Porém, ao mesmo tempo em que o terceiro jogo impressiona em diversas frentes, a sua narrativa se provou um pouco divisiva, com várias revelações e decisões de roteiro no mínimo polêmicas. Pensando nisso, aproveitamos para discutir na seguinte matéria o que o final de Bayonetta 3 pode significar para o futuro da saga como um todo. Vamos nessa?
Aviso importante: o seguinte texto possui spoilers fundamentais de Bayonetta 3 e também dos dois primeiros jogos da saga. Portanto, se você deseja conhecer a história do game por conta própria, sugiro que favorite esta página para leitura posterior.
Apresentando à série o conceito de multiverso
Logo em suas primeiras horas, Bayonetta 3 apresenta à franquia da PlatinumGames o conceito de multiverso, no qual diversos universos e realidades possíveis coexistem, compreendendo tudo o que existe: o espaço, o tempo, a matéria e as leis da física.
Na vida real, o multiverso é um conceito pseudocientífico, cujas bases remontam às teorias quântica e da relatividade. Sua grande tese envolve a crença de que, em escala global, todas as probabilidades e combinações acontecem em universos distintos.
Sabe aquele emprego que você recusou ou aquele curso que optou por não fazer? De acordo com a teoria, alguma versão de você em algum outro universo agiu de forma diferente. Do mesmo modo, outras versões suas também tomaram suas próprias decisões, e assim cada um desses cosmos acabou se tornando diferente um do outro, mas existindo como partes individuais de um mesmo todo.
A ausência de qualquer comprovação científica não impediu o conceito de multiverso de ser amplamente retratado e utilizado por diferentes produções culturais. Assim, de blockbusters como Homem-Aranha: Sem Volta Pra Casa (2021) a obras cult como a série Devs (2020), é possível observar as implicações que a existência de realidades paralelas teriam.
Em Bayonetta 3, descobrimos que o multiverso existe na saga a partir do momento em que Viola consegue transportar-se para a realidade da Arch-Eve Origin, a protagonista do terceiro jogo, e alertá-la sobre os planos de Singularity e seu exército de homunculi, que estão destruindo realidades em sequência. A partir daí, pouco a pouco vamos descobrindo as (muitas) ramificações disso na prática.
Diferentes Bayonettas, um só propósito
A primeira lição que a revelação do multiverso nos ensina é que não existe somente uma Bayonetta como acreditávamos antes, e sim inúmeras. Isso quer dizer que os três jogos da saga que temos até hoje, excluindo Bayonetta 8-Bit (PC), são protagonizados por bruxas diferentes, ainda que variações da mesma personagem.
Isso também quer dizer que Bayonetta 2 não é exatamente uma sequência do primeiro jogo, embora cronologicamente as aventuras não estejam tão distantes (e ambas ocorram antes dos eventos do terceiro título).
Analisando friamente, na prática, a descoberta do multiverso acabou sendo a porta de entrada para alguns dos melhores momentos da franquia até agora, como os encontros com Bayonetta β2 e Bayonetta β3 na China e no Egito, respectivamente. Também é difícil negar o impacto emocional que a sequência final de Bayonetta 3 teve, com as protagonistas dos três jogos se unindo para derrotar Singularity.
Porém, nem tudo são flores: logo após o lançamento, houve um grande burburinho dos fãs em torno do encerramento confuso do terceiro game, no qual Bayonetta, após salvar o mundo, morre aprisionada no Inferno juntamente com Luka, seu grande amor e pai de sua filha Viola.
Além disso, como se essa sucessão de fatos esquisitos não fosse anticlimática o suficiente, na cena pós-créditos, Viola é chamada de Bayonetta por Rodin, o que dá a entender que a série agora passaria a ser protagonizada pela jovem. Essa tese é reforçada pelo fato de que o último confronto do jogo funciona, na verdade, como um rito de passagem, no qual Viola enfrenta, sozinha, seu maior desafio até então.
De toda forma, é impossível relevar o fato de que controlar a roqueira é radicalmente diferente de controlar a Bayonetta que conhecemos ao longo dos anos. Como escrevi em minha análise, a jovem é uma ideia que necessitava de amadurecimento, urgente, pois suas sequências eram de longe o ponto mais fraco do jogo. Aí, de repente, Bayonetta morre e Viola será a protagonista dos próximos jogos? Estariam os produtores realmente cientes do que estavam fazendo?
Bem, matar o protagonista e colocar outro personagem completamente diferente em seu lugar nunca será uma decisão incontroversa, não é mesmo? A insatisfação de parte dos fãs acabou chegando ao Twitter de Hideki Kamiya, que, em troca, deu a entender que os consumidores não pareciam ter entendido corretamente o que aconteceu.
Mas, considerando que isso seja verdade, o que o desfecho do terceiro game pode significar para a franquia, afinal?
O futuro de Bayonetta
Primeiramente, é preciso reforçar que haverão, sim, outros jogos da série. Em agosto deste ano, Hideki Kamiya disse que seus planos iam até Bayonetta 9. Além disso, também é possível ver a frase “to be continued in a new generation” (continua em uma nova geração, em tradução livre) ao finalizar o terceiro jogo.
Segundamente, com o sucesso de crítica de Bayonetta 3, que foi contemplado com o prêmio de melhor jogo de ação no The Game Awards, e o anúncio do spin-off Bayonetta Origins: Cereza and the Lost Demon (Switch), pode-se dizer que a franquia vive seus melhores dias desde a sua concepção há mais de uma década. Para todos os efeitos, a parceria entre Nintendo e Platinum também parece estar cada vez mais afiada — um alívio para a desenvolvedora que experimentou um de seus maiores fracassos este ano em Babylon’s Fall (Multi).
Ainda que polêmica, a existência do multiverso na saga também indica que, apesar da morte da Arch-Eve Origin, dificilmente não veremos uma Bayonetta tradicional como protagonista novamente. Como o segundo jogo nos mostra, estar preso no Inferno não é exatamente algo irreversível, e, ainda que seja o caso, poderíamos receber aventuras focadas em uma das outras bruxas, como as protagonistas dos jogos anteriores ou as que conhecemos no último título — imagine um jogo que lhe permita se aventurar pelo Egito, vivenciando a história de Bayonetta β3?
Há um grande motivo pelo qual a cultura pop gosta tanto do conceito de multiverso, que é a liberdade criativa que ele concede. De repente, um jogo de Bayonetta na França ou na China antiga não é mais uma ideia surreal. Para uma franquia que se acostumou a entregar um clímax após o outro em sequências de tirar o fôlego, a ideia de múltiplas realidades torna-se uma solução simples para uma questão complexa: como superar o que já foi feito sem cair na redundância?
Assim, pode-se dizer que o final do terceiro jogo de Bayonetta significa que a franquia tem hoje o horizonte mais largo de sua história para explorar e surpreender seus fãs e jogadores. Para uma série que nunca quis se resumir às expectativas alheias, a chegada do multiverso e a abundância de narrativas paralelas sob um único sistema só pode ser uma boa notícia. Que venham, então, os próximos capítulos — estrelados por Cereza ou não.
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli