Análise: Theatrhythm Final Bar Line (Switch) é divertido, carismático e faz jus ao legado da Square Enix

Com muito conteúdo e uma gameplay aprimorada, este novo Theatrhythm é a maior celebração musical da história da Square Enix.

em 14/02/2023

Desenvolvido pela Square Enix 1st Production Department em parceria com a indieszero, sob a direção de Masanobu Suzui, e publicado pela Square Enix, Theatrhythm Final Bar Line é um spin-off de Final Fantasy e mais uma entrada na série de jogo de ritmo Theatrhythm. Trata-se de uma fantasia de multiverso com um estilo simples, colorido e teatral e mecânicas de jogo de ritmo que acompanham várias das mais notáveis peças das trilhas sonoras originais de Final Fantasy, além de contar com DLCs com músicas de muitos outros clássicos da Square Enix.

Um carismático e prolífico teatrinho musical através do multiverso de Final Fantasy e além

Tal como eu antecipei em meu Blast Test, Theatrhythm Final Bar Line apresenta uma narrativa quase inexistente. Não há um narrador, diálogos dedicados para a trama geral do jogo e muito menos cutscenes específicas senão aquelas dos títulos que Final Bar Line homenageia, que, aos poucos, são desbloqueadas na galeria do game, Museum. Entretanto, a ficção ainda parece indiretamente ter a ver com o contexto de Theatrhythm Final Fantasy, pois há menções ao conceito de “Rhythmia”, um poder musical capaz de interromper o processo de corrupção dos cristais nos diferentes mundos de Final Fantasy.

Essa premissa faz de Final Bar Line uma fantasia de multiverso, mas sem um elenco fixo. Você adquire novos personagens para sua party à medida que desbloqueia novas rotas de quests. Em cada rota, há cenários únicos em movimento linear e automático, cuja ambientação é feita de forma singela, mas ainda de modo a fazer lembrar alguns lugares de seus respectivos mundos, como Gaia (Final Fantasy VII), Ivalice (Final Fantasy XII e Final Fantasy Tactics) e Eorzea (Final Fantasy XIV).


Esse aspecto de animação mais dinâmica, apresentando caminhadas, batalhas e um caminho linear com inimigos e baús para enfrentar em batalhas musicais (battle musics) significam um avanço em relação aos seus predecessores na série Theatrhythm, nos quais o cenário era estático. Embora com uma arte 2D bem mais simples, é possível que esse design tenha sido uma influência de Kingdom Hearts: Melody of Memory (Switch), também desenvolvido em parceria entre a Square Enix e a indieszero.

No entanto, a simplicidade visual deste game não é fortuita. Como o nome da série sugere, Theatrhythm pretende dar ao jogador uma perspectiva teatral na qual ele assiste ao jogo se passar com uma câmera fixa, de modo que o side-scrolling faz sentido para essa proposta, bem como o design minimalista para os personagens, novamente desenhados por Atsuhiro Tsuchiya (mais conhecido como Monster Octopus). Só é uma pena que o conceito de teatro de bonecos não tenha sido aproveitado também para desenvolver mais a narrativa.


A experiência principal no jogo limita-se basicamente a jornadas lineares nas quais você pode conseguir chaves para desbloquear um novo mundo e assim por diante. Depois de destravar e vencer certa quantia de jornadas (e seus respectivos personagens), aparecerá a jornada do próprio Theatrhythm. Definitivamente não falta conteúdo para esse jogo: há centenas de músicas da série Final Fantasy (inclusive spin-offs), várias das quais de alguns dos mais notáveis compositores da indústria dos videogames, como Nobuo Uematsu e Hitoshi Sakimoto.

As DLCs do game ainda prometem adições semanais de músicas de várias outras franquias da Square Enix compostas por Yoko Shimomura (Front Mission e Live A Live), Yoshinori Mitsuda (Xenogears e Chrono), Keiichi Okabe (NieR), Takeharu Ishimoto (The World Ends with You), Yasunori Nishiki (Octopath Traveler) e Kenji Ito (Mana e SaGa). Por enquanto, eu só pude experimentar as músicas de SaGa, as quais são excelentes; a influência do flamenco em peças de Romancing SaGa dão ainda maior variedade ao catálogo de Theatrhythm Final Bar Line.


O incrível catálogo musical dessa nova entrada em Theatrhythm só é possível graças à incomparável tradição da Square Enix de boas trilhas sonoras de jogos, principalmente em estilo de rock e com elementos orquestrais da música erudita do período romântico. Este jogo se encaminha para ser monumental em termos de celebração musical e com toda a certeza agradará aos fãs da Square Enix, não só pela variedade de excelentes e memoráveis composições, mas também porque estão em arranjos originais de cada jogo, dos timbres típicos do Game Boy para Final Fantasy Legend, por exemplo, a versões orquestrais e de banda específicas de filmes, como Final Fantasy VII: Advent Children.

