Como funciona o processo de precificação e de valorização em jogos? — Parte 1

Precificação: a relação entre preço, custo e demanda na indústria dos videogames.

em 09/04/2023

Para discutirmos se o preço de um jogo é “justo” ou não, há uma série de fatores que precisamos levar em conta antes de apontar para um game com preço X e dizer que está caro porque um outro está com preço Y. Traçar comparações para julgar que um preço é justo ou injusto frequentemente pode ser uma tática enganosa, porque há diferentes variáveis que podem ter determinado o preço de um e de outro.


Eu (Vítor M. Costa) e meu colega Raphael William nos juntamos para analisar essa questão com cuidado em duas partes. Conduzirei esta primeira parte da discussão; ele assumirá o barco semana que vem.

Para entendermos introdutoriamente como a dinâmica de preço funciona na indústria dos videogames, precisamos conversar sobre a relação entre lucro e custo de produção, bem como a relação entre preço e demanda, e também a construção do valor e da marca de um produto. Isso é o que nos propomos a discutir nos próximos tópicos deste texto e na continuação desta matéria.

Relação entre lucro e custo de produção (desenvolvimento e publicação)

Vamos começar pelo básico. Imagine que você é um vendedor de sanduíches caseiros. Como você irá calcular o preço de seus sanduíches? Provavelmente você irá considerar quanto custa para fazer um sanduíche com base no preço do pão e demais ingredientes empregados; em seguida, acrescentará um valor extra pela sua mão-de-obra e, por fim, somará a esse montante uma porcentagem de lucro. Na base, essa ideia também se aplica à produção de videogames, mas de uma forma bem mais complexa.

Para começar, precisamos fazer uma distinção entre o custo de desenvolvimento e o custo de publicação. O custo de desenvolvimento está relacionado ao que uma empresa gastou para desenvolver o jogo. Podemos citar aqui os contratos temporários que ela teve que firmar com desenvolvedores terceiros e atores; a gravação de músicas em estúdio; e a compra de materiais, como maquetes para construção de cenários de diorama, a exemplo dos cenários de Fantasian (Mobile).


Por outro lado, o custo de publicação está relacionado a fatores diferentes, como o registro do jogo em diferentes países, conforme jurisdição de cada local; assessoria de imprensa; marketing; produção de cópias físicas (quando há); e distribuição. Esses custos não podem ser subestimados, pois muitas vezes são inclusive mais elevados do que os de desenvolvimento.

Podemos tomar como exemplo o caso de Final Fantasy VII (PS), que até hoje é um dos jogos mais caros da história, com custo de desenvolvimento estimado entre 40 e 45 milhões de dólares (o que ultrapassa 70 milhões, convertendo para hoje em dia). O jogo envolveu entre 100 e 150 desenvolvedores, em uma época em que os times de desenvolvimento costumavam ter cerca de 20 pessoas.


O gasto foi tão grande quanto o de publicação: segundo Tomoyuki Takechi (chefe-executivo da Square Enix), o marketing foi de mais de 40 milhões de dólares (metade disso apenas nos Estados Unidos); outras fontes indicam até 100 milhões.

Em contraste com Final Fantasy VII, jogos indies vendidos a 20 dólares ou menos costumam ter um custo de publicação muito baixo, pois inicialmente não possuem versão física, além de que são vendidos com um marketing básico e por distribuição via Steam. Essa é uma das razões para que esses jogos sejam quase sempre muito mais baratos do que aqueles que saem da indústria tradicional. Outro motivo está no custeio de seu desenvolvimento.


Quando calculamos o custo de desenvolvimento de um jogo, nós podemos considerar o custeio direto (variável) ou o custeio por absorção (integral). No primeiro caso, estamos levando em conta estritamente o custo das coisas que compramos para fazer aquele jogo e que não constam como custos fixos da empresa. Por exemplo: o custo de manutenção de uma máquina é fixo, bem como o aluguel de um estabelecimento e o salário de um secretário com carteira assinada, mas o custo do material usado para a máquina e contratos de trabalhos temporários para a produção do jogo são custos variáveis.

O custeio por absorção (integral) procura estimar o custo de produção de algo também com base nos custos fixos; para isso, nós precisamos acrescentar uma parcela do que costuma ser gasto na manutenção das máquinas da empresa, no aluguel do estabelecimento, no gasto médio com o salário de empregados fixos, entre outros custos fixos pertinentes. Podemos obter um valor aproximado do Custo Total (CT) de um produto somando o Custo Variável (CV) mais o Custo Fixo (CF).

CT = CV + CF

Nesse cálculo integral, evidencia-se como um mesmo jogo produzido em empresas distintas pode ter custos muito diferentes. Dungeon Encounters (jogo da imagem abaixo), da Square Enix, é vendido por 30 dólares, mesmo sendo relativamente simples em muitos aspectos; talvez ele pudesse ser vendido a 20 dólares se fosse de uma empresa indie. A escolha desse preço se dá em parte pelo fato de que o título foi produzido por uma empresa com várias despesas fixas que não podem ser menosprezadas no cálculo de seus produtos.

