Blast from the Past

Riviera: The Promised Land (GBA) e 20 anos de Dept. Heaven

O primeiro jogo da franquia Dept Heaven completou em 2022, 20 anos desde seu lançamento e é uma recomendação a todos que desejam jogar algo diferente.


Lançado originalmente para WonderSwan Color, Riviera: The Promised Land completou 20 anos em 2022. O jogo recebeu um remake em 2004 para o Gameboy Advance e depois outro em 2006 para o PSP, sendo essas as versões conhecidas pelos jogadores ocidentais. Riviera é o primeiro jogo da série Dept. Heaven, e mesmo duas décadas depois, ainda brilha com a ambição da desenvolvedora STING em criar títulos fora do convencional.

Ragnarok, Grim Angels e o sacrifício dos Deuses

“Mil anos atrás, uma grande guerra entre Deuses e demônios teve início, denominada Ragnarok. Asgard, o reino dos Deuses, foi tomado por demônios e estava à beira de sua destruição. Restava apenas uma opção. Quebrando um antigo tabu e sacrificando suas próprias vidas, criaram seres de asas negras, que se opunham a todos que iam contra a vontade dos Deuses. Empunhando armas com poderes incríveis, chamadas de “Diviners”, esses seres chamados “Grim Angels” mudaram o rumo da batalha, e logo, a guerra teve seu fim.


Os demônios foram selados, mas era apenas uma questão de tempo até que os Deuses tivessem o mesmo destino. Os Deuses deixaram o remanescente de seus poderes na paradisíaca ilha de Riviera, a Terra Prometida e confiando-os aos Sprites até seu retorno.

Mas agora, sinais da volta dos demônios tomaram este solo pacífico com temor. Com os Deuses selados, Asgard não sobreviverá a um novo confronto, então, os sete Magi, proxies dos Deuses, tomaram uma decisão: ativar a Retribuição, a qual irá liberar o poder deixado pelos Deuses em Riviera, escolhendo os mais poderosos agentes para seguir com o plano, anjos da morte de asas negras, empunhando suas Diviners: os Grim Angels.

Dois Grim Angels descem ao solo sagrado de Riviera: Ein, o anjo sem asas e Ledah, o anjo solitário. Não resta muito tempo, e agora algo ameaça a interpor seu caminho. Eles devem ativar rapidamente a Retribuição, ou o sacrifício dos Deuses terá sido em vão.”
 
Seguimos a história de Ein, um Grim Angel que, pouco após o início do jogo, é separado de seu parceiro, caindo em Elendia, um vilarejo de Sprites, raça de humanóides em Riviera. Resgatado por duas Sprites, Fia e Lina, o protagonista então percebe que não se lembra do seu passado e nem de seu objetivo. Acolhido pelas irmãs e sem outros conhecidos no local, Ein decide ajudar Fia e Lina em busca informações sobre o desaparecimento repentino dos Arcs, raça vizinha que reside em Lacrima Castle...

A trama, apesar de não ser algo tão elaborado quanto ao que somos acostumados hoje em dia, ainda funciona, com destaque para principalmente o final do jogo. Nestas seguintes frases mencionarei spoilers do rumo final do jogo, portanto, caso não deseje ler, pule para o próximo parágrafo. O jogo em seu final toca brevemente em tópicos como a necessidade ou não de ter um Deus, e seu tema de dar algo em troca de sua Diviner é de certa forma poético. Ein, o personagem que perdeu suas asas, ironicamente se tornou aquele mais livre entre os Grim Angels. Malice entregou seu futuro, mas ela, mesmo por sua obstinação, de fato acabou com ele em vão. E Ledah, o qual entregou suas emoções, acaba nos entregando o momento mais emocionante do jogo, agindo em prol de seus sentimentos que não deveriam existir...
 

Investigue o mundo de forma única, batalhe através de incontáveis possibilidades

A trama de Riviera, apesar de interessante e com diversas reviravoltas, acaba se tornando apenas o pano de fundo para o prato principal, sua gameplay. Com um sistema que até hoje não vi ser repetido em outro título, o jogo conta com um sistema de exploração do cenário através de Trigger Points (TP). TP’s são adquiridos de acordo com o desempenho do jogador nas batalhas e são usados para se examinar qualquer objeto no jogo, exceto em pontos necessários para o progresso da história. É por meio desse sistema que podemos conseguir novas armas, desbloquear sidequests, conhecer mais sobre os personagens, cair em armadilhas, descobrir segredos e entre outros.

 
Muito da exploração ativa quick time events, aumentando a rejogabilidade do jogo caso o jogador queira ver todas as suas consequências, além de adicionar uma dinâmica e tensão extra ao título. Grande parte do jogo se passa explorando cada um dos cenários das dungeons e o sistema de TP é uma das coisas que torna essa exploração interessante, pois basicamente é possível investigar uma imensa quantidade de objetos, desde aqueles que apenas entregam uma breve descrição do cenário até mesmo aqueles que desbloqueiam interações secretas.


