Paper Cut Mansion, desenvolvido pelo Space Lizard Studio, está no meio desse bolo, mas se sobressai o suficiente da grande massa de roguelikes medíocres graças ao seu distinto estilo artístico e a algumas mecânicas de gameplay bem criativas e enriquecedoras.
Não é o inseto que costuma seguir a luz?
Toby J. Caputo é um detetive de polícia que chega a uma misteriosa mansão. Ao entrar no local após seguir uma enorme mariposa verde e brilhante, ele cai por um extenso buraco e se vê preso em meio a corredores labirínticos, completamente desprovido de memórias sobre sua vida ou como foi parar em uma salinha minúscula na companhia de um esqueleto falante.
Guiado por uma estranha criatura chamada por alguns de Semideus do Inconsciente, Toby precisará percorrer os andares e salas da mansão para recuperar suas memórias e escapar com vida desta armadilha labiríntica.
Gostei bastante dessa introdução, que inclui uma breve performance musical do protagonista e estabelece o clima sombrio de investigação sobrenatural. Como todo roguelike, esse começo é permeado por pequenos tutoriais, que felizmente são curtos, diretos e bem inseridos nos momentos iniciais de gameplay.
Feijão com arroz de papelão
Se você curte a pegada survival horror dos Resident Evil clássicos, já posso adiantar que tem boas chances de não demorar para você se entusiasmar com Paper Cut Mansion, que traz uma atmosfera bem semelhante, com uma chamativa camada de papelão revestindo a arte do game.
Alguns pontos da trilogia original da aclamada franquia de terror da Capcom são replicados na jornada de Toby, como a análise de objetos em destaque na tela, o combate de tiro em terceira pessoa e, claro, a exploração de uma mansão macabra como cenário principal.
Saindo do campo das similaridades com RE, encontramos uma estrutura básica do gênero: explorar vários níveis em sequência (no caso, os andares da mansão), conversando com outros personagens, derrotando inimigos e cumprindo objetivos, tanto secundários quanto o principal, que dá acesso ao próximo estágio. Isso inclui alguns puzzles e as manjadas missões de coletar objetos para entregar ao devido destinatário.
Assim como a esmagadora maioria dos roguelikes que têm saído ultimamente, Paper Cut Mansion entra na subcategoria dos roguelites, que, mesmo recomeçando a jornada do protagonista sempre que ele morre, conservam algumas partes do progresso para as próximas tentativas.
Aqui, os únicos recursos preservados são equipamentos que encontramos ao longo das runs e ficam armazenados para escolhermos a combinação ideal para começar novas tentativas de escapar. Naturalmente, esse não é o único auxílio que nos é dado para triunfar contra os perigos da mansão de papelão.
Quem procura, acha… e sobrevive
A exploração meticulosa em Paper Cut Mansion nos recompensa com o cumprimento de objetivos paralelos passados por NPCs, que nos dão medalhas para aprimorarmos um dos quatro parâmetros de Toby (Poder, Defesa, Destreza e Inteligência), que aumentam sua força, defesa, agilidade e proficiência para abrir baús que exigem um nível mais avançado nesse quesito.
Mas não para por aí: um prestativo mercador com máscara de médico da peste opera um comércio de remédios com efeitos variados, como recuperação de vida ao causar dano, aumento da chance de dano crítico, maior poder de ataque, e por aí vai. Esses upgrades são obtidos ao custo de moedas que encontramos vasculhando objetos espalhados pela mansão.
Nossa amiga mariposa, que está sempre nos acompanhando, também cumpre um papel importante, emitindo um brilho sempre que ainda houver objetos para explorar na sala onde o protagonista se encontra.
Todo mundo quer um multiverso pra chamar de seu
Falando em brilho, o que diferencia Paper Cut Mansion da experiência de outros roguelikes é o seu sistema de três dimensões, cada uma com um propósito diferente.
