Jogos eletrônicos normalmente são desenvolvidos por uma equipe composta por diversos profissionais que dão o seu melhor durante sua construção. Porém, não é todo mundo que trabalha em um grande estúdio e conta com um orçamento, entre aspas, ilimitado.
E se eu disser para você que o jogo prestes a receber sua análise foi desenvolvido por apenas uma pessoa e os fundos para tal, arrecadados em um financiamento coletivo? Provavelmente achará que é mentira, mas não.
Essa obra-prima que leva o nome de Chained Echoes foi produzida por Matthias Linda e certamente recebeu 1000% de atenção e carinho de seu criador. Afinal de contas, criar um universo tão vasto e rico como esse não é brincadeira. E vou além: Chained Echoes será um de seus jogos favoritos em pouco tempo.
Uma história consistente
Chained Echoes segue a história na perspectiva de Glenn, um mercenário, que se encontra no centro de um conflito no continente de Valandis. A guerra é presença constante nos três reinos há seis gerações. No arco de abertura do game, o protagonista se junta a vários outros personagens, cada um com suas razões para segui-lo em sua busca da paz no continente.
A cena de abertura é fantástica. Glenn está dormindo em seu quarto quando sua mãe entra para acordá-lo. Enquanto o personagem levanta, a mulher abre as cortinas e diz para o filho que é possível ver a costa. Até aqui tudo bem, pode ser que eles morem perto da praia. Então, o inesperado ocorre: a mãe de Glenn muda o linguajar e lhe dá um tapa no rosto, cortando a cena direto para o universo do jogo.
Chained Echoes faz um trabalho fenomenal no quesito história, terminando cada arco com momentos marcantes e que causarão impacto nos jogadores. Por conta disso, não parece que estamos jogando há três ou quatro horas: a fluidez com que a trama é contada garante ao jogador que nada é por acaso ou que há uma demora intencional.
Além de um bom enredo, a história conta com personagens marcantes e que, em certos momentos, nos identificamos com eles. Como exemplo disso temos Sir Victor, o escritor de peças de teatro e famoso no universo do jogo. As habilidades do personagem são inspiradas em músicas e servem para auxiliar seus companheiros.
Meu nome também é Victor. Eu sou baixista e adoro jogar com personagens de suporte. Parece que esse foi feito por mim! Dentre os personagens principais (pois há secundários, classificados como opcionais), certamente algum deles se parecerá com a pessoa que está jogando.
Por falar em música, a leve, porém eficaz trilha sonora agrega muito para o desenrolar da história, pois em todos os momentos foram feitas as escolhas certas de timbres e notas. Como músico e jogador desde a era de ouro dos RPGs, me senti preso no jogo — e de uma maneira boa, pois acompanhar a trilha sonora é uma das minhas prioridades.
Sistema de combate
As batalhas são baseadas em turnos e não há encontros aleatórios, permitindo que você evite lutas em certas áreas ao movimentar a câmera um pouco através do analógico direito. Essa característica vai ao encontro de RPGs modernos, já que encontros aleatórios comprometem a fluidez do game.
Outra parte importante do combate é a recuperação automática de HP e TP (equivalente ao MP) após cada batalha. Isso permite que o jogador gaste menos dinheiro com itens de cura e consiga adquirir outros mais importantes ou até mesmo para aprimorar seu equipamento.
Em caso de derrota, podemos tentar novamente desde o início de uma batalha, carregar o salvamento automático mais recente ou selecionar manualmente um salvamento. Se você optar por tentar novamente a batalha, o jogo permite a troca de equipamento e ordem dos personagens antes do início da batalha.
Similar ao que temos em Final Fantasy X, a troca de personagens durante a batalha está presente e possui um papel importante na estratégia. O grupo é composto por oito personagens, quatro principais que iniciam as batalhas e quatro reservas que podem substituir sem gastar um turno.
Evolução e árvore de habilidades
Diferentemente dos tradicionais RPGs que utilizam experiência para avançar o nível dos personagens, em Chained Echoes são as habilidades aprendidas que indicam quão forte estamos. Para se ter uma ideia, cada personagem tem 48 habilidades para desbloquear.
