Como os jogos atuais visam acessibilidade em detrimento de imersão

Desde a década de 1980, videogames cresceram como um todo, mas qual será o efeito dessa drástica mudança nas próximas gerações de jogadores?

em 05/04/2023

Desde o começo dos videogames como conhecemos, há cerca de 40 anos, os desenvolvedores têm que tomar escolhas de game design que sejam compatíveis com a época, com os jogadores e com a plataforma. Ou seja, cada conceito, cada comando, cada linha de diálogo, tudo tem que ser pensado para um público-alvo, de modo que, ainda assim, seja de acordo com a ideia do diretor ou da equipe.

Com o crescimento da indústria e com as chegadas das lojas virtuais já embutidas no console, temos visto, cada vez mais, os jogos sacrificarem a ideia do diretor ou da equipe para alcançar um público-alvo maior. Ou a própria ideia original já se tratar de algo voltado para um público maior. A partir dos anos 2010, jogos com uma quantidade de opções de acessibilidade exagerada, como mais de cinco modos de dificuldade, estavam surgindo e já estavam ditando como seria a indústria nos próximos anos.

A acessibilidade em videogames não deve ser tratada como um obstáculo para uma experiência mais imersiva, porém algumas desenvolvedoras (que, com o tempo, tornaram-se várias) decidiram utilizar a desculpa da acessibilidade para poupar tempo de desenvolvimento. 
Os diferentes níveis de dificuldade em Diablo III (ainda tem mais), de tormenta I até X


Em outras palavras, o uso da acessibilidade passou de ''facilitar a vida do jogador'' para ser usada como desculpa para ignorar aspectos de game design que marcaram gerações inteiras, mas que hoje tendem a ser tachados de antiquado, justamente por favorecer toda uma tendência da indústria de jogos atuais. Nesta matéria, trouxemos exemplos e comparações, a fim de mostrar como o game design atual visa acessibilidade em detrimento de uma gameplay mais imersiva e verossímil.

Como são tratados os mapas hoje em dia?

Como abordado em minha matéria sobre cartografia lúdica, a forma como os mapas são tratados e em como o jogo mostra o objetivo para o jogador são alguns dos fatores que mais mudaram com o tempo. Em exemplos de como direções eram apresentadas para o jogador em jogos antigos, temos a franquia Dragon Quest, que dava coordenadas específicas para serem seguidas, ou o jogo The Elder Scrolls Morrowind, que descrevia as direções utilizando pontos marcantes do mapa.

Atualmente, tanto para evitar que o jogador se perca e fique frustrado quanto por ser uma técnica mais fácil e barata de se aplicar, vemos múltiplos jogos apenas usando marcadores para garantir que o jogador vá para o local certo. Por mais que seja mais efetivo ao ajudar os usuários, vários jogadores sentem falta dessa forma mais imersiva dos jogos antigos.

Como tutoriais são tratados?

Em Super Mario Bros. (NES), logo nos primeiros momentos, o jogo já nos mostra alguns conceitos básicos da gameplay como o pulo, o inimigo que é derrotado ao pular na cabeça e o cogumelo que aparece ao bater em um bloco por baixo. 

Esse método de tutorial ''orgânico'' é outro ponto que é importante para a imersão (apesar de imersão não ser um ponto muito importante para Mario, esse tipo de tutorial ajudou diversos títulos no futuro a serem mais imersivos), porém diversos jogos atuais preferem colocar avisos na tela, às vezes, lotando de janelas de texto, ao invés de construir uma forma sutil e dinâmica de ensinar as mecânicas para o jogador.

Dependendo da complexidade da obra, a quebra da imersão é um sacrifício quase que necessário, como em jogos do gênero RTS 4X, porém vários jogos atuais que poderiam facilmente ensinar suas mecânicas de forma mais orgânica simplesmente não colocam este esforço.

As polêmicas opções de dificuldade

Balanceamento e dificuldade são pontos importantes, pois é muito comum, ao jogar jogos antigos, notar que são bem mais difíceis que os atuais. Isso ocorria, às vezes, para prolongar a vida do jogo. O problema é que essa dificuldade não-orgânica perpetua até os dias de hoje, só que ao contrário. O que ocorre são jogos com tantas facilidades que ficam fáceis demais. Mas, não por serem essencialmente fáceis, mas sim por não terem confiança em uma única dificuldade que consiga agradar a todos e, portanto, dividindo a dificuldade em várias fases, mudando apenas alguns números para garantir que qualquer pessoa consiga terminá-lo.

Acessibilidade e sua presença no debate da necessidade (ou não) de modos de dificuldade é um tema amplo que pode ser discutido em uma matéria separada, porém é importante mencionar jogos recentes como os da franquia Dark Souls que popularizaram um contramovimento às múltiplas dificuldades atuais, apresentando suas próprias formas orgânicas de facilitar ou dificultar a experiência.

Existe alguma solução à vista?



Dentro da indústria atual, a aplicação de técnicas para aumentar a imersão do jogador está sendo cada vez mais substituída para facilitar a finalização de jogos. Empresas AAA se importam tanto com a quantidade de pessoas que terminam um jogo que preferem não arriscar confundir jogadores ao dá-los muita liberdade de aprender organicamente. Em jogos indies, temos uma variedade gigantesca na aplicação de imersão, alguns até mesmo fazendo o completo oposto e não ensinando nada, perdendo vários jogadores no processo por esperar o aprendizado de algo não mostrado claramente.

De certa forma já temos nossa “solução” com uma vasta diversidade de jogos no mercado para agradar a qualquer tipo de gosto, porém caso os jogadores desejem jogos mais imersivos da indústria AAA, seria extremamente difícil mudar suas práticas sem um grande movimento ou uma grande mudança no gosto do público geral.

Coautor: Gohan Dutra
Revisor: Diogo Mendes
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Graduando em Geografia, fotógrafo e colecionador de retrogames. Depois de ser introduzido aos JRPGs em 2021, tem desbravado as fantasias nipônicas da Square Enix, Nintendo, Falcom, entre outras. Alguns jogos me chamam atenção pelos motivos mais aleatórios possíveis (como o chocobo na cover art de FFV), enquanto outros apenas por ter menos 30h de duração. Acompanho o trabalho de artistas como Fumito Ueda, Miyazaki, Shimomura, entre outros. Fotografias virtuais, clipes e screenshots de quase tudo o que jogo podem ser encontrados no meu Twitter; Alguns ensaios e prévias podem ser checados no Medium; Tudo o que jogo, joguei e vou jogar (bem como várias listas) está disponível no Backloggd.
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