Caos. Ele recebe uma marca especial em sua mão e passa a ser capaz de empunhar armas mágicas para mudar o rumo da batalha entre os deuses a favor do equilíbrio de Trinitia. Porém, essas armas precisam ser liberadas aos poucos (são oito tipos), e há vários mistérios nesse mundo que só ficarão claros mais tarde.


Na verdade, a forma real dessas armas é a de criaturas chamadas Triggers, capazes de se metamorfosear em diferentes equipamentos poderosos e dar-lhes habilidades especiais. Essas criaturas acabam servindo também como mascotes para a aventura e interagem com os três heróis da história: além do protagonista (Cyan), outros dois humanos chamados Elise e Zantis. Os três embarcam em uma aventura através de vários calabouços e diferentes regiões de Trinitia para desvendar o destino do mundo e confrontar os Guerreiros da Ordem.  

Os amantes dos clichês de vários JRPG da década de 1990 estarão em casa no contexto simples, direto e fantástico da jornada do herói neste jogo. A mitologia com relação aos deuses do Caos e da Ordem lembra jogos como os da série SaGa, e a ambientação colorida e fofa em diferentes biomas lembra os clássicos da série Mana. Contudo, em termos de narrativa, não se deve esperar nada muito além disso.

Uma combinação prática entre exploração e combate de RPG de ação

Claramente o ponto mais alto do jogo está em seu gameplay customizável para combates, com diferentes armas e aventuras em calabouços com tesouros, puzzles e chefes. O jogo é pouco inovador, mas é gostoso de jogar em seus sistemas singelos e práticos. Por todos os lados, é fácil ver inspirações da série Secret of Mana, sendo uma nítida homenagem a esse clássico do Super Nintendo. Como tal, a ideia é fundir mecânicas cadenciadas de RPG de Ação com exploração ao estilo de The Legend of Zelda.

Para isso, o jogador conta com um círculo de stamina para limitar seus ataques. Assim como ocorre com a Power Bar de Secret of Mana, você pode dar vários golpes seguidos, mas a stamina rege o poder de seus golpes, então, embora seja possível atacar ininterruptamente, suas investidas serão progressivamente mais fracas. Assim, é preferível dar de um a quatro golpes e então esperar um pouco até que suas forças estejam reestabelecidas. Essa dinâmica de stamina também precisa ser levada em conta ao interagir com outros objetos, como cogumelos que explodem ao serem atingidos ou outros que curam seus personagens.


A qualquer momento você pode “parar o tempo” para alternar entre as armas que estão em seu poder na forma dos Triggers, e também pode usar itens consumíveis. Essas armas podem ser evoluídas conforme você ganha experiência, e envolvem diferentes vantagens e desvantagens a curta, média e longa distância, como espada, machado, lança e arco, as quais não são apenas úteis para confronto, mas também para solucionar pequenos puzzles.

Assim como acontece na série The Legend of Zelda, precisaremos ativar mecanismos como alavancas, desobstruir passagens e encontrar caminhos escondidos da câmera fixa guiada do cenário. Umas poucas vezes pode ser preciso pensar um pouco, mas em geral não são puzzles muito difíceis. As batalhas também não são difíceis, com exceção de alguns chefes, porém não exatamente pelos chefes em si, mas por conta da IA dos personagens.


O jogador pode a qualquer momento alternar entre os três personagens no grupo, mas é altamente recomendável que assuma a linha de frente e escolha com sabedoria as armas de seus dois aliados, pois a IA pode fazer com que morram com facilidade algumas vezes. Esse problema também ocorre em alguns jogos da série Mana. Em Trinity Trigger há um melhor polimento de gameplay em comparação ao remake 3D de Secret of Mana, mas ainda não está ideal.

As batalhas comuns têm muito a ver com paciência e velocidade, e é preciso concentrar forças em um de cada vez e estar sempre em movimento para não ser acertado com facilidade. Com relação aos chefes, o desafio é sobre posicionamento, uma vez que o inimigo possui um move set específico com áreas em que recaem seus poderes. Dependendo de sua barra de vida, o move set pode mudar.

Acredito que a proposta poderia se beneficiar de uma maior complexidade de level design para puzzles, além de mais desafio e complexidade para move set dos inimigos, mas isso inevitavelmente precisaria vir aliado a uma IA mais sofisticada, do contrário, resultaria em apenas frustração. Compensa um pouco isso o fato do jogo permitir que o jogador divida o controle de seus personagens com amigos em multiplayer local, mas infelizmente não há suporte a multiplayer online.