Cada página é separada em quatro seções com 12 habilidades diferentes e, após certo número de técnicas aprendidas por página, uma nova se abre, aumentando o leque de opções. Ao todo, temos três tipos de habilidades:
- Ação: Comandos de ataque e que têm como principal objetivo causar dano aos adversários. Algumas possuem efeitos secundários como Oil, que aumenta o próximo dano elemental de fogo;
- Passivas: Capacidades únicas de cada personagem e que aprimoram certos aspectos durante as batalhas, como dano extra contra dragões. Essa habilidades podem indiretamente aumentar atributos base do personagem, como o Attack ou HP;
- Atributos: Aqui é direto e reto: há quatro atributos que podem ser escolhidos para aumento permanente no personagem. O segredo é balancear de acordo com a característica do personagem.
As habilidades ainda são divididas em três níveis de poder e que ganham força ao derrotar monstros e acumular SP. As lutas concedem entre 1-20 SP, dependendo da dificuldade. Este SP é então aplicado a todas as habilidades que cada personagem pode desbloquear.
Quando uma habilidade ganha SP suficiente, ela sobe de nível. Uma habilidade em seu nível máximo custará menos TP, causará mais dano ou melhorará uma estatística em uma porcentagem maior. Cada personagem também recebe a mesma quantidade de SP para aplicar nas habilidades de sua escolha, limitado a 999 pontos.
Cada membro do grupo pode ter oito habilidades de ação ativas e cinco habilidades passivas ativas, portanto, embora haja muito para desbloquear na árvore de habilidades, nunca é demais gerenciar essas habilidades em uma luta.
Para aumentar ainda mais as possibilidades, existem até 12 itens opcionais de subclasse para encontrar em Valandis. Essas habilidades funcionam como especializações e podem ser equipadas em qualquer personagem, concedendo duas habilidades de ação adicionais e duas habilidades passivas.
Overdrive
Quando entramos em batalha, no canto superior esquerdo, há uma barra com três seções coloridas: amarelo, verde e vermelho. No início de uma luta, a seta na barra estará na seção amarela. Aqui, seus personagens não recebem benefícios ou desvantagens. Ao passar o cursor sobre diferentes ações no menu de comando, uma segunda seta mostrará onde essa ação o colocará na barra Overdrive.
O ideal, e o jogo deixa isso bem claro, é que a seta esteja sempre no verde. Nessa parte da barra, seu grupo causa mais dano, recebe menos e todas as habilidades custam metade de seus TP. No entanto, receber dano também avança a barra Overdrive. Avance muito e você terminará na seção vermelha, fazendo com que seu grupo sofra muito mais dano.
O jogo oferece quatro maneiras para recuar o medidor e mantê-lo no ponto ideal: defendendo, trocando um personagem, usando um Ultra Move (uma espécie de golpe supremo) ou usando um tipo de habilidade (Física/Mágica/Buff/Debuff) correspondente ao símbolo exibido no a barra Overdrive.
Essa mecânica aumenta o dinamismo dentro do combate e me manteve envolvido em todas as lutas, sejam inimigos comuns ou chefes opcionais de final de jogo. É quase um cabo de guerra e, por isso, atentar-se onde o medidor está e como mantê-lo também faz parte da batalha.
Isso permite que cada membro do grupo seja útil e lhe ajude a se planejar com antecedência, garantindo que cada personagem tenha alguma variedade de habilidades para diminuir a barra de overdrive e mantê-lo no verde.
Combates mecanizados
Chained Echoes não conta somente com combates tradicionais. O game possui uma segunda forma de batalha: Sky Armors, trajes mecânicos pilotáveis com mecânica única que substituem os personagens. Você desbloqueia o acesso ao Sky Armor e a um dirigível no início do segundo ato (algo em torno de 12 horas de jogatina), expandindo o mapa consideravelmente.
Na maioria das áreas (com algumas exceções), você pode chamar sua Sky Armor e usá-la para pairar e voar pelo mapa. Isso concede acesso a áreas anteriormente inacessíveis e, com isso, baús que pareciam impossíveis de conseguir tornam-se acessíveis. As armaduras também permitem que você lute contra monstros que normalmente não conseguiria.
