Análise: Crisis Core -Final Fantasy VII- Reunion (Switch) volta belo e acessível para a atual geração

A prequela de Final Fantasy VII Remake retorna com um audiovisual lindamente familiar, mas com seus velhos problemas em narrativa e gameplay.

em 13/12/2022

Desenvolvido e publicado pela Square Enix, originalmente sob a direção de Hajime Tabata (de Final Fantasy Type-0, XIII e XV), Crisis Core -Final Fantasy VII- Reunion é vendido como “remaster”, mas pode ser entendido como uma espécie de “soft remake” (próximo a um remake 1 para 1) de Crisis Core: Final Fantasy VII (PSP). Trata-se de um JRPG de ação que serve como uma prequela de Final Fantasy VII sob a ótica de Zack Fair, um importante amigo do protagonista da clássica fantasia científica de PS1.


Uma trama pouco interessante, mas com grande peso emocional para Final Fantasy VII

Elaborado por Sachie Hirano (escritor de The World Ends with You) e por Kazushige Nojima (de Final Fantasy VII, VIII, X, XIII e XV), o contexto de Crisis Core antecede os eventos de Final Fantasy VII. Tudo começa sete anos atrás, mas depois avança alguns anos. O protagonista é Zack Fair, e os eventos principais de sua história giram em torno de dois personagens centrais do clássico de PS1: Cloud Strife e Aerith Gainsborough.

O enredo é ambientado em um mundo alternativo, Gaia, um planeta cujo equilíbrio natural depende do fluxo de uma energia espiritual chamada Lifestream. Durante um período pós-industrial da espécie humana, essa energia passou a ser drenada, processada e refinada no que se veio a chamar de Mako. A extração e o processamento são feitos por grande companhia de energia chamada Shinra Electric Power Company (神羅). Sua sede principal encontra-se na cidade de Midgard, palco dos eventos de Final Fantasy VII Remake e da história de Crisis Core.


O jogador segue Zack, um jovem SOLDIER da companhia Shinra que tem como mentor e amigo Angeal Hewley, um SOLDIER de 1ª classe, assim como Sephiroth e Genesis. Esse último é o principal antagonista do jogo. O presidente da Shinra não aparece em Crisis Core, mas no lugar dele temos o Diretor Lazard, o qual comanda as missões de Zack. A narrativa tem uma estrutura episódica com mapas pensados para cada missão.

A proposta da história está em dar ao jogador uma visão interna sobre a Shinra, em oposição à visão exterior (rebelde) de Cloud e seus amigos do Final Fantasy VII principal. Assim, o jogador acompanha o crescimento de Zack dentro da companhia ao mesmo tempo que descobre questões polêmicas sobre as ambições e as práticas da empresa. Durante sua jornada, torna-se amigo de Cloud, um novato da infantaria da Shinra, e de Aerith, uma jovem que vende flores de uma igreja em ruínas nos subúrbios da cidade.


Nessa dupla jornada, Zack acaba se mostrando um personagem-chave para que o jogador possa compreender algumas coisas sobre Cloud, em Final Fantasy VII. Além disso, a trama também aproxima o jogador do drama vivido por Sephiroth. Acredito que a principal razão para indicar a história desse jogo esteja justamente em seu potencial de tornar a experiência de sua sequência mais interessante ao assumir o papel de Cloud.

Zack definitivamente é um personagem que foi feito para ser amado, mas com exceção do desfecho de sua história, seu bom-humor em alguns momentos e o carisma de alguns personagens, o enredo de Crisis Core está longe de ser um ponto alto. A mitologia de Final Fantasy VII já é uma herança complicada, pois a fantasia daquele mundo tem suas arbitrariedades, mas Crisis Core dá grande ênfase nesse aspecto; é difícil levar a sério sua história enquanto há personagens que criam asas de anjo (brancas e negras) e falam frases de efeito com uma maçã roxa em mãos.


Não me entenda mal, há algumas explicações para esses e outros fenômenos, mas nem sempre são explicações sólidas, às vezes muito abruptas e geralmente pouco motivadas. Parece-me que mais atrapalham a imersão para tratar de questões interessantes sobre o papel sócioeconômico da Shinra e o drama pessoal do garotão Zack e de Aerith, que parece se apaixonar por ele sem muitas explicações.