Quanto à parte do design de interface de Theatrhythm Final Bar Line, ela se mantém dentro dos padrões de seus antecessores na série. Temos quatro “linhas” em que os ícones musicais podem aparecer, possivelmente aludindo às quatro linhas da pauta musical em partitura.


No entanto, as linhas não têm a ver com o tipo de som relacionado aos ícones que aparecem nelas e nem com diferentes botões no controle. Ambas as coisas são determinadas apenas pela cor dos ícones circulares. 

Os ícones circulares possuem três cores por padrão: verde, amarelo e vermelho (nas configurações há uma segunda opção de conjunto de cores). Esses ícones são a base para as mecânicas Trigger do jogo.


Os círculos verdes com linhas verdes indicam o Hold Trigger: você precisará manter pressionado um botão por algum tempo e acompanhar o movimento da linha com o analógico; o círculo amarelo (Slide Trigger) com seta que indica uma direção para a qual você deve mover um analógico ou ambos; e o círculo vermelho (Touch Trigger), por sua vez, indica apenas que você deve apertar um botão qualquer.

Também há momentos em que são combinados o círculo verde e a linha com seta no final (Hold-Slide Trigger), bem como linha verde com eventuais círculos vermelhos Hold-Touch Trigger. Por meio das mecânicas Trigger, o jogador deve seguir o ritmo da música, produzindo sons percussivos estridentes (às vezes demais) que se sobrepõem à música de fundo.

Uma gameplay divertida com interação rítmica, modo cooperativo e elementos de RPG

Sem dúvida, o maior foco do design desse jogo está em sua gameplay. Embora tenha bebido muito da fonte de seus antecessores, Final Bar Line conseguiu aprimorar e expandir significativamente a fórmula dessa série tanto em mecânicas de ritmo quanto em modo cooperativo e em elementos de RPG, oferecendo uma experiência mais engajante, diversa, cooperativa (opcionalmente) e desafiadora (em modo de dificuldade avançada).

As batalhas musicais do jogo possuem pelo menos três opções de dificuldade. Do mais fácil para o mais difícil, temos Basic, Expert e Ultimate, mas várias missões também possuem a dificuldade Supreme. Há variações internas de dificuldade nesses modos e elas correspondem, principalmente, a uma maior quantidade de ícones na tela. Isso, no geral, torna a experiência rítmica mais rica conforme o progresso no jogo e frequentemente mais fiel ao ritmo da música em si, embora as versões em Supreme sejam, às vezes, complexas demais. Confira um trecho de vídeo abaixo com gameplay no modo Expert.


Pessoalmente, eu prefiro jogar no modo Ultimate, que abrange os níveis de dificuldade entre 7~10, porém algumas de nível 10 foram muito difíceis para mim, então tive que jogá-las em modo Expert, que compreendem os níveis entre 4~6. O problema é que, em contraste, pode ficar muito mais fácil. Idealmente, seria interessante poder escolher a dificuldade por nível e não por modo, mas entendo que seria bem trabalhoso fazer uma boa progressão de dificuldade tão escalonada para uma grande quantidade de músicas.

Porém, a dificuldade também pode variar por fatores externos ao level design de ação rítmica. Final Bar Line contém uma gama de elementos de RPG em sisteminhas simples, mas que cumulativamente podem fazer bastante diferença para tornar uma batalha musical mais fácil, mais difícil ou simplesmente um pouco diferente.


Entre esses elementos de RPG, podemos destacar um sistema de fraqueza de determinados inimigos a elementos (como fogo ou gelo) e um pequeno inventário para poções, phoenix down e outros itens consumíveis que alteram a performance de seu grupo de personagens. Entre as alterações possíveis, há, por exemplo, o efeito haste, que acelera a música.

Também há um sistema de formação de party para quatro personagens escaláveis. Há uma centena de personagens jogáveis distribuídos em diferentes “classes”: ataque físico, ataque mágico, defesa, suporte, caça e cura, e um grupo mais variado tende a ser mais aconselhável.


Cada personagem possui slot para três habilidades, as quais são utilizadas automaticamente. Opcionalmente, você pode escolher para o jogo otimizar sozinho isso para você.

Pode-se ainda escolher uma criatura para ser invocada durante as batalhas, a qual também pode afetar sua jogatina. Finalmente, é possível customizar a roupa de seu moogle (mascote do time) e seu dirigível, mas apenas por fins estéticos.

