Como funciona o processo de precificação e de valorização em jogos? — Parte 2

Valorização: como a marca e a expectativa, entre outros fatores podem influenciar no preço de um jogo.

em 30/04/2023
Semana passada, meu colega Vitor M. Costa escreveu sobre a precificação em jogos. Relacionando preço, custo e demanda, tivemos a primeira parte, que será complementada nesta matéria. Trataremos hoje sobre como a valorização influencia o preço em games, ou seja, falaremos da importância da marca e da expectativa do consumidor.


Antes de discorrermos diretamente sobre o valor dos jogos, nós falaremos sobre o atual ''teto'' de 60 dólares. Desde os anos 70, a indústria de jogos passou por diversos padrões de preço. Como pontua Michelle Yan Huang and Ben Gilbert, em sua matéria, em inglês, para a Business Insider:

"Tinha uma época que jogos custavam entre 40 e 80 dólares na Nintendo, na era do ínicio do NES. Videogames de console em geral começaram com um preço de 50 dólares durante a era do Playstation 1/Nintendo 64. Mas eventualmente, aproximadamente 10 anos depois, o preço aumentou com a geração do Playstation 3, Xbox 360 e Nintendo Wii para 60 dólares e continuou assim desde então nos consoles."
Os autores argumentam que o valor em si não é tão crucial assim, pois seja 40 ou 70 dólares, ainda assim é preciso vender milhões de cópias para que um jogo se pague, tal como vimos nas relações de demanda na parte 1. O importante mesmo é que haja um padrão, pois, tanto para o jogador quanto para a publisher, fica mais fácil se planejar para comprar/vender um produto quando já se sabe quanto vai custar. Logo, a existência de um ''teto'' se resume à praticidade de trabalhar com um padrão de preço em mente. O preço do ''teto'' já se justifica pelas condições da indústria em determinada época, por isso ele varia e segue variando, pois as condições da indústria também dependem de uma série de questões econômicas e políticas externas. Por exemplo: 60 dólares na década de 90 vale muito mais que na década atual, veja na parte 1 desta matéria a diferença de custo de desenvolvimento de Final Fantasy VII.  

 O peso da expectativa e da marca

Já se perguntou o porquê da Nintendo ter adotado uma postura tão conservadora em relação aos preços de seus jogos nessa geração? Esse é um exemplo em que a marca mantém o preço do produto em um valor muito acima do orçamento do projeto para que a marca possa manter-se valorizada. Esse tipo de abordagem permite, por exemplo, que as mídias físicas do Switch se mantenham bem mais valorizadas que a de outras plataformas.

Lembra do selo de qualidade Nintendo? 

No fim da década de 80, a indústria de games estava praticamente morta no Ocidente. Foi aí que a Nintendo decidiu lançar o Famicom, que já fazia sucesso no Japão, no mercado americano e, anos depois, no europeu. Porém, para isso, era necessário ganhar novamente a confiança dos lojistas que perderam rios de dinheiro confiando na Atari e seus produtos que ninguém mais queria comprar.

Surge, então, o ''Official Nintendo Licensed Products'', o selo de qualidade que fazia parte da estratégia da Nintendo de mostrar que seus produtos passavam por um rigoroso processo de filtragem e teste de qualidade. Desde então, a marca Nintendo foi se tornando um ''sinônimo'' de qualidade.

Por conta desse peso da marca, é natural que ela queira explorar a vantagem de ser a mais antiga dentre as 3 gigantes atuais (ao lado da Microsoft e da Sony). E a forma que ela encontrou de fazer isso nessa geração foi através de sua postura conservadora em relação aos preços. Darei, abaixo, alguns exemplos.

Mario Strikers: Battle League (Switch) é um caso que mantém um preço de AAA, mesmo sendo claramente um jogo de menor orçamento (podemos chamá-lo de AA, nesse caso). O problema é que ele entra em uma categoria que faz com que seu valor seja relativizado pelo consumidor porque, 60 dólares (full price ou preço cheio) é geralmente utilizado para jogos AAA. Nesse contexto, cabe a pergunta: por que alguém compraria um jogo simples como Mario Strikers, podendo comprar The Legend of Zelda: Breath of the Wild ou Super Mario Odyssey, por exemplo? (na hipótese de que o jogador goste igualmente dos gêneros desses jogos).

Dentro do próprio catálogo da Nintendo, esse preço não faz sentido a não ser que você enxergue pela lógica do ''se tem Mario no nome, então tem que ser full price para que a marca se mantenha valorizada'', postura presente durante toda geração. Urge, então, a necessidade do retorno do selo Nintendo Selects, uma vez que, sem ele, os jogos não baixam de preço com o tempo.

