Apesar da qualificação aparentemente contraditória, Digimon World DS, lançado em 2006, foi de fato o início da série Story. Embora seja conhecido por esse nome no ocidente, ele originalmente se chama Digimon Story. Vale destacar ainda que, além do papel de precursor de uma sequência, este foi o primeiro jogo da turma do Agumon a chegar ao Nintendo DS.
Mesmo repetindo algumas mecânicas introduzidas em Digimon anteriores, World DS trouxe diversas novidades que se tornaram fundamentais para as futuras obras desse universo.
Como é fácil ir ao Digimundo, heim?
Tudo começa com o protagonista, menino ou menina a depender da escolha do jogador, pesquisando sobre os boatos que circulam na escola envolvendo misteriosos monstros digitais.
Após acessar determinada página da internet, o herói é transportado para o digimundo. Depois de conhecer alguns indivíduos, humanos e digitais, aprender sobre algumas regras do local, e escolher uma entre três criaturinhas iniciais (por que não usar uma situação famosa da franquia rival, não é mesmo?), começamos a nossa jornada em busca de nos tornarmos o domador número um.
Diferente dos nomes mais recentes da franquia, o enredo de Digimon World DS não é muito interessante ou empolgante. Além disso, não há personagens que consigam despertar empatia ou criar conexão com o jogador. Ainda que haja alguns diálogos engraçados, a grande maioria é muito raso.
Repetição, aprimoramento e criação de mecânicas
A sequência Digimon World recebeu uma trilogia no Playstation. Uma das coisas que mais me agradava nesses jogos era a gritante diferença que um possuía do outro, se comportando muito mais como obras independentes do que sequências. Deste modo, cada novo produto entregava uma experiência completamente diversa do anterior.
Dentre os erros e acertos da trilogia, havia um problema quase unânime apontado pelos entusiastas: a digievolução. Grosso modo, era comum que cada digimon, principalmente na forma rookie, possuísse diversas linhas evolutivas. A grande reclamação se dava ao fato de que não era possível visualizar quais eram as possíveis evoluções, além dos seus requisitos.
O primeiro Digimon World se aproximava de um Tamagotchi, em que tínhamos o dever de cuidar da criatura como se fosse um animal de estimação. O crescimento dependia de certos fatores como peso e quantas vezes o bichinho ficou bravo por defecar fora do banheiro, além de atributos como defesa e velocidade. Pela falta de informações, era comum que as pessoas, querendo evoluir um Agumon para um Greymon, acabassem recebendo um Numemon.
Digimon World (PS)
Digimon World 2 se apresentava como um interessante Dungeon crawler, com o herói dirigindo uma espécie de tanque, devendo passar por obstáculos e enfrentar batalhas com os digimon pelo caminho. Desta vez, as digievoluções eram adquiridas por leveis, com a champion sendo desbloqueado no 11, a ultimate no 21, e a mega no 31.
A grande reclamação se dava por conta da obrigatoriedade de realizar fusões para continuar progredindo. Explico: quando o digimon alcança determinado nível, a experiência necessária para chegar ao próximo travava em um número absurdo. Para resolver isso, era necessário unir essa criatura com uma outra, gerando uma nova forma de vida.
Particularmente, acho esse sistema interessante, tendo em vista que ele permite a criação de criaturas com uma árvore de habilidades muito rica. A despeito disso, ele contém conceitos muito específicos com cálculos envolvidos. Por consequência, a ausência de explicações mais claras acaba limitando muito as possibilidades de quem não entende como tudo funciona.
Digimon World 2 (PS)
Por sua vez, World 3 abraçava totalmente os aspectos de um RPG clássico, com a presença de um mapa maior e mais livre, equipamentos e diversos atributos. Desta vez, as evoluções possuíam pré-requisitos de níveis e status. Além de também pecar com respeito às informações, existia uma grande falha de variedade.
Ao iniciar, podíamos selecionar um grupo composto de três bichinhos. Além deles, também tínhamos a possibilidade de recrutar mais cinco seres diferentes. Apesar de cada um deles ser um rookie diverso, no final das contas, todos possuíam as mesmas formas evoluídas.
Se Agumon podia evoluir para Greymon no level cinco, Kotemon também conseguia essa façanha ao chegar no level vinte com Dinohumon. Isso era ainda mais problemático com as formas Mega, visto que todas eram alcançadas pelos oito digimons com requisitos semelhantes. Assim, não há um grande incentivo para recrutar os outros monstrinhos, pois através dos três iniciais era possível conseguir todas as melhores criaturas.
Digimon World 3 (PS)
Como deu para notar, ficava totalmente por conta do jogador descobrir, através da tentativa e erro, para quais opções seu bichinho poderia crescer, e quais eram as exigências para alcançar o parceiro desejado. Tristemente, o tempo gasto não era bem recompensado muitas vezes.
Felizmente, Digimon World DS progrediu muito nesse sentido. Seguindo o exemplo dos títulos mencionados, as digievoluções também possuem condições relacionadas ao nível e aos atributos.
A grande e eficaz diferença é o fato de que somos capazes visualizar as possibilidades e exigências de cada progresso, sendo totalmente possível focar desde o início nas formas desejadas. Outra inclusão fantástica é a possibilidade de regressar à forma anterior e seguir por uma nova linha, abrindo um leque enorme de possibilidades a partir de um único parceiro.
Apesar da mecânica de recrutar novos aliados não ter sido criada nesta entrada, já que Digimon World 2 apresentava uma forma de capturar inimigos com o uso de um item específico, aqui, ela foi reformulada e simplificada.