Diferente dessa prequela, Final Fantasy VII consegue desenvolver melhor as motivações de seus personagens e fincar seus pés no chão mais vezes e por mais tempo, contrabalançando os vôos fantásticos. Esse problema é agravado em Crisis Core por fatores como atuações muito caricatas, diálogos clichês, personagens subdesenvolvidos (com um pouco de exceção para Zack e Genesis) e uma narrativa curta, linear, muito limitada e pouco instigante em temas.


O design narrativo de Crisis Core é totalmente character-driven, o que significa que não se deve esperar ênfase em questões que envolvam nações ou entidades coletivas, mas sim em personagens. Contudo, a superficialidade com que os papéis do roteiro são trabalhados não entrega algo interessante na maior parte do tempo, e raramente oferece diálogos críveis o bastante para dar peso ao argumento.

Ainda assim, o final redime parte dos defeitos do roteiro, abordando a conexão entre Zack e Cloud. O desfecho da trama talvez seja um dos mais emocionantes na série Final Fantasy e é bom o bastante para recomendar essa história aos fãs de Final Fantasy VII.

Uma gameplay com melhoria em ritmo, mas com sistemas muito básicos e um level design simplista

O planejamento de batalha foi originalmente dirigido por Takatsugu Nakazawa (mais conhecido por seus trabalhos nos Final Fantasy da Fabula Crystallis, particularmente XIII, Type-0 e XV). A versão Reunion aprimorou levemente suas ideias, de modo a entregar um combate mais fluido, mas preservando os conceitos do design original. Também há melhorias de qualidade de vida, como indicações no mapa, facilidades para acesso a missões e a possibilidade de recomeçar uma batalha sem precisar retornar a um save point.

O level design acompanha a linearidade do roteiro com uma experiência um pouco repetitiva em uma pequena porção de cenários limitados cujos poucos caminhos que não levam até o destino terminam em um ou outro baú para pegar algum item. Há vários minigames e missões secundárias, mas todo conteúdo opcional tende a ser ainda mais repetitivo e simplista, e agrega pouco para a história.


São raros os mapas que exigem pelo menos um pouquinho de senso de exploração, tanto na cidade (para contato com NPCs) quanto fora dela, durante missões de combate. A fragmentação dessas missões também não contribui para se ter uma experiência orgânica do desenvolvimento do personagem.

O jogador limita-se a controlar Zack; não há outro personagem jogável. Ao se deparar com um grupo de inimigos de forma imprevista (uma vez que geralmente não é possível vê-los), temos uma batalha em tempo real com um controle consideravelmente mais dinâmico em câmera e golpes que o do título original para PSP. Podemos usar itens consumíveis em tempo real, atacar normalmente com a espada e usar, via menu radial, habilidades previamente definidas por Materias equipadas no personagem.


Originalmente desenvolvido para o Final Fantasy VII de PS1, o Materia System é um sistema inspirado em mecânicas de Final Fantasy VI que procura trazer flexibilidade para a customização das habilidades sem precisar usar sistema de classes (mago, cavaleiro etc.). Enquanto esfera de energia, uma Materia contém algum poder passivo ou ativo que pode ser concedido a algum equipamento. Desse modo, é possível equipar qualquer tipo de habilidade em um personagem, como Cure, Fire e Steal.

À medida que uma Materia está sendo usada em combate, ela aumenta de nível (com base em um subsistema de estrelas). Em Crisis Core, você pode equipar até seis delas, incluindo as de poder passivo, como por exemplo para aumentar sua vida máxima. Além de suas Materias evoluírem, você também pode fundi-las para formar uma mais forte. Em contrapartida, você não pode mudar nenhum dos equipamentos de Zack, há apenas alguns slots de acessórios. Você tem um acesso contínuo ao Shop da Shinra para comprar Materia e itens consumíveis.


