Como jogos podem ajudar no aprendizado de novos idiomas

De entretenimento a ferramenta de aprendizado, videogames também podem ajudar a aprender novos idiomas.

em 01/03/2023
A indústria de jogos como conhecemos hoje surgiu há quase 50 anos e, mesmo assim, as primeiras localizações só foram surgir na década de 90 com alguns poucos jogos, como Age of Empires II. No entanto, a prática só se popularizou, de fato, só na sétima geração, a partir de 2010, com a Activision e Ubisoft, por exemplo, trazendo diversos títulos legendados (posteriormente, dublados) em português do Brasil.

Porém, muitos leitores já eram nascidos antes desse boom de localizações, sendo que até hoje ainda existem vários jogos que não são localizados para o nosso idioma. Sendo assim, muitos de nós tiveram que aprender alguma outra língua para poder aproveitar nossos títulos favoritos — depois de muito jogá-los sem entender nada.


Esta matéria focará em inglês e japonês, com maior ênfase no primeiro, pois, como ainda estou aprendendo japonês,  os métodos que mencionarei aqui ainda estão sendo testados no idioma. Também abordarei quais habilidades os jogadores desenvolvem ao jogar em outros idiomas e sugestões para desenvolver o aprendizado.

É importante frisar que cada pessoa aprende de forma e ritmo diferentes, de acordo com suas aptidões e capacidades. Contudo, o ponto a que quero chegar é: não é porque você tem muita dificuldade com inglês que você não pode aprendê-lo ou terá dificuldade para aprender outro idioma.

É muito importante entender qual é o melhor método para você e buscar um idioma que tenha algo que você goste para consumir, pois, quanto mais utilizá-lo, mais aprenderá.

Nada como uma boa base: gramática e vocabulário

É usual que aprendamos a ler antes de ouvir em outro idioma (principalmente o inglês, cuja pronúncia é diferente da escrita), por isso, jogos com público-alvo infantil são o ideal para aprendermos o básico da gramática. Como essa parte pode ser uma das mais chatas, dado que a curva de aprendizado de cada um é diferente, a disciplina e vontade de aprender são muito importantes, já que é óbvio que, no começo, não dá para entender praticamente nada que está escrito.

Porém, o objetivo é justamente aprender, portanto exige paciência. Por meio do vocabulário básico, o jogador já começa a entender o mínimo do que escuta, podendo supor com maior precisão os assuntos que estão sendo abordados, bem como objetivos que o jogo quer que o jogador cumpra durante a partida.

Parte do vocabulário básico inclui números inteiros, é claro, bem como noções de tempo (segundos, minutos e horas) e data. Também é importante que, enquanto o jogador treina com jogos mais simples, utilize o idioma que está aprendendo como padrão em outros títulos, sobretudo os dublados, para que ele possa trabalhar sua escuta com a gramática que já vem praticando.


Contudo, se o intuito é aprender japonês enquanto joga, é interessante que o jogador priorize títulos que dispõem de furigana. Antes de explicar o que é isso, farei uma breve explicação sobre o alfabeto japonês. 

A língua japonesa possui dois alfabetos silábicos: katakana e hiragana. O primeiro é usado em palavras estrangeiras, já o segundo, em palavras essencialmente japonesas. Porém, para simplificar o texto e, muitas vezes, evitar ambiguidades, são utilizados kanjis, que são ideogramas que expressam uma palavra inteira em uma única unidade, como  kuruma (車), que significa carro, ao invés de escrever as sílabasく (ku), る (ru) e ま (ma).

Existem mais de 2.000 kanjis, mas o domínio de metade deles já torna possível consumir boa parte do conteúdo japonês. Como as crianças japonesas nascem sem conhecer nenhum kanji, alguns jogos dispõem de furigana, que é a tradução de determinado kanji em hiragana, como pode ser visto no exemplo abaixo. A boa notícia é que diversos jogos da Nintendo têm o público-alvo infantil, logo, muitos dos jogos estão disponíveis com furigana.


É importante salientar que é preferível que o jogador busque aprender em um jogo que tenha esse idioma como ''oficial''. Elden Ring, por exemplo, tem o inglês como idioma oficial, toda a história e diálogo foi escrito em inglês. Em contrapartida, a versão japonesa do game é cheia de termos que são complicados até mesmo para nativos, com muitas palavras sendo adaptadas do universo criado por H. P. Lovecraft.

Então, para aprender japonês, mesmo em um estágio mais avançado, talvez seja melhor se manter em jogos que utilizem a língua como idioma base. Dito isso, abaixo estão alguns exemplos que servem para o estudo das gramáticas do inglês e do japonês, desde que o jogador tenha o mínimo de vocabulário nesses idiomas.

  • Saga Paper Mario: desde o Game Cube, todos têm furigana;
  • Saga Zelda: desde o Game Cube, todos têm furigana
  • Jogos de Game Boy: no geral, não usam kanji;
  • Final Fantasy Pixel Remaster: a primeira trilogia tem bem pouco texto, bom para treinar algum vocabulário. Apenas em inglês, pois contém kanji sem furigana;
  • Trove: apenas inglês, pois contém kanji sem furigana;
  • Minecraft;

Treinando os ouvidos…

Após acumular vocabulário, o jogador aplicará esse conhecimento em aprender a escutar — um dos jogos que mais me ajudou a escutar (em inglês) foi Resident Evil 2 (2019). Nesse caso, é interessante focar naqueles que ofereçam uma linguagem mais atual, pois títulos como Ghost of Tsushima fazem uso de um japonês mais arcaico; inclusive, a dublagem do game também é difícil para nativos.

