Gostar ou não gostar: por que há tanta crítica aos "não fãs"?

Um relato sobre uma problemática enraizada no fandom de várias franquias e que precisa ser trazida à tona.

em 24/04/2023

Quero abrir este texto com um excerto do livro Bom Dia, Todas as Cores!, de Ruth Rocha: "Por mais que a gente se esforce, não pode agradar a todos. Alguns gostam de farofa, outros preferem farelo. Uns querem comer maçã, outros preferem marmelo. Tem quem goste de sapato, tem quem goste de chinelo, e se não fossem os gostos, o que seria do amarelo?".


Como proposto pela autora paulistana, a história infantojuvenil do Camaleão que vive mudando de cor para agradar aos demais habitantes da floresta traz uma importante moral: quanto mais nos esforçamos para deixar as pessoas à nossa volta contentes, mais nos esquecemos daquilo que nos faz bem. No entanto, dentro dos fandoms, aparentemente não há espaço para quem pensa diferente: ou você se encaixa naqueles padrões ou você não é "fã de verdade".


Vi isso acontecer quando publiquei a resenha do filme do Mario: na minha ingenuidade, escrevi um texto levando em conta os aspectos da película, não a proposta focada para seu público-alvo, diferentemente do que meu colega Victor fez em sua própria análise. Não posso nem tirar a razão pela qual as pessoas ficaram descontentes com minha abordagem, ainda mais levando em consideração que sou redatora aqui no Nintendo Blast, mas o que mais me chamou a atenção na enxurrada de comentários negativos foi o fato de não aceitarem que eu, que não sou tão fã de Mario, me propus a assistir ao filme voltado, veja bem você, a fãs do encanador bigodudo.

Na minha percepção, não existe problema em eu ir assistir a um filme mesmo sabendo que eu não faço parte do público-alvo dele, e fui capaz de entender as referências aqui e ali — e reitero que, como entretenimento, o filme cumpre com o seu papel. Oras, se eu, uma "não fã" do Mario, me diverti com a animação, isso não significa que ela é um ótimo produto final?

Para mim, esse já é um saldo positivo, especialmente dada a minha relutância em prestigiar um produto (praticamente uma marca hoje em dia) com o qual não tenho muita afinidade. Contudo, aparentemente o fandom de Mario discorda do meu ponto de vista, que foi invalidado pelo simples fato de eu me posicionar como alguém que não tem tanto apreço pela mascote da Nintendo.

Diferentes mídias, diferentes públicos

Filme do Mario à parte, quero enfatizar outra franquia que caiu no meu gosto, Fire Emblem, mas que nem sempre foi assim. Voltando algumas (quase três já!) décadas no tempo, a jovem Juliana não era fã de RPGs, muito menos da vertente estratégica/tática do gênero. Inclusive, meu primeiro contato com RPGs foi Pokémon Gold, mas, até aí, era minha única referência do gênero.

Fui jogar Fire Emblem pela primeira vez apenas em 2016, já com um 3DS em mãos, e, mesmo assim, segundo o fandom, eu estava "jogando errado". Primeiro, porque muitos dentro dessa "bolha" consideram Fates uma das piores entradas da franquia; segundo, porque eu optei pelo modo casual, que, ainda de acordo com esses jogadores "puritanos", destrói toda a essência de Fire Emblem: o modo de morte permanente (permadeath).

Mesmo assim, antes de finalmente cogitar jogar um Fire Emblem, eu já vinha tendo contato com a franquia por meio de outros jogos, em especial a série Smash Bros. Ou seja, mesmo sem possuir outros consoles da Nintendo (à época, NES, SNES, GBA, GC e Wii), eu já sabia quem eram Marth, Roy e Ike e a lore de seus jogos originais; conhecer o resto da franquia Fire Emblem foi, então, uma mera questão de tempo.


Hoje em dia, mesmo que eu me considere fã de Fire Emblem, eu não digo que seja fã de RPGs. É verdade que já analisei alguns para o Nintendo Blast (o mais recente sendo Mato Anomalies), mas são títulos pontuais que me chamaram a atenção — em especial, Persona 5 Royal.

Quando publiquei a minha análise desse jogo, a primeira observação que fiz a respeito foi o fato de eu nunca ter jogado a versão original de PlayStation 4. O resultado: algumas pessoas julgaram minha análise fraca e rasa, com informações imprecisas. Agora lhe pergunto: para experimentar o port de um jogo, eu preciso então ter jogado a versão original? É errado querer ter contato com uma franquia a partir de um console que possuo?

Sinceramente falando, não consigo entender essa relutância dos mais diversos fandoms em aceitar novos fãs de suas franquias favoritas — basicamente, vivemos o meme do “fã raiz x fã Nutella”. Se formos seguir esse raciocínio, então só é fã quem acompanha uma série desde o início? Isso é mesmo possível, levando em consideração que algumas franquias tiveram início nos anos 1970, 1980?

A importância do acolhimento

Os fandoms devem entender que as pessoas precisam de um ponto de partida para conhecer séries e franquias, sejam elas atreladas ao universo dos videogames ou não. Desse modo, deve haver um espaço para que “não fãs” possam expandir seus horizontes.

Às vezes, pode acontecer de não gostarmos de algo logo de cara — eu mesma também não gostava de jogos de RPG Maker, mas, a partir de dado momento, passei a curti-los. E está tudo bem se precisarmos de umas chances a mais até decidirmos se realmente curtimos ou não alguma coisa.


Por isso, creio ser hora de pararmos para pensar que, como pessoas diferentes, cada um tem seu jeito de interagir com o mundo e, assim, recebe de maneira subjetiva e individual as mensagens presentes nas diferentes mídias, bem como cada qual tem seu próprio tempo para realizar determinadas atividades ao longo da vida.

Agora, voltando ao exemplo do Mario de antes: quem garante que, ao ver a empolgação dos fãs no cinema, não fiquei animada para dar uma segunda chance ao encanador bigodudo?

Revisão: Davi Sousa

Também conhecida como Lilac, é fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas. Icon por 0range0ceans
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