Uma boa adaptação 3D do estilo de Secret of Mana

Uma parte importante para a homenagem que esse jogo pretende fazer está em seu trabalho audiovisual. O mundo tem um design poligonal simples, mas é bem colorido e diverso. Talvez o maior problema seja a forma como os cenários são condensados.

O mundo em si não é muito grande e aberto para explorar. Ademais, em pouco tempo é possível sair de um deserto e entrar em um cenário de gelo ou uma floresta tropical, e os caminhos nos cenários ou são simples demais ou são muito obtusos para se encontrar tesouros escondidos. Por outro lado, pode-se notar em cada canto um clima leve e carismático muito assemelhado a Secret of Mana que deve agradar aos fãs desse clássico. 


Contudo, parece faltar originalidade, além de um design mais elaborado e coeso para o mundo como um todo, bem como para o ecossistema dos cenários particulares e suas criaturas. Alguns aspectos técnicos in-game também deixam a desejar, como da modelagem genérica, pouco expressiva e pouco polida dos personagens e algumas animações de movimento muito rígidas.

O design de mundo foi desenhado por Nobuteru Yūki (character designer de Chrono Cross e Trials of Mana). Seu estilo aqui acompanha o design de personagem de Raita Kazama (Xenoblade), com um tom carismático e detalhado para as ilustrações e as cinemáticas dos personagens, as quais se harmonizam com uma aparência in-game um tanto chibi, como de The Alliance Alive, também desenvolvido pela FuRyu. Confira abaixo um trecho em que você pode conferir a transição do jogo para momento de voice acting com ilustrações e cutscene.


Algo semelhante se pode dizer do design das criaturas Triggers, desenhadas por Atsuko Nishida (character designer de Pokémon). Contudo, eu acho que essas criaturas poderiam ter mais personalidade em seu design, bem como seus inimigos no mundo, não acho que sejam tão marcantes e interessantes em comparação a outros trabalhos de Nishida.

Por fim, temos uma boa trilha sonora de Hiroki Kikuta, o mesmo compositor de Secret of Mana e outros jogos da série Mana. Eu não acho que ele tenha conseguido fazer peças tão marcantes para Trinity Trigger, porém se pode dizer que seu toque é sim reconhecível aqui por seu estilo colorido, saltitante e rico em percussão, o que será convidativo não só para seus fãs, mas acho que também para outros amantes de JRPG da era 16-bits.

Suas composições são bastante melódicas, frequentemente dançantes e bastante vivas, combinando com o design colorido e dinâmico do mundo e dos combates, especialmente nas cidades. Por outro lado, vejo que há poucas peças interessantes para capturar momentos de tensão, como nos chefes, por exemplo. Confira um trecho abaixo de música in-game.

Uma boa homenagem, mas não muito mais do que isso

Apesar da simplicidade em vários aspectos, sobretudo visual e narrativo, de problemas com a IA da party e de carecer de maior personalidade, Trinity Trigger é uma boa homenagem para fãs de clássicos em JRPG de ação. O título é indicado para alguém que busca uma experiência em 3D do estilo de gameplay de Secret of Mana, e é recomendado com ressalvas para fãs de JRPG de ação que estão abertos a uma aventura simples e casual.

Prós

  • Customização razoável para os combates, com base em diferentes armas que podem ser evoluídas e alternadas de forma dinâmica e prática;
  • Level design com uma boa game de elementos clássicos de action puzzle para exploração em calabouços;
  • Uma proposta divertida para multiplayer local;
  • Uma boa qualidade em ilustrações e cinemáticas;
  • Design de interface, trilha sonora e ambientação carismáticos e nostálgicos. 

Contras

  • IA simplória para inimigos e para personagens da party, o que torna o gameplay geralmente muito fácil ou frustrante;
  • Não possui multiplayer online, apenas local;
  • Os gráficos in-game poderiam ser mais polidos e o mundo é um tanto pequeno e pouco elaborado;
  • Narrativa muito simples e clichê;
  • Há pouca personalidade ou inovação para além do fator nostálgico nas escolhas de design.
Trinity Trigger — PC/Switch/PS4/PS5 — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Thais Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela Marvelous (XSEED)
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Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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