As Sky Armors têm seus próprios tipos de armas, com suas habilidades ligadas às armas equipadas a cada armadura. À medida que lutamos, nossa proficiência aumenta e desbloqueamos mais habilidades com esse tipo de arma. Quaisquer habilidades passivas em uso para essas armas são permanentes, mas as habilidades de ação estão bloqueadas para esse tipo de arma.
O combate das Sky Armors possui seu próprio sistema. Em vez da barra Overdrive, você tem uma barra Overheat, que consiste em uma barra amarela com uma seção vermelha menor em cada extremidade. Você começa a luta no meio da barra, mas, assim como a barra Overdrive, qualquer ação ou dano avançará a barra em direção ao vermelho.
O que difere as barras é a forma como se controla: as armaduras possuem três marchas diferentes e cada uma delas possui um efeito na barra. A troca pode ocorrer apenas uma vez por turno, o que aumenta o compromisso do jogador em manter o cursor longe do vermelho.
A primeira marcha avança a barra para a direita, a segunda, para a esquerda e a marcha zero a mantém no lugar. Aqui é que mora o perigo: cada marcha aplica um efeito na armadura e impacta diretamente no combate, veja:
- Marcha Zero: você só pode usar o ataque básico, defender-se ou usar um item;
- Marcha Um: sua armadura age normalmente, podendo usar habilidades sem benefícios/prejuízos;
- Marcha Dois: as habilidades custam mais e você causa mais dano, mas também recebe muito mais dano dos oponentes.
O sistema é muito semelhante ao Overdrive, mas é diferente o suficiente para as batalhas travadas com as Sky Armor serem bem diferentes, agregando qualidade ao jogo e funcionando como uma alternativa ao combate tradicional.
Muito a se fazer para salvar o mundo
Conforme falamos, um grupo é formado no segundo arco para reunir aliados e lutar pela causa. Em posse do dirigível, podemos explorar livremente o continente de Valandis. Ao fazer isso, encontramos vários NPCs que se juntarão ao grupo e oferecerão vários serviços e bônus que, embora opcionais, valem a pena procurar.
Como toda side quest, completá-la torna o jogo mais divertido e fácil de certa forma. Agora, se você não estiver confortável em procurar, o primeiro NPC que você recruta (e o jogo te obriga) é uma cartomante que lhe dará pistas sobre onde encontrar os próximos em troca de dinheiro.
Ainda, há um quadro de recompensas dividido em cada uma das principais áreas de Valandis. Cada um possui diversos quadrados associados a uma tarefa específica para aquela área. Complete-os e você poderá resgatar a recompensa por aquele quadrado.
À medida que concluímos as tarefas no quadro de recompensas, todas as tarefas concluídas formarão uma cadeia, limitado a 120 conquistas interligadas. Esse sistema é mais uma pequena mecânica para ajudar o jogador a acompanhar a enorme quantidade de conteúdo secundário do jogo.
RPGs ainda tem muita lenha para queimar
Ainda que seja inspirado em franquias clássicas, Chained Echoes entrega o que se propõe e vai além: arrisco dizer que os próximos jogos serão inspirados nele. Isso porque sua história e trilha sonora dão um baile em muito jogo renomado, sem falar nos múltiplos estilos de combate. As barras de Overdrive e Overheat são uma saída inteligente para deixar as batalhas mais dinâmicas e divertidas. Conteúdos extras também ajudam e são inseridos na medida certa. Aliás, o que em Chained Echoes não é perfeito?
Prós
- História envolvente e cativante;
- Personagens marcantes e bem trabalhados;
- Alta diversidade de habilidades e equipamentos;
- Sistemas Overdrive e Overheat interessantes;
- Trilha sonora coesa com a proposta;
- Desenvolvido por apenas uma única pessoa.
Contras
- Não há.
Chained Echoes — PC/Switch/PS5/PS4/XBO/XSX — Nota: 10
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Deck13