Temos, também, o caso de Wargroove (Multi) e Advance Wars 1+2: Re-Boot Camp (Switch), ambos os jogos atendem aproxidamente ao mesmo público e são do mesmo gênero. Porém, um custa 20 dólares e o outro custa 60 dólares, mesmo se tratando de uma remasterização pouco onerosa. Apesar de serem 3D platformers bem diferentes, algo semelhante acontece com Crash Bandicoot N. Sane Trilogy (Multi) e Super Mario 3D All-Stars (Switch), sendo que esse é um caso ainda mais evidente, já que a trilogia de Crash foi um remake 1:1 que, com certeza, custou bem mais que os remasters da trilogia do Mario que nem totalmente portada foi (parte do código foi emulada). Ambas as situações envolvem valorização da IP.

Alternativamente, na Nintendo, com a chegada dos vouchers, podemos adquirir dois títulos por cerca de 100 dólares (que dá um desconto de 20% para dois jogos de 60 dólares), sendo bastante útil para títulos como Pokémon (os quais que não entram em promoção). Alem disso da tendência de valorização das IPs importantes, porém com escolhas de preços menores para jogos mais modestos (como WarioWare: Get It Together! e Snipperclips – Cut it out, together!).

Sabe aquele jogo que você hypa por anos só aguardando o lançamento? Isso também conta

 A expectativa é causada por dois fatores principais: interno e externo. 

Os fatores internos são aqueles intrínsecos ao jogo. Por exemplo, ao ver o trailer de Pragmata (PS5), anunciado pela Capcom em 2020, é natural que o público se interesse pelo seu visual, mistério, design dos personagens etc. Outro caso similar é o de Another World (lançado originalmente para Amiga e Atari ST) , lançado na década de 1990, o jogo foi bastante aclamado por conta de seus gráficos. 

Ainda sobre Another World, pode valer a pena mencionar que foi bastante criticado devido a sua curta duração. Com o tempo, diversas desenvolvedoras passaram a adicionar conteúdo apenas para ''encher linguiça'' e dizer, no material publicitário, que tem mais de 100 horas de conteúdo, quando na verdade tem bem menos (e a maioria é conteúdo repetido). De qualquer forma, as horas in-game estão relacionadas ao valor, e não ao preço, pois um jogo pode ser curto e muito caro (The Order 1886 (PS4), por exemplo) ou longo e com um orçamento modesto (como os jogos da saga Ys, por exemplo).

Por outro lado, quando falamos de fatores externos, estamos falando daquilo que está relacionado ao contexto de desenvolvimento, publicação e ao jogo como produto, no geral. Por exemplo, o que faz com que os jogadores se sintam mais confiantes no combate de Final Fantasy XVI, invés de esperar algo simples, como o de Final Fantasy XV? Podemos justificar que é pela presença de Ryota Suzuki, diretor de combate que trabalhou em jogos como Devil May Cry 5 e Dragon's Dogma. Sendo um fator externo à obra, mas que contextualiza seu desenvolvimento, no caso, através de um desenvolvedor com uma carga já conhecida pelos fãs de ARPGs e HnS. Outro exemplo é se o jogo vai receber ou não mídia física. Também tem o caso da nacionalidade, tem gente que dá oportunidade a determinado jogo só por ser brasileiro, por exemplo.

Vamos analisar um caso da Nintendo. Desde o lançamento do Switch, soubemos que ele não teria nenhuma espécie de retrocompatibilidade (pelo menos no lançamento). Sendo assim, a Nintendo teve que, com o tempo, relançar diversos títulos de Wii U, Wii, GameCube etc. Porém, existem casos de jogos que chegam mais caros do que o lançamento original, mesmo sendo um remaster de baixo orçamento como The Legend of Zelda: Skyward Sword HD (Switch).

Vídeo de comparação feito por ElAnalistaDeBits


















Nesse caso, o máximo de trabalho que deve ter dado foi o de adaptar os controles de movimento para um controle tradicional. Skyward Sword lançou em 2011 por 50 dólares no Wii, enquanto seu remaster recebeu o preço de 60 dólares, seguindo a postura já citada da Nintendo.

Podemos notar que essa lógica propicia um tipo peculiar de “concorrência” dentro do catálogo da Nintendo, já que Kirby's Return to Dream Land Deluxe (Switch) está a full price (sendo um remake com conteúdo novo), mas Metroid Prime Remastered é vendido a 40 dólares (sendo praticamente um remake, em muitos aspectos). Por outro lado, Zelda e Mario — que estão à frente do marketing do Nintendo Switch — recebem relançamentos que, apesar de bons, não possuem um custo e um polimento comparáveis.