Relação entre preço e demanda

Além do cálculo dos custos, há outros fatores que precisamos levar em conta quando estamos analisando o preço de um jogo, e um que não pode ser esquecido é o cálculo da demanda. Determinar o custo de um jogo é o primeiro passo para a empresa criar uma expectativa do quanto ela precisa arrecadar e ter algum lucro em cima dele; porém, diferentemente de vender um sanduíche caseiro, ela não está fazendo um produto único para ser vendido, e sim uma propriedade intelectual que pode ser copiada. A vendagem é calculada por cópias vendidas.

Normalmente, cerca de 80% das vendas de um jogo são de seu período de lançamento, então podemos ter uma ideia da projeção de vendagem por meio das cópias físicas disponibilizadas durante esse período. Claro que nesse cálculo estamos considerando apenas o restrito mercado tradicional de consoles. Teríamos que considerar outras variáveis para falarmos dos negócios em PC e plataformas móveis.

Para fazermos um pequeno estudo de caso, vamos considerar o contexto japonês. No País do Sol Nascente, as vendas físicas de jogos de consoles da Nintendo e da Sony representam cerca de 60% das vendas de um único título. Animal Crossing: New Horizons (Switch), por exemplo, vendeu, em 2020, 6,3 milhões de unidades físicas e 2,6 milhões de cópias digitais, e Final Fantasy VII Remake vendeu, no mesmo ano, 949,379 cópias físicas e 372,931 digitais (Install Base).


Nesse cenário, consideremos o lançamento recente do remake de Resident Evil 4 (PS4/PS5). Na semana dos dias 20 a 26 de março, a Famitsu registrou que o título vendeu 89,662 unidades no PS5 e 85,371 no PS4. Em ambos os consoles, isso equivale a 80~100% do estoque, o que significa que está dentro do que foi estimado pela empresa. Claro, o período de lançamento não é apenas a primeira semana, mas as primeiras semanas; estamos aqui simplificando a equação.

Se o montante em mídia física representar 60% das vendas gerais do jogo, e esse total, por sua vez, em período de lançamento, significar 80% das vendas a longo prazo, temos aí o caminho para saber mais ou menos quanto a empresa calculou para receber em termos de cobertura de custos e lucro. Se quisermos ter uma perspectiva global a partir desses dados, podemos ainda verificar o quanto as vendas do Japão representam proporcionalmente em relação ao resto do mundo para jogos anteriores de Resident Evil.




Ocorre que a projeção de demanda não apenas é considerada após o estabelecimento do preço de um produto, mas também antes. Jogos de nicho, direcionados a uma demanda muito restrita, tendem a ter preços mais caros muitas vezes por conta disso. Há poucas pessoas que comprarão aqueles produtos, então frequentemente precisarão pagar um preço mais elevado por eles do que aquele que pagariam se fôssemos nos ater aos custos de produção.

Desse modo, a demanda de um jogo é um fator extremamente importante para entender seu preço. Um exemplo claro disso é o caso de visual novels (VN). Muitos exemplares desse gênero custam 60 dólares, independentemente da plataforma, mesmo com um custo de produção imensamente menor que o de um AAA, como o remake de Resident Evil 4, lançado pelo mesmo preço.

Alguém poderia considerar que pagar 60 dólares em uma VN é um preço “injusto”, porém muitas vezes é o necessário para que seja um negócio viável. Devemos lembrar que, a depender da proposta de design de um jogo, nem sempre é possível deixá-lo acessível e/ou atrativo a um grande público, tornando-se também inviável barateá-lo. Baixar o preço, claro, é um dos fatores para atingir uma maior audiência, mas não é o único, e pode acabar sendo um tiro no pé.

Conclusões parciais

Pelo material de hoje, já é possível ver que comparar preços entre jogos não é algo simples, pois é preciso considerar vários fatores para compreender o porquê de um jogo estar custando 20 dólares apenas ou full price (60 ou 70 dólares). Esse preço não apenas leva em conta o custo variável de desenvolvimento e o lucro, mas também gastos fixos da empresa, publicidade e o público alvo que oferece demanda para o respectivo tipo de jogo.

Considerando todos esses aspectos, um jogo relativamente barato de desenvolver, como uma VN, pode ter um preço aceitável a 60 dólares, enquanto que um título muito oneroso de se produzir pode muitas vezes apresentar um preço bem barato quando consegue compensar isso com uma grande audiência. No mais, pelo que mostramos hoje, já é possível entender (via custo de publicação) por que um jogo indie tende a ser mais barato que um de mesmo custo de desenvolvimento publicado por uma empresa maior.

Na próxima semana, meu colega Raphael irá conduzir uma reflexão sobre a relação entre a lógica de precificação que vimos até agora e os conceitos de valor e de marca. Essa segunda parte será fundamental para compreender o que determina o “teto” do preço de jogos da indústria, como alguns jogos aparentemente baratos de se fazer e com alta demanda ainda assim podem sair a um preço alto, bem como daremos ferramentas para analisar o porquê de algumas empresas (como a Nintendo) atualmente não baixarem muito seus preços com o tempo, enquanto outras o fazem.
Revisão: Davi Sousa
Coautor: Raphael William

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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