É importante conseguir bons resultados nas batalhas do jogo e adquirir muitos TP, pois, a não ser que o jogador saiba exatamente o que deve examinar, TP é um recurso precioso e raramente haverá pontos o suficiente para explorar tudo em apenas uma partida. Mesmo 20 anos depois, ainda me deparo com segredos que não havia descoberto. Não sei dizer exatamente se isso é um ponto positivo ou negativo, pois examinar alguns pontos pode se tornar frustrante ao gastar TP apenas para receber uma descrição genérica. Ao mesmo tempo, até mesmo as coisas mais mundanas às vezes escondem segredos e a sensação ao descobrir isso é emocionante.


Falando em combate, este sistema no jogo também é interessante. Riviera é um RPG de turnos em sua essência, mas há uma pegada especial.  Nele, os personagens não sobem de nível de maneira tradicional, e sim por meio do uso constante de certos equipamentos. Quando um determinado uso é alcançado, os status do personagem aumentam e ele aprende poderosas habilidades especiais, as Overskills. Cada um dos itens do jogo oferece uma Overskill diferente e animações especiais, resultando em uma variedade imensa de itens e assim sempre estimulando o jogador a experimentar.


As Overskills são classificadas em níveis, sendo elas de level 1, 2, 3 ou Ex. Como os números indicam, quanto maior, mais devastador será seu poder. As habilidades de level Ex. podem mudar o rumo de uma batalha, porém, ao serem usadas, quebram a barra de Overdrive necessária para usar essas habilidades, portanto, seu uso deve ser bem planejado, não se esquecendo também que seu uso aumenta consideravelmente a barra de fúria dos inimigos. Quando esta barra ultrapassa de certo ponto, significa que os monstros utilizarão também suas Overskills, o que muitas vezes pode causar aniquilação completa do time e são tão poderosas quanto as habilidades do jogador.
 
 
Um ponto negativo da gameplay é seu espaço de inventário restrito, adicionado ao fato de que as armas possuem uma durabilidade limitada, quebrando após um certo número de usos. Obter armas muitas vezes se torna uma questão de sorte devido à aleatoriedade no sorteio de itens, frequentemente o jogador se encontra tendo que racionar equipamentos ou até mesmo sem armas de Overdrive level 3 para o personagem que gostaria de usar. Também é possível trazer para as lutas apenas 4 itens diferentes, limitando o uso de diferentes estratégias.


Durante o jogo, conhecemos outras heroínas como Serene e Cierra, que eventualmente irão também compor a equipe do grupo. Cada uma das personagens com sua personalidade única, que apesar de não serem muito bem trabalhadas durante o jogo para os padrões dos jogos de atualmente, são o suficiente para que o jogador diferencie cada personagem entre si e que possa escolher sua heroína favorita.


Quando menciono “escolher sua heroína favorita”, quero dizer literalmente, pois uma das excentricidades de Riviera, pelo menos para a época, é possuir elementos que remetem a um dating sim. Dependendo de qual heroína com mais afeto, o jogo termina em epílogos diferentes. Isso é, se Ein conseguiu conquistar algum coração, caso o contrário, só resta para o protagonista uma vida em isolação com sua gata, Rose. Há também um final secreto no qual as condições até hoje são um pouco incertas, mas totalmente viável de se obter caso você saiba mais ou menos o que deve fazer.

 
De qualquer modo, as escolhas do jogador influenciam diretamente neste sistema de “romance”, fazendo com que as heroínas gostem mais ou menos de Ein. Além disso, caso alguma das personagens desfira o golpe final ou fique fora de combate, seus valores de afeto aumentam ou diminuem respectivamente, sendo essa uma das melhores formas de se “farmar” carinho.

 
Hoje em dia é relativamente comum que jogos possuam um sistema assim, mas, na época, a mistura de uma aventura RPG com elementos dating sim não era algo tão esperado, principalmente se tratando de um jogo de Gameboy Advance. Apesar de chamar este sistema como de “romance”, devo deixar claro que não é recomendado jogar Riviera com a expectativa de declarações de amor, pois tudo é bem sutil e é apenas levemente sugerido que há sentimentos entre os personagens, o que não deixa de ser interessante de qualquer forma.