Inicialmente, seria bom evitar jogos como Persona 5, GTA San Andreas, IV e V, pois têm muitas gírias, informalidades e, em alguns casos, um sotaque mais carregado (no caso na dublagem). Para esse começo, o ideal são jogos com falas mais ''pausadas'' e situações mais ''limpas'', pois um título de guerra, cheio de gritaria e explosões, por exemplo, não ajuda a compreender o que está sendo falado, a não ser que seja intercalado por conversas, cotidianas ou não.

Ter uma base com o vocabulário já vai permitir que o aprendizado fique muito mais orgânico. A partir daqui, é capaz que o jogador aprenda muito sem nem perceber, pois, após estar sob constante exposição ao idioma que deseja, ele começará a perceber detalhes, facilidades e diversos fatores que não eram percebidos antes.

Diversos jogos ocidentais contam com dublagem acessível para quem está aprendendo, sobretudo títulos cinemáticos. Abaixo estão algumas sugestões para o inglês:

A importância da exposição ao idioma

Sair da zona de conforto da sua língua-mãe pode ser uma tarefa difícil, mas é crucial para criar intimidade com o novo idioma. Trocar a língua do seu console, computador e celular, por exemplo, é um dos métodos mais eficazes de expandir o vocabulário e rever palavras básicas, como avançar, retroceder, tocar, pausar etc.

Outra dica é utilizar o vocabulário adquirido para interagir e se comunicar com nativos ou outras pessoas que também estão aprendendo um idioma. Existem diversos servidores no Discord destinados a aprender alguma língua específica, bem como comunidades no Twitter com o mesmo intuito.

Assistir e ler tudo no idioma desejado, sempre de forma gradual (começar a assistir/jogar com legendas em português e, posteriormente, com legendas em inglês, por exemplo), ajudará a acumular conhecimento para a fala e escrita, habilidades que não são tão desenvolvidas com videogames.

Não irei muito a fundo nesse quesito, mas tudo o que foi dito aqui dará uma boa base para que aqueles que querem aprender outro idioma possam desenvolver as capacidades necessárias para aprender a escrever e falar sozinhos sem precisar de tanta ajuda.

Apesar de fugir um pouco ao tema desta matéria, também quero recomendar alguns meios oficiais para consumo de quadrinhos, que também ajudam no aprendizado de inglês e japonês. A maioria dos aplicativos  listados a seguir está disponível para download na Play Store (Android) e na Apple Store (iOS).

Para mangás, temos Manga Plus (da Shounen Jump) e Manga Up! (da Square Enix). Além disso, todos os mangás e revistas da Shounen Jump fazem uso de furigana.

Já para HQs, a Dark Horse é uma das maiores distribuidoras (contém mangás também), mas há ainda ComiXology (da Amazon) e o Digital Comics Museum/Comic Book Plus (para HQs antigas que já entraram em domínio público). A Marvel e a DC também disponibilizam algumas HQs gratuitamente.

E agora, o que eu faço?

Já me disseram que a melhor forma de aprender é se divertindo. Tenho colocado isso à prova sugerindo esses métodos citados acima a alguns amigos próximos e tenho visto bons resultados.

Divertir-se durante o aprendizado é importante. Por mais que no começo seja difícil, já que o aprendizado pode ser um pouco travado, tenha paciência e busque formas e jogos diferentes que possam lhe entreter; assim, a curva de aprendizado deve melhorar bastante.

Não existe idioma difícil, mas sim um que você conhece pouco ou tem pouca intimidade. Cada idioma é parte importante de uma cultura, mas se você é muito distante dessa cultura, é natural que a língua pareça difícil ou impossível de aprender.

Contudo, quanto mais você se aproxima dessa cultura, mais as coisas fazem sentido. Para aqueles que estão tendo muita dificuldade, pode ser interessante fazer um curso para aprender o básico, mesmo sendo um tanto tradicional, pode ser utilizado com tudo o que foi citado acima. Posteriormente, é possível aprender de modo autodidata. Inclusive, mesclar diferentes maneiras de aprendizado também pode ser uma boa maneira de potencializar o estudo.

Portanto, desejo a todos bons estudos, bom jogo e não desistam de aprender um novo idioma.

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli e Diogo Mendes
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Graduando em Geografia, fotógrafo e colecionador de retrogames. Depois de ser introduzido aos JRPGs em 2021, tem desbravado as fantasias nipônicas da Square Enix, Nintendo, Falcom, entre outras. Alguns jogos me chamam atenção pelos motivos mais aleatórios possíveis (como o chocobo na cover art de FFV), enquanto outros apenas por ter menos 30h de duração. Acompanho o trabalho de artistas como Fumito Ueda, Miyazaki, Shimomura, entre outros. Fotografias virtuais, clipes e screenshots de quase tudo o que jogo podem ser encontrados no meu Twitter; Alguns ensaios e prévias podem ser checados no Medium; Tudo o que jogo, joguei e vou jogar (bem como várias listas) está disponível no Backloggd.
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