O sistema de Materia fornece uma flexibilização interessante de habilidades, mas ele é simplificado em Crisis Core. De modo geral, a customização desse jogo é bem baixa. Isso diminui seu fator replay, bem como limita as estratégias de combate e o engajamento em suas mecânicas. Originalmente, para ter algo de diferencial nas batalhas, os produtores Tetsuya Nomura e Yoshinori Kitase resolveram implementar o DMW System, inspirado em máquinas de pachinko.

O “Digital Mind Wave” (DMW) é uma espécie de roleta que se assemelha a uma máquina caça-níqueis com três rodas giratórias, cada qual com números de um a seis e fotos de personagens que criam elos de amizade com Zack. Essa roleta gira durante as batalhas. O alinhamento dos números permite usar ataques de Limit Break dos personagens ilustrados; habilidades impossíveis de se esquivar e que se dão em cinemática.


O DMW também pode conceder bônus temporários e até determinar quando Zack subirá de nível de experiência; isso ocorre com “777”. A chance de combinar imagens no DMW está ligada ao nível de Limit, que é aumentado ao receber dano em combate e reduzido em batalhas bem-sucedidas. O potencial do DMW está em incentivar o jogador a se adaptar ao que lhe é dado, mas não acho que foi bem explorado. O sistema também não faz sentido no contexto ficcional e traz aleatoriedade para status importantes do jogo, o que é pouco vantajoso para uma tática ponderada em combate.

As limitações de customização e a ideia questionável de mecânica de roleta são agravadas pelo já comentado level design enxuto, linear e simplista, com pouco conteúdo secundário interessante. Portanto, embora a nova versão de Crisis Core tenha a virtude de melhorar o ritmo do sistema de combate, é incapaz de salvá-lo de seus vícios intrínsecos. A proposta de gameplay é funcional e prática, mas sua execução é mediana, básica e repetitiva.

Um audiovisual sistematicamente aprimorado e em harmonia com Final Fantasy VII Remake

Originalmente com direção de arte de Yoshihiro Hirota, o jogo seguia a temática steampunk de Final Fantasy VII, mas trazia uma melhoria em 3D bastante significativa em comparação ao original de PS1, tanto para os cenários em Midgard quanto para os personagens. Felizmente agora há uma compatibilidade dos gráficos, se compararmos com Final Fantasy VII Remake, o que ajuda na transição de um jogo para o outro.

Com um trabalho técnico desenvolvido em parceria com o estúdio Tose, Crisis Core -Final Fantasy VII- Reunion não apenas traz os gráficos do jogo em HD como também oferece efeitos com maior suculência para os ataques, maior riqueza de efeitos sonoros e novos modelos em 3D de todos os elementos do jogo no motor Unreal Engine 4. Devido à baixa resolução de textura e outros fatores, a beleza do cenário não se destaca no Switch como em outras plataformas, mas ainda é um jogo bonito e com uma ótima performance.


Originalmente o character designer de Crisis Core foi Tetsuya Nomura, conhecido por Kingdom Hearts, The World Ends with You e quase todos os Final Fantasy principais do VII em diante. Nesta nova versão, Nomura refez o design dos personagens conforme seu novo estilo em Final Fantasy VII Remake. Além de deixá-los mais bonitos, isso também contribui para transitar entre essas duas obras. O único ponto negativo que reparei foi o fato de que o protagonista ficou com um corpo muito maduro para 16 anos de idade (no início do jogo), embora tenha os poderes de um SOLDIER, o que é particularmente chamativo por seu comportamento infantil.

Assim como Final Fantasy VII, Crisis Core sempre teve uma inspiração cinematográfica; a versão Reunion contribuiu de sobremaneira nesse aspecto. O ótimo elenco de voice acting do remake de Final Fantasy VII retorna em Reunion, com vozes para todos os diálogos e destaque para a divertida atuação de Caleb Pierce (Zack Fair). As cinemáticas foram, em boa parte, refeitas. Há um pouco de inconsistência entre o estilo gráfico de algumas delas, bem como na qualidade das animações; a melhor continua sendo a cutscene de encerramento. Confira um pouco do estilo cinematográfico no trecho de vídeo abaixo.


