Devido à pandemia de COVID-19, o aniversário de 20 anos de MMBN passou em branco em relação a novidades mais significativas sobre os games, mas a paciência que a Capcom pediu aos fãs foi recompensada com Mega Man Battle Network Legacy Collection. Esse apanhado reúne todos os títulos numerados da série, incluindo ambas as versões a partir do terceiro, divididas em dois volumes que podem ser adquiridos separadamente, e um misto de alguns recursos novos e outros resgatados de um período onde a especulação tecnológica estava no pico, com a chegada do novo milênio.
Em pleno 20XX, ano da cibertecnologia, você aí sem um NetNavi
Analisar uma coletânea de jogos clássicos envolve muito mais um olhar sobre o conjunto do que sobre os games propriamente ditos; afinal, estamos falando de games lançados há muitos anos, até mesmo décadas. Suas qualidades e defeitos já são conhecidos do público, principalmente de quem acompanha a franquia em questão desde seus primórdios.
Portanto, vamos apenas passar pela trama de Mega Man Battle Network e seus principais conceitos de gameplay, para focar no que Legacy Collection tem a oferecer nos quesitos de preservação de conteúdo e benefícios em relação a versões anteriores dos produtos inclusos.
MMBN se passa no futurístico ano de 20XX, em uma realidade alternativa ao universo da série principal de Mega Man. Neste cenário paralelo, a tecnologia e a internet avançaram ao ponto de praticamente todo tipo de eletrônico estar conectado à rede mundial de computadores.
Para ajudar a lidar com a complexidade desse avançado sistema, foram criados programas denominados Network Navigators, mais conhecidos como NetNavis. Eles funcionam como avatares virtuais com múltiplas funções, da comunicação com outros Navis ao combate a vírus e cibersegurança de maneira geral, e ficam armazenados nos Personal Terminals (Terminais Pessoais), os PETs, dispositivos portáteis usados para a conexão com qualquer aparelho que possua um terminal de entrada.
Acompanhamos as aventuras de Lan Hikari e seu Navi MegaMan.EXE, que combatem as muitas ameaças que surgem no caminho com a ajuda de aliados. O rol de personagens inclui versões cibernéticas de vários personagens clássicos da franquia Mega Man, como Roll, Proto Man, Guts Man, Skull Man e por aí vai.
Eu jamais vou deixar de achar genial a ideia de reimaginar todos esses robôs para encaixá-los tão bem no conceito dos NetNavis, dando a eles um novo visual e um papel tão diferente do universo da série principal. É um detalhe que certamente ajudou a pavimentar o sucesso de MMBN, apelando de maneira criativa para a nostalgia dos fãs.
Confiando no coração (ou melhor, CPU) dos chips
Como não é só de uma boa ambientação e construção de personagens que vive um jogo (ou jogos), Battle Network figura um inovador sistema de batalha que combina dois gêneros muito populares à época: RPG e cartas colecionáveis.
Os combates virtuais se baseiam na mecânica conhecida como Active Time Battle (ATB), comumente associada a Final Fantasy, mas que aqui assume um dinamismo maior. A arena de batalha está disposta em formato de grade 3x3; são 18 quadrados, com os 9 vermelhos à esquerda para o jogador e 9 azuis à direita para os inimigos.
MegaMan.EXE se movimenta livremente dentro da sua zona, utilizando, além do tradicional Buster, uma vasta coleção de chips para montar uma pasta (baralho) de 30 “cartas” com diversas funções ofensivas e defensivas, como roubar para nós uma coluna da área inimiga e até mesmo invocar um dos muitos NetNavis que encontramos.
Enquanto batalhamos, uma barra no topo da tela vai sendo carregada, e quando ela é preenchida, podemos enviar os chips ao MegaMan. Cada chip tem um nome e um código representado por uma letra do alfabeto, e as unidades de mesmo título ou letra podem ser carregadas juntas.
Portanto, a estratégia está em montar uma pasta com chips que tenham sinergia entre si, pela repetição de itens com nome ou código iguais. As possibilidades parecem não ter fim, nos dando uma constante vontade de alterar o baralho para escolher as melhores combinações, até porque as batalhas nos rendem novos chips com muita frequência.
É impressionante como o combate de Mega Man Battle Network permanece divertido até hoje. A quantidade de chips é espantosa desde o primeiro título da série, e as nuances estratégicas de batalha e montagem de baralho fazem com que os desafios se renovem ao longo de toda a gameplay. Entender os padrões de cada inimigo novo sempre que adentramos uma área inexplorada, por exemplo, mantém o interesse do jogador em chegar até o fim.
A exploração e resolução de puzzles se tornam maçantes em alguns momentos, principalmente se você não souber aonde ir e se vir em uma sucessão de aparições inimigas indesejadas. É em pontos assim que eu acho que a coletânea poderia intervir e adicionar recursos de qualidade de vida, como uma função de acelerar o tempo ou até mesmo desabilitar as batalhas temporariamente.