Falando sobre o sistema de “romance”, me sinto obrigada a trazer ao leitor uma breve descrição de cada uma das meninas do grupo e suas personalidades:

Quatro garotas de personalidades distintas

Fia é a irmã mais nova entre as duas Sprites que encontram Ein desacordado no início do jogo. Uma personagem gentil e que inicialmente pode parecer um pouco tímida, ela possui um vasto conhecimento sobre plantas e um forte senso de justiça. Com longos cabelos verdes adornados por um grande laço da mesma cor, a heroína possui um design elegante que condiz com sua aparência madura e refinada. O jogo deixa implícito que, apesar disso, Fia na verdade é uma das personagens mais jovens do grupo. Ela é uma das heroínas mais ligadas com o espiritual, podendo utilizar tanto magias de cura quanto poderosos ataques com seu florete, sua arma principal. É uma personagem bem sensível e que, curiosamente, se recusa durante o jogo a comer quaisquer itens feitos de carne, apesar de sua condição como vegetariana nunca ser diretamente mencionada durante a trama do jogo.


Lina é uma garota alegre, jovial e um pouco mimada. Em contraste com sua aparência infantil e personalidade energética, ela é a irmã mais velha de Fia. Ela é a arqueira do grupo, carregando um longo arco quase de seu próprio tamanho. A personagem possui uma afinidade especial com animais e magias do elemento elétrico. Lina é hiperativa e acaba muitas vezes se metendo em problemas devido a sua grande curiosidade, chegando ao ponto de ser até mesmo imatura, porém, em raros momentos, ela mostra seu bom senso de caráter. Sua personalidade animada ajuda Ein em seus momentos mais sombrios. Uma de suas curiosidades é que seu modo infantil de agir é implicitamente indicado pelo jogo como apenas um ato para parecer mais fofa.

Serene, diferentemente das outras heroínas, é da raça Arc, o que lhe confere uma aparência vampiresca, com asas de morcego e orelhas pontudas. Ela também usa acessórios em sua cabeça que se assemelham a chifres. Sua arma de escolha é uma foice, que quase sempre carrega consigo. Possui resistência a magias de gelo e afinidade com lanças e garras. Serene é uma personagem tomboy e um pouco encrenqueira. Sendo uma Arc, ela é a única capaz de voar no grupo. Apesar de seu jeito travesso, Serene se torna medrosa quando confrontada a explorar certos locais sozinha. Além disso, possui também um lado sensível e feminino que é demonstrado apenas em raros momentos, quando expressa seu receio de ficar sozinha ou quando está perto daquele que tem sentimentos especiais.


A última integrante do grupo é Cierra, uma poderosa, mas desastrada, bruxa. Conhecida como “Scarlet Witch”, seu nome faz jus a seus longos cabelos ruivos, acompanhados por um vestido igualmente vermelho com botas de cano alto. Sendo uma maga, sua arma preferida é um cajado. Scarlet Witch é uma personagem que se especializa em devastadoras magias de fogo. Cierra é a integrante mais desajeitada da equipe, muitas vezes fazendo comentários indelicados sem nem ao menos perceber o desconforto que estes podem causar. Ela possui uma personalidade relaxada e tranquila, até mesmo em situações de urgência. Mesmo com suas peculiaridades, Cierra está sempre disposta a cuidar de Ein e seus amigos, sendo uma das principais figuras que tomam conta do grupo.

Uma joia esquecida e entrada cativante para o mundo de Dept. Heaven

Riviera pode não ter sido um jogo tão conhecido quanto merecia, porém, continua sendo um bom jogo. Com a arte singular e espetacular de Sunaho Tobe, que em minha opinião estava em sua era de ouro, e uma trilha sonora com diversas faixas marcantes composta por Minako Adachi e Shigeki Hayashi. Riviera foi o início de uma nova era de inovação para STING, em que a cada jogo da série Dept. Heaven se tornava mais ousada em sua criatividade. Ele é uma ótima introdução à série, pois possui história e gameplay mais digeríveis do que outros títulos da franquia.

 
Completando 20 anos e ainda sem anúncio de um remaster para Switch, posso apenas torcer para que Riviera receba o mesmo tratamento que Yggdra Union e Knights in the Nightmare ganharam, com novas versões para a geração atual, possibilitando novamente que um console da Nintendo receba uma versão atualizada que bem merece, com mais vozes, trilha sonora em maior qualidade e diversas novas CG’s, assim como na versão de PSP; além de, é claro, tornar esse título acessível aos outros que desejam conhecê-lo e completar todos os jogos do Dept. Heaven. Se isso não ocorreu em seu aniversário de 20 anos, não sei quando acontecerá, mas de qualquer forma, posso apenas torcer. Quem sabe no aniversário de 20 anos do lançamento da edição de Gameboy Advance? Talvez seja apenas uma questão de tempo para que isso aconteça.
Referência: Lacrima Castle
Revisão: Thais Santos

Fascinada pela cultura japonesa dos anos '80, '90 e '00. Ama livros, mangás, sua gata maluca, mahou shoujo e jogos. Em especial Dragon Quest, Fire Emblem, Famicom Detective Club, Okami, JRPGs, retrô, Bishoujo & Otome games. Sempre em busca de jogos estranhos ou com propostas inusitadas. Estuda japonês nas horas vagas para conhecer mais obras do tipo.
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