Temos a dimensão do Neocortex, o nosso “mundo normal”, onde evitamos armadilhas e vasculhamos objetos para achar pistas e outros itens, como dinheiro; o Sistema Límbico, uma zona escura e tão fria que obriga Toby a estar sempre próximo a uma fonte de calor para não morrer lentamente congelado; e, por fim, o Complexo Reptiliano, onde a ação acontece e precisamos sempre prestar atenção para mirar bem e derrotar as criaturas hostis na base da bala, da faca e do que mais for preciso.
Toby sofre um tipo diferente de dano em cada uma dessas dimensões, o que significa três barras de vida para o investigador com amnésia. Apesar das distinções entre os ambientes, o cenário do andar em si não muda, pois teoricamente estamos na mesma mansão. Ainda precisamos encontrar a assustadora Porta Falante para que ela nos diga o que temos que fazer para seguir ao próximo andar.
Fica bem evidente que essas zonas se complementam e têm uma importância única para um final feliz — ou finais, no caso, já que existem 27 encerramentos possíveis, dependendo de algumas decisões tomadas pelo protagonista e da dificuldade escolhida. É no Sistema Límbico, por exemplo, que encontramos evidências para seguir adiante e recuperar as memórias do detetive Caputo; já o Neocortex é onde liberamos boa parte do caminho dos andares, pois é neles que precisamos resolver os puzzles que bloqueiam algumas portas.
Chega de origami por um tempo
A mecânica de dimensões ajuda a espantar o lado entediante da repetitividade comum aos roguelikes, mas Paper Cut Mansion traz em sua gameplay outros elementos que têm o efeito oposto.
O principal deles talvez sejam os puzzles, principalmente os que figuram nos andares iniciais da campanha. A variedade é baixíssima, e não demora nem um pouco para que você se veja solucionando os mesmos três ou quatro desafios simples de lógica.
Esse problema também se aplica às missões que os NPCs nos pedem, e nesse caso há o agravante de você ter que fazer a mesma caminhada a esmo pela mansão para cumprir os mesmos objetivos de sempre. Ao invés de atiçar no jogador a vontade de resolver puzzles e fazer quests, o efeito será o de fazer você ponderar se vale a pena fazer mais runs.
E fica aqui um aviso aos desprovidos de uma visão mais aguçada: priorizem as jogatinas no modo portátil, pois o tamanho dos textos de Paper Cut Mansion me fez apertar os olhos constantemente para conseguir enxergar o que estava escrito. Faltou um mínimo de otimização para telas maiores que a do Switch.
Só faltou a gangue do Scooby-Doo
Se você está passando por um sentimento de viuvez com relação aos já citados Hades e Cult of the Lamb, ou a qualquer outro roguelike recente da sua preferência, eu diria que no mínimo vale a pena experimentar Paper Cut Mansion e descobrir o quanto os defeitos do jogo pesam no seu gosto, pois suas qualidades certamente lhe dão um bom destaque.
Talvez a movimentação mais lenta do protagonista e a falta de uma ação mais frenética não sejam o que você procura no momento, mas a curiosa estética de papelão e a temática de terror definitivamente dão à obra do Space Lizard Studio um charme e inventividade que você não encontra nem em Raccoon City, nem no submundo do deus grego dos mortos.
Prós:
- Uma sensacional temática de survival horror, no melhor estilo Resident Evil clássico;
- Competente direção de arte, que faz um uso primoroso da estética em papelão para compor seus elementos visuais;
- Montar combinações personalizadas de equipamentos dá uma divertida sobrevida à gameplay;
- A mecânica de dimensões é super criativa, ajudando a espantar o lado entediante da repetitividade comum aos roguelikes.
Contras:
- A baixa variedade de puzzles e quests de NPCs rapidamente torna os níveis iniciais entediantes;
- Textos minúsculos, que dificultam bastante a leitura e favorecem a jogatina no modo portátil do Switch.
Paper Cut Mansion - Switch/PC/PS4/PS5/XBO/XSX - Nota: 7.0Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Diogo Mendes
Análise produzida com cópia digital cedida pela Thunderful Games