Um museu virtual com artigos dos dias atuais
Por si só, incluir as seis entradas numeradas (dez, incluindo todas as versões do 4 ao 6) de Battle Network já é um ótimo trabalho de resgate e preservação, mas naturalmente era preciso ir além de simplesmente portar os jogos e não incluir absolutamente nada que atraísse jogadores veteranos.
Felizmente, Legacy Collection vai muito bem em ambas as missões. Para começar, a interface do menu inicial simula um PET, cujo NetNavi é o próprio MegaMan.EXE, com direito a uma roupagem especial para cada metade da coletânea, caso você tenha adquirido os volumes na pré-venda.
Esta versão do parceiro virtual de Lan Hikari tem até falas dubladas em inglês. Não achei tão interessante (ou necessário) assim, mas é um toque estético bonitinho, que demonstra um nível bacana de cuidado no desenvolvimento do produto, indo além da lei do esforço mínimo.
Como é de praxe nas coletâneas da franquia Mega Man, temos aqui, por exemplo, opções de enquadramento para a tela de jogo e um tocador de música com as trilhas completas dos jogos. Também está disponível o Modo Buster MAX, que multiplica o dano do tiro básico em 100, praticamente garantindo que você irá eliminar os inimigos com poucos acertos.
Entre os destaques mais robustos, estão a galeria; o modo online para batalhas e troca de chips; e a inclusão dos Patch Cards, que até então eram um conteúdo inédito no Ocidente. Mas vamos por partes.
Diretamente do manual de boas práticas de curadoria gamer
Além de artes próprias dos títulos, a galeria inclui peças de eventos promocionais e merchandising, rascunhos, artes conceituais e até ilustrações utilizadas em sites oficiais de MMBN. Para os colecionadores que preferiram a versão de Switch às demais, está incluso um sistema interno de troféus, com 56 conquistas para o primeiro volume e 47 para o segundo.
Voltando aos Patch Cards, temos aqui um magnífico exemplo de como fazer um bom uso da oportunidade de reunir jogos clássicos em uma coleção para preservar seu legado (como o próprio nome “Legacy Collection” deixa claro).
Os Patch Cards são cartões físicos lançados apenas no Japão, que eram escaneados no e-Reader do Game Boy Advance para desbloquear chips com efeitos variados a partir do quarto título principal de Battle Network. Ao todo, são 499 cartões que podem ser ativados e desativados a qualquer momento durante a gameplay.
Toda desenvolvedora de jogos que tem em mãos uma propriedade intelectual longeva e pretende reunir suas obras em um único produto tem que tomar nota do que a Capcom fez (aliás, aproveito para deixar também o trabalho feito em Cowabunga Collection).
É exatamente esse tipo de coisa que tem que ser feito: pegar um conteúdo até então inacessível a uma parcela gigantesca do público consumidor e disponibilizá-lo a uma nova geração de consoles, preservando sua existência (ainda que caiba uma discussão sobre a precificação dessas coletâneas).
Quanto ao modo online, não tenho muito para comentar sobre questões como estabilidade da conexão e desempenho durante as partidas, já que não consegui encontrar uma única alma pelo matchmaking, seja para batalhar, seja para trocar chips. Não sei se isso aconteceu porque o jogo foi lançado há menos de uma semana ou se ocorreu algum tipo de problema, mas infelizmente ficou essa lacuna nas minhas jogatinas.
Simbora, MegaMan.EXE, que tem muito jogo pela frente!
Mega Man Battle Network Legacy Collection é a mais nova de uma série de coletâneas de qualidade do Maverick Hunter mais famoso da Capcom. Para além de introduzir esta fantástica subsérie de Mega Man a novos públicos e gerações de plataformas, a existência dos Patch Cards deixa um novo legado no campo das antologias de games.
Prós:
- Faz o resgate histórico de uma série aclamada e há muito pedida pelos fãs de Mega Man;
- A jogabilidade e as principais mecânicas de Battle Network, como os sistemas de combate e deckbuilding, permanecem excelentes até hoje;
- Um excelente conteúdo extra, incluindo os Patch Cards, até então inéditos no Ocidente, que mostram o que uma coletânea deve fazer para justificar sua existência.
- Um sistema interno de conquistas para os que gostam do colecionismo e escolheram a versão de Switch.
Contras:
- A exploração e resolução de puzzles podem se tornar maçantes, confusos e labirínticos demais em alguns momentos;
- Pelo menos até então, o modo para batalhas e troca de chips online é ineficiente pela ausência de jogadores;
- A interface do menu principal, que simula um PET com MegaMan.EXE de NetNavi, é bem desinteressante, ainda que seja um toque bonitinho.
Mega Man Battle Network Legacy Collection — Switch/PC/PS4 — Nota: 8.5Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Capcom