A trilha sonora original (OST) foi composta por Takeharu Ishimoto (conhecido por spin-offs de Final Fantasy e pela série The World Ends with You), contando também com arranjos diferentes de composições de Final Fantasy VII de Nobuo Uematsu. Na versão Reunion, poucas faixas foram rearranjadas, mas a qualidade sonora em geral foi aprimorada.

O jogo acompanha um mini-álbum digital com algumas de suas principais músicas e um pequeno artbook digital de concept art. Quanto às composições originais de Uematsu, em boa parte são usados arranjos do remake, o tema de Sephiroth, por exemplo, está na versão clássica do álbum Distant World, e é uma das melhores faixas da OST (confira um trecho no vídeo abaixo).


A OST não é tão variada em estilos, mas é bem consistente em sua proposta e, assim como acontece com os visuais, combina com a trilha do remake de Final Fantasy VII mais do que com a do original de PS1. Como esperado do estilo de Ishimoto, a trilha prioriza harmonia em tom menor e o uso de guitarra e bateria.

Outros instrumentos que se destacam em alguns momentos são o violino, o violão e o piano. Esse último em especial protagoniza algumas excelentes transições musicais durante as cinemáticas, em contraste com riffs de guitarra, que reinam em combate junto de acordes graves. Há também algumas canções. Como ainda não temos uma playlist oficial disponível, deixo abaixo a OST do título de 2007, cujas composições foram preservadas na versão Reunion.

Um jogo mediano com um bom protagonista

Mesmo em sua origem, Crisis Core tinha seus problemas, superficialidades e limitações em termos de narrativa, sistemas de combate e level design; essas questões permanecem e são mais visíveis quando postas lado a lado com outros jogos nas plataformas atuais. Isso dito, há defeitos muito pontuais naquilo que foi refeito, Crisis Core -Final Fantasy VII- Reunion é uma versão muito superior, principalmente em aspectos audiovisuais, e seu estilo artístico e musical está em sintonia com o remake de Final Fantasy VII. Por outro lado, a gameplay merecia uma reforma mais profunda, bem como mais conteúdo. Apesar de ter pouco apelo por si mesmo, o jogo é recomendado a fãs de Final Fantasy VII, pois contribui para o peso de sua experiência narrativa.

Prós

  • Estilo geral de audiovisual compatível com a experiência de Final Fantasy VII Remake;
  • Boa performance no Nintendo Switch;
  • Excelente trilha sonora e algumas ótimas transições musicais;
  • Melhorias muito significativas em gráfico, modelagem 3D e cinemáticas;
  • Ritmo de batalha mais fluido e com controles mais responsivos;
  • Voice acting para todos os diálogos;
  • Melhor qualidade sonora e alguns novos arranjos;
  • Inclusão de mini-álbum digital e um pequeno artbook digital de concept art;
  • Alguns personagens carismáticos;
  • Melhorias de qualidade de vida;
  • Um bom e emocionante desfecho para a trama;
  • Gameplay bastante acessível e prática, com exceção do sistema de roleta (DMW);
  • Uma boa direção cinematográfica em aspectos salientes da trama que enriquecem a experiência da obra e o peso narrativo dos acontecimentos de Final Fantasy VII.

Contras

  • Alguns defeitos pontuais de audiovisual;
  • Poucos arranjos novos na trilha sonora;
  • Level design simplório, repetitivo e desinteressante;
  • Muito conteúdo secundário superficial e repetitivo;
  • História curta, linear e pouco instigante com pouca fluidez de formato episódico e raros personagens bem aproveitados em um texto não muito polido e cheio de clichês;
  • Customização muito básica e pouco versátil;
  • Pouco conteúdo secundário realmente interessante e baixo fator replay;
  • Mecânicas de gameplay muito simples e pouco desenvolvidas;
  • DMW System não muito aproveitado em seu potencial e um tanto problemático para o design narrativo e para a tática dos combates.
Crisis Core -Final Fantasy VII- Reunion — PC/PS4/PS5/XBO/XSX/Switch — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Diogo Mendes
Análise produzida com cópia digital fornecida pela Square Enix
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Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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