O objetivo do level design consiste basicamente em desafiar o jogador a chegar até o final da música sem perder toda sua vida (seus personagens perdem vida a cada círculo que você não acertar corretamente), bem como incentivar que o jogador busque pontuação mais elevada, enquanto fator replay. O único problema maior de design que vejo está em o jogo trazer quatro linhas quando não faz nenhuma diferença mecânica ou sonora um círculo aparecer em uma linha ou em outra. Confira no vídeo abaixo um pouco da dinâmica de gameplay no modo Ultimate.


Como se pode constatar pelo vídeo acima, duas linhas são justificáveis, pois há combinação de dois botões em alguns momentos, mas o fato de haver quatro apenas gera confusão. Mesmo eu tendo jogado dezenas de horas viciadamente, esse aspecto ainda me parece uma dificuldade artificial e inconveniente para a experiência de gameplay. Essa escolha somente faz sentido em alguns raros momentos de músicas no modo Supreme ou em modo cooperativo de duas ou até quatro pessoas, no qual cada jogador trata de acertar os círculos de uma ou duas linhas apenas.

No mais, como já confessei no parágrafo anterior, a gameplay é ótima e pode se tornar bastante viciante. Há basicamente três tipos de experiências oferecidas: as fases de Battle Music Stage (BMS) para derrotar ondas de inimigos a tempo; as fases de Field Music Stage (FMS), nas quais você viaja por paisagens temáticas dos mundos de Final Fantasy; e as fases de Event Music Stage (EMS) em que você acompanha o ritmo da música enquanto vê cenas dos jogos originais.

Vale observar que apesar desse jogo trazer muitas músicas da série Final Fantasy, há um foco claro nos jogos numerados da franquia. Vários spin-offs são contemplados, mas costumam ter poucas músicas. Além disso, alguns jogos notáveis não foram contemplados, como é o caso da subsérie Final Fantasy Tactics Advance. Caso queira conferir as músicas de Final Fantasy, abaixo segue uma playlist (via Spotify) com uma seleção de músicas da série (nem todas estão no jogo, mas sim boa parte delas).

Talvez a maior celebração até hoje em videogames aos JRPGs da Square Enix 

Apesar da narrativa praticamente inexistente, a evolução visual modesta em alguns aspectos e algumas escolhas de level design que poderiam ser melhoradas para a gameplay, Theatrhythm Final Bar Line contém um estilo artístico que ainda é charmoso e carismático de uma forma própria e teatral. Além disso, o jogo traz melhorias significativas, sobretudo em gameplay, e um conteúdo muito vasto de músicas da Final Fantasy e mesmo de várias outras IPs da Square Enix, via DLC, celebrando como nenhum outro jogo até então o valioso legado das trilhas sonoras de JRPGs. O título é indicado a fãs da Square Enix, fãs de músicas de JRPG de modo geral e fãs de jogos de ritmo, tanto casuais quanto veteranos.

Prós

  • Visual carismático, bonitinho e coerente com a proposta teatral do game;
  • Vasta trilha sonora da série Final Fantasy e também de outras músicas da Square Enix (via DLC);
  • Gameplay divertida, com uma boa variação e customização de experiência rítmica com elementos de RPG;
  • Modos de dificuldade e outros artifícios que garantem tanto acessibilidade quanto desafio;
  • Vários conteúdos suplementares no Museum com cenas, músicas e imagens de Final Fantasy;
  • Embora preservando muito da tradição da série, o jogo traz uma evolução significativa do ponto de vista visual e de gameplay;
  • Um modo cooperativo para até quatro jogadores apropriado às escolhas de design e que incentiva o modo multiplayer em batalhas musicais difíceis de vencer sozinho.

Contras

  • Narrativa praticamente inexistente que deixa uma lacuna inexplorada dentro do conceito teatral da proposta da obra;
  • A evolução criativa e técnica do game em relação aos seus predecessores de 3DS poderia ser maior, considerando os consoles em que o jogo está;
  • Há algumas subséries importantes de Final Fantasy que não foram contempladas (como Final Fantasy Tactics Advance) e alguns spin-offs bem notáveis da série que foram contemplados não possuem tantas músicas;
  • Level design das rotas é bem simples e não explora tanto quanto poderia o potencial da cenografia e de modo geral da lore dos mundos de Final Fantasy;
  • Os modos de dificuldade nem sempre possuem uma gradação satisfatória, às vezes o jogador terá de optar entre uma experiência muito fácil ou outra muito difícil;
  • A escolha de design com quatro linhas torna a experiência rítmica single player um pouco confusa de forma desnecessária;
  • O som percussivo estridente dos círculos acertados pelo jogador nem sempre combina ou é conveniente para a apreciação de algumas músicas.
Theatrhythm Final Bar Line — Switch/PS4 — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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