Um farol para iluminar todo o arquipélago
Há muitos anos, bravos navegadores capturaram uma entidade de luz e construíram um grande farol, capaz de iluminar todo o arquipélago onde se passa Ship of Fools. Com isso, a névoa e a escuridão deixaram de aterrorizar a região, afastando as criaturas malignas e garantindo sossego para os marujos, que agora inclusive podiam navegar tranquilamente durante a noite.
Certo dia, porém, o cientista Clarity observou que novos monstrengos começaram a aparecer nas águas próximas ao farol, que estava projetando pouca luz e aparenta ter sido danificado.
Para piorar, o personagem se depara com uma previsão de que um cataclisma intitulado Everlasting Storm irá atingir o arquipélago, trazendo uma tormenta capaz de destruir a localidade. Seria assim, portanto, que o fenômeno do Aquapocalypse se iniciaria, dando um fim ao universo da aventura.
Preocupado com a situação, Clarity decide emprestar o seu barco, o Stormstrider, para um grupo de marujos inexperientes, entre eles Todd e Hink, dois personagens que são jogáveis desde os primeiros instantes da campanha. No comando do navio, os protagonistas terão que combater os monstros e desbravar os mares agitados para descobrir como se livrar de tais problemas.
Através de seu título, Ship of Fools faz referência a uma antiga alegoria que é conhecida, em português, como Nau dos Insensatos ou Nau dos Loucos. Trata-se de uma narrativa retórica, desenvolvida por pensadores de diferentes eras, como Platão, Sebastian Brant e Michel Foucault, que conta sobre uma embarcação guiada por loucos que pouco se importam com o destino da viagem.
Assim, os autores elaboram críticas baseadas na improvável situação dos marinheiros para promover questionamentos sobre as dificuldades de governança, política e outros temas importantes na sociedade.
Dentro do jogo, no entanto, a alegoria não assume o seu sentido estrito como algo profundo, sem problematizar assuntos ideológicos; é apenas uma representação que indica que o navio da campanha está sendo guiado por um bando de desajustados, os Fools, que devem se virar para salvar o dia.
É justamente assim que Ship of Fools desenvolve o seu adorável e criativo jeitinho desengonçado, que é manifestado por sua bela estética cartunesca e por meio de engenhosas premissas de jogabilidade.
O estilo roguelike que guia o navio
Em sua essência, o título indie assume dois gêneros de jogatina complementares: ação e roguelike. Ao ingressarmos no Stormstrider, devemos avançar por um mapa que é dividido por diversos hexágonos, que escondem inimigos, recompensas temporárias e variados NPCs.
Quando estamos encarando os monstros do mar, torna-se necessário fazer o uso de canhões que podem ser acoplados em quatro locais do navio. Com uma capacidade móvel, a aventura ganha mais intensidade por meio da possibilidade de direcionar as balas para diferentes lados, conforme os canhões são estrategicamente posicionados.
Do mesmo modo, nosso personagem conta com um leme que deve ser usado para exterminar inimigos que invadem o nosso convés e para rebater determinados tipos de tiros. Isso aumenta consideravelmente as funções exigidas para a sobrevivência, o que consequentemente colabora para formar batalhas freneticamente divertidas.
Enquanto roguelike, Ship of Fools dispõe de uma campanha dividida por três tipos de oceanos que devem ser completados de uma só vez; ou seja, em caso de destruição de nosso navio durante as batalhas, temos de retornar ao farol, que é o hub da aventura, onde começamos novamente a jogatina desde o primeiro mar.
Aqui, no entanto, é preciso dizer que o jogo assume uma interface mais leve para o seu gênero, na qual somos capazes de adquirir upgrades permanentes para a embarcação, como pontos de vida, novas plataformas e canhões mais poderosos. Trata-se, portanto, de uma aventura com características essencialmente roguelite.