Esse preço do Metroid Prime Remastered até é justificável. Trata-se de uma forma de publicidade para o Metroid Prime 4 (Switch), o qual já está em produção há uns bons anos. Ou seja, a Nintendo precisa disponibilizar um relançamento de qualidade para poder garantir que o maior público possível (fãs da saga e novatos) vá comprar Metroid Prime 4 (Switch). Em suma, Metroid Prime Remastered é mais barato, pois a demanda é bem menor comparada à de Pokémon, por exemplo, que recebeu um relançamento de menor orçamento em comparação à Metroid Prime ou Kirby. Por outro lado, Pokémon tem uma demanda muito maior. Pela lógica da curva de demanda (ver mais na Parte I), seu preço deveria ser inferior, mas segue a lógica da valorização da IP já citada.

E as amadas mídias físicas?

Um dos pilares da indústria que talvez tenha chegado em seu nível mais precário é a mídia física. Essa que, com o tempo, foi cada vez mais sendo precarizada ao ponto de alguns jogos de Switch sequer dispoem de alguma arte no interior de suas caixas (tendo apenas uma parte branca dentro da caixinha do jogo), além de dificilmente virem acompanhadas de manual ou outros materias complementares. 

Tecnicamente, a mídia física deve manter-se no mesmo preço que a mídia digital, mesmo que custe muito mais caro produzir e distribuir do que a mídia digital. Algumas distribuidoras, como a Microsoft, distribuem não só o jogo, mas também algumas versões exclusivas como a do Halo Infinite (que vem com um baralho temático do jogo) ou Forza Horizon 5 (que vem com um boné do jogo). Essas versões são bastante acessíveis e são diferentes de uma versão de colecionador, que costuma ser bem mais cara. Porém nem todas as publicadoras fazem isso.

Outro exemplo é o da CD Projekt Red, que ainda distribui seus jogos com mapinhas e outras coisas (como foi o caso de The Witcher 3: Wild Hunt - Complete Edition para Switch), mas é um caso raro hoje em dia.

Com o tempo, a mídia física tem ficado cada vez mais escassa e, mesmo com mercados fortes (como o Japão), vemos uma precarização de um pilar da indústria que a acompanha desde o berço. Hoje, ás vezes temos que agradecer quando um jogo recebe mídia física, pois, várias vezes, nem isso ocorre.

Fim da matéria, mas começo de várias dúvidas

Podendo olhar para o preço com um caráter mais técnico e crítico, vamos trazer dois últimos exemplos: Final Fantasy Pixel Remaster e Sonic Origins:

FINAL FANTASY Pixel Remaster custa 75 dólares, mas, diferente de Sonic Origins, essa coletânea traz trilha sonora orquestrada, localização para mais idiomas (inclusive português), pixel art refeita dos personagens, uma cena de HD-2D, entre outras adições, e são jogos bem mais longos que Sonic — embora tenham conteúdos distintos. Não estamos discutindo se é justificável ou não 75 dólares por uma coletânea de 4ª geração, porém faz mais sentido em termos de custos do que Sonic Origins; é um fato que a coletânea de Final Fantasy custou bem mais caro que a coletânea de Sonic.

Sempre vemos pessoas reclamando do preço dos games (nós, inclusos), mas, às vezes, pode ser interessante parar e analisar o porquê das coisas. O objetivo dessa matéria foi mostrar vários dos diversos fatores referentes à decisão de precificar um lançamento. A indústria dos jogos já está com cerca de 50 anos e suas constantes evoluções e mudanças tecnológicas e de mercado fazem com que atributos como preço mudem com o tempo (isso sem considerarmos questões político-econômicas de cada país e em um contexto mundial). Encerrando essa matéria, queremos saber o que você acha, compartilhe suas opiniões nos comentários abaixo!

Revisão: João Pedro Boaventura
Coautor: Vítor M. Costa


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Graduando em Geografia, fotógrafo e colecionador de retrogames. Depois de ser introduzido aos JRPGs em 2021, tem desbravado as fantasias nipônicas da Square Enix, Nintendo, Falcom, entre outras. Alguns jogos me chamam atenção pelos motivos mais aleatórios possíveis (como o chocobo na cover art de FFV), enquanto outros apenas por ter menos 30h de duração. Acompanho o trabalho de artistas como Fumito Ueda, Miyazaki, Shimomura, entre outros. Fotografias virtuais, clipes e screenshots de quase tudo o que jogo podem ser encontrados no meu Twitter; Alguns ensaios e prévias podem ser checados no Medium; Tudo o que jogo, joguei e vou jogar (bem como várias listas) está disponível no Backloggd.
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