Em Digimon World DS, cada vez que enfrentamos uma espécie, uma barra de escaneamento vai sendo preenchida. A partir dos 100%, conseguimos utilizar esses dados para adquirir a nossa própria cópia do digimon.
É possível que esse número ultrapasse os 100%, resultando na possibilidade da criação de seres com atributos superiores. Além de ser um procedimento muito mais simples e direto do que o que tínhamos até então, ele foi usado nas criações mais recentes da série Digimon Story, sendo eles Cyber Sleuth e Cyber Sleuth – Hacker's Memory.
World DS também surpreendeu ao apresentar mais de 200 digimon disponíveis para adquirir. Com o aperfeiçoamento dos métodos de recrutamento e evolução em relação aos games anteriores, adquirir todos os monstros digitais se mostrou uma das coisas mais divertidas dessa obra, entregando uma experiência semelhante a completar a dex em Pokémon.
Outra adição importante que seria repetida em Cyber Sleuth foi a Digifarm. Trata-se de uma fazenda onde deixamos aliados treinando para aprimorarem as suas particularidades. Pouco tempo após ganhar o primeiro rancho, temos a opção de comprar e possuir mais alguns. Deste modo, podemos manter diversos aliados progredindo simultaneamente.
Vale apontar que algumas fazendas oferecem bônus de experiência para determinado tipo de digimon, com algumas sendo focadas em indivíduos do tipo dragão, e outras em aquáticos, por exemplo.
O título ainda possuía um interessante sistema de multiplayer local, permitindo que os jogadores batalhassem e realizassem trocas de digimon entre eles. Infelizmente, não tive a oportunidade de aproveitar esse modo, pois os meus queridos amiguinhos de infância gostavam apenas de Pokémon.
Um universo com variedades, porém nem tanto
O mundo digital é dividido em algumas áreas que podem ser acessadas a partir de um portal na região central. Nesse lobby, também encontramos vendedores de equipamentos, itens e ferramentas para instalar nos centros de treinamento.
Visualmente, as regiões possuem aspectos diversos, como florestas, pântanos e áreas montanhosas; no entanto, mesmo com imagens distintas, analisando o level design, percebemos que os territórios não diferem muito uns dos outros, sendo quase sempre planejados em corredores com alguns baús espalhados pelo caminho e um digimon que funciona como chefe aguardando no ponto mais alto ou distante do início.
Semelhante a alguns RPGs, as batalhas ocorrem por turnos, com os inimigos podendo ser visualizados por inteiro, mas não os nossos próprios monstros. Nos confrontos, utilizamos três parceiros, e carregamos mais três na reserva. Por sua vez, os inimigos frequentemente aparecem em grupos de até cinco. O diferencial fica por conta do posicionamento.
Tanto o herói quanto os adversários possuem um campo com cinco espaços para posicionar os seus monstros. Com isso em mente, alguns ataques possuem formas diferentes de atingir um alvo. Para exemplificar, há ataques que acertam um único inimigo; outros que acertam dois blocos que estão unidos; e alguns que atingem um quadrado sim e outro não.
Desta forma, as batalhas acabam ganhando um pouco mais de aspectos estratégicos, aumentando as possibilidades do jogador criar táticas para vencer as adversidades. Vale mencionar que, além dos golpes, os itens de cura e suporte também possuem locais específicos de alcance.
Digimon World DS possui gráficos inteiramente em 2D. Apesar de não serem feios, o portátil da Nintendo com certeza teve diversos outros títulos muito mais polidos. Confesso que por passar muito tempo jogando a trilogia World no Playstation, não avistar os meus digimon durante as batalhas acabou me incomodando em um primeiro momento.
Quanto a trilha sonora, as faixas até funcionam nos locais em que foram inseridas; no entanto, nenhuma delas é realmente marcante. Desta forma, acho muito difícil que alguma música tenha ficado na cabeça de alguém que experimentou na época.
A visita ao passado pode ser proveitosa
A despeito dos problemas, Digimon World DS, ou Digimon Story se preferir, certamente foi um passo muito importante, pois apresentou mecânicas que viriam a se tornar fundamentais em alguns daqueles que seriam considerados como os melhores jogos da franquia por boa parte do público. Com a inclusão dos que foram mencionados, a sequência recebeu os seguintes games:
- Digimon Story, 2006 — Nintendo DS;
- Digimon Story: Sunburst e Digimon Story: Moonlight (conhecido como Digimon World Dawn e Digimon World Dusk no Ocidente), 2007 — Nintendo DS;
- Digimon Story: Lost Evolution, 2010 — Nintendo DS;
- Digimon Story: Super Xros Wars Blue e Digimon Story: Super Xros Wars Red, 2011 — Nintendo DS;
- Digimon Story: Cyber Sleuth, 2015 — PlayStation Vita e PlayStation 4;
- Digimon Story: Cyber Sleuth – Hacker's Memory, 2017 — PlayStation Vita e PlayStation 4;
- Digimon Story: Cyber Sleuth Complete Edition, 2019 — Nintendo Switch e PC.
Com Cyber Sleuth tendo aprimorado praticamente tudo o que o produto do DS possuía de bom, não é tão fácil recomendar essa visita ao passado. Mais difícil ainda é apresentar esse jogo como uma porta de entrada para um novato na franquia. Ainda assim, acredito que possa ser interessante dar uma conferida naquele que se tornaria a pedra angular da boa série Story.
Revisão: Thais Santos