No final das contas, mesmo sem trazer inovações consideráveis para o seu gênero, entendo que o jogo é bastante criativo, pois oferece situações engraçadas, traços singulares, uma trama com personalidade e um formato de gameplay viciante. Além do mais, estamos diante de um título que dispõe de uma jogabilidade que, além de ser precisa, também é fácil de se aprender, o que vem a incentivar a sua atraente interface co-op para dois jogadores.
Dividindo o Joy-Con com outros marujos durante a tormenta
Ao longo da jornada, Ship of Fools oferece dez personagens jogáveis, sendo que oito deles são desbloqueáveis conforme os resgatamos em alto-mar durante a campanha. Cada um deles conta com habilidades passivas únicas, o que traz um interessante ar de diversidade. Por sua vez, essas singularidades se encaixam muito bem na conjuntura cooperativa do título, que se manifesta logo na tela inicial, na qual há a possibilidade de conectar outro controle.
Com a presença de um amigo, a jogatina de sofá se torna ainda melhor: cuidar da integridade do navio com a ajuda de outra pessoa é muito agradável, pois as funções da tripulação podem ser melhor distribuídas. Isso torna a campanha muito mais fácil, fazendo inclusive com que ela possa ser concluída em poucas tentativas.
Entretanto, essa qualidade também evidencia um certo problema. Acontece que, quando jogamos sozinhos, além de ser menos divertido, dependemos muito da interface roguelite do jogo, que faz com que os upgrades sejam extremamente necessários para o sucesso.
Assim, torna-se necessário passar algumas horas realizando grinding até melhorar os atributos navais. Além de ser incômodo, isso piora pelo fato de que Ship of Fools tem baixa variedade de desafios, apresentando um repertório que se torna cansativo em pouco tempo.
Para além do co-op local, há a possibilidade de usufruir de uma jogatina multiplayer através de um modo online, que funciona bem no geral. No entanto, é preciso ressaltar que essa opção é bastante limitada, pois, além de não possuir recursos de cross-play, ela permite apenas partidas com amigos que estão adicionados no console. Em outras palavras, isso significa que não há como navegarmos com desconhecidos e com jogadores de outras plataformas.
De certa forma, essa foi uma das poucas falhas que identifiquei. Além dela, também mencionaria outros dois pontos que me incomodaram: a ausência de uma tradução para o português e o uso de caixas de diálogos tão pequenas que exigem esforço para serem lidas no modo portátil do Switch, especialmente quando falamos da versão tradicional e Lite do console.
No entanto, apesar desses defeitos, entendo que Ship of Fools prevalece ao oferecer uma experiência encantadora que é capaz de divertir, tanto quando encarada sozinha quanto com os amigos. Ao somarmos as qualidades de gameplay com visuais estilosos, trilhas sonoras animadas e um jeitinho bastante único, temos uma ótima indicação de indie para quem se anima diante de um bom roguelike e de jornadas de navegação como um todo.
Diversão em alto-mar na Nau dos Insensatos
Na companhia dos marujos, os jogadores que toparem o desafio de encarar os mares de Ship of Fools certamente terão ótimos momentos, mesmo com o escasso repertório de gameplay. Desse modo, acredito que temos motivos de sobra para dizer que insensato mesmo é quem não resolve embarcar na Nau dos Loucos, que mesmo sem um destino certo, é capaz de render uma aventura em alto-mar extraordinária.
Prós
- Uma jornada de navegação repleta de charme estético e narrativo;
- A jogabilidade é divertida e a estrutura roguelike é envolvente;
- Ao todo, são dez personagens com habilidades distintas;
- Batalhas navais com muita intensidade;
- A campanha se torna ainda melhor quando encarada com os amigos no modo co-op.
Contras
- Sem contar com cross-play, o modo online é limitado, pois funciona somente com usuários já adicionados no console;
- Especialmente nas disputas single player, a gameplay se torna repetitiva diante da baixa variedade de desafios e da necessidade de grinding;
- As caixas de diálogos ficam muito pequenas no modo portátil do Switch.
Ship of Fools — Switch/PS4/PS5/XBO/XBX/PC — Nota: 8.5Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Team17