The Legend of Zelda: A Link to the Past (SNES) completou 31 anos; comparamos duas adaptações para mangá

Vamos comemorar o aniversário do clássico analisando duas releituras em quadrinhos.

em 21/11/2022
Em 21 de novembro de 1991, 31 anos atrás, The Legend of Zelda: A Link to the Past (usarei a sigla ALttP), chegava para encantar o público japonês. O lançamento coincidia com o primeiro aniversário do Super Famicom, que também completa aninhos neste dia.


Na verdade, a Nintendo tem uma fixação pela data. Se incluirmos lançamentos na América do Norte, temos: Super Mario World (SNES), F-Zero (SNES), três títulos de Donkey Kong Country, dois de Pokémon, dois de Super Mario, dois de Super Smash Bros, o Nintendo DS e outros. A lista certamente não acaba por aqui.

 Não menos importante, o aclamado The Legend of Zelda: Ocarina of Time (N64/3DS), sigla OoT, também veio à luz em um 21 de novembro, há 24 anos. A intenção desta comemoração é apreciar os mangás da franquia Zelda. OoT também teve sua adaptação, mas ALttP tem precedência porque eu gosto mais dele porque, além de ser o irmão mais velho, teve duas versões em quadrinhos japoneses! Deixarei OoT para o próximo texto, mas expresso aqui meus parabéns.
À esquerda, Link nos manuais dos dois títulos para NES (1986-7); no meio, a versão do manual de ALttP (1990); à direita, o herói nos mangás de Ishinomori (1991) e de Himekawa (2005).

A mudança como meio de permanência

Linda Hutcheon, em Teoria da Adaptação, indica como nossa visão sobre o assunto está carregada de moralismo: a principal palavra para qualificarmos uma adaptação costuma ser “fidelidade”. No entanto, geralmente a fidelidade é subjetiva; cada um espera que a adaptação seja fiel aos elementos que considera centrais à obra anterior. Esse discurso coloca a adaptação num patamar abaixo na hierarquia, em situação de dívida e reverência passiva à obra dita original, como se esta fosse pura e sem influências.

Dessa forma, parece que a nova versão só existe a partir da comparação, sempre aspirando assemelhar-se à sua ancestral. Isso é reduzir o significado do próprio processo de adaptar. Para Hutcheon:
“A adaptação é uma derivação que não é derivativa, uma segunda obra que não é secundária [...] um processo duplo de interpretação e criação de algo novo. [...] “Acho bastante sugestivo pensar a adaptação narrativa em termos de permanência de uma história, seu processo de mutação ou adequação a um dado meio cultural. As histórias não são imutáveis, ao contrário, elas também evoluem por meio da adaptação ao longo dos anos” (p.30, 45, 58).
Isso diz muito sobre a série Zelda ao longo de suas quase quatro décadas, passando pelas mãos de sete diretores e diversas equipes. Cada novo título – repare na palavra “novo” – é uma releitura dos mesmos elementos fundamentais, ornamentados por outros elementos que redefinem a receita que une tradição e novidade. Zelda é sempre o resultado da adaptação de um legado histórico cumulativo.
A série completou três décadas em 2016 e já teve várias caras.

Duas ligações com o passado

ALttP é um bom caso para pensar a adaptação porque suas duas versões em mangá são bem diferentes. Não me refiro apenas ao andamento da história, mas a como cada uma foi criada. Mesmo que elas tenham extensões semelhantes, típicas de um volume de mangá, há distinções de tom narrativo e estilo visual.

A primeira versão é de 1991 e foi feita por Shotaro Ishinomori, o “Rei do Mangá”, que só não é chamado de Deus do Mangá porque esse título pertence a Osamu Tezuka. Essa obra foi lançada mensalmente na revista Nintendo Power ao longo de todo o ano, em 12 capítulos de 16 páginas, somando um total de 192. Encomendada diretamente para o público norte-americano, a leitura segue o padrão ocidental da esquerda para a direita e todas as páginas são coloridas.



Já a segunda versão é de 2005, tem 178 páginas e foi criada por Akira Himekawa, que, mesmo parecendo se referir a uma única pessoa, na verdade é o nome artístico de uma dupla: S. Nagano e A. Honda. As duas são muito familiarizadas com Hyrule por já terem produzido mangás de vários jogos da franquia Zelda, como os dois Oracle, Majora’s Mask, Four Swords, The Minish Cap, The Phantom Hourglass e Twilight Princess. As páginas são em preto e branco e a leitura é no sentido japonês, da direita para a esquerda.



Primeiro, é preciso notar que há uma grande diferença de tempo entre as obras. Quando Ishinomori publicou seu trabalho, ALttP não havia sequer sido lançado nos Estados Unidos. Portanto, os leitores da Nintendo Power puderam ter acesso às premissas da história, à ambientação e atmosfera nos quatro primeiros capítulos. Um bom trabalho de marketing.

Na época, isso conferia uma vantagem porque as referências visuais da franquia se limitavam a um pouco de material extra, como manuais e ilustrações promocionais (e à série animada de 1989, mas vamos deixá-la quieta), dando margem para Ishinomori adaptar o jogo, personagens e locais segundo seu estilo.



Também facilitava que o público fosse mais receptivo a essa versão que enriqueceu a franquia ao oferecer de forma vívida e detalhada uma história completa em um mundo que era conhecido através dos 8 bits do NES e nas imagens do ALttP japonês, lançado meses antes. Assim, esse mangá fez parte da construção do imaginário estético da lenda de Zelda antes dela tornar-se a série épica que conhecemos hoje.

Por outro lado, a adaptação de Himekawa foi feita quando Link já estrelava 11 jogos e a dupla de autoras já tinha 5 anos de experiência em transformar a saga da Triforce em mangá. Portanto, as mangaka tinham à disposição uma riqueza de referências sobre um mundo com uma lógica testada, aprovada e ressignificada a cada novo título.

Ao mesmo tempo em que isso fornecia matéria prima para ser usada (como o visual de Ganondorf, claramente vindo de OoT), também impunha expectativas de estar à altura das aclamadas aventuras da Nintendo, uma meta que foi atingida sem grandes problemas.

Duas ligações entre mundos

As diferenças mais óbvias estão na estética visual. O traço dos personagens de Ishinomori é cartunesco, refletindo o estilo do autor dos anos 1960, quando produzia Cyborg 009. Em contraste, as técnicas de ilustração são complexas e variadas, os cenários são detalhados e o colorido exuberante destaca a atmosfera da história (eu tenho uma queda por mangás aquarelados).

Por sinal, a atmosfera é um dos pontos principais em ALttP, especialmente na virada que leva Link ao Mundo das Trevas, um lugar que reflete Hyrule, porém distorcido, inóspito, perigoso e desconhecido. A aventura retira a sensação de familiaridade do jogador que já havia se habituado ao funcionamento do Mundo da Luz, algo que o jogo comunica de imediato a partir da paleta de cores mais sombria.


A pintura de Ishinomori o ajuda a transpor melhor para o mangá a inquietude opressiva do Mundo das Trevas do que o trabalho de Himekawa, que é, em geral, mais delicado e limpo; fofinho, até.

As autoras usam um traço mais típico do mangá contemporâneo e o fazem muito bem; se, no mesmo volume, compararmos o Link de Majora’s e o de ALttP, veremos duas versões muito diferentes da aparência do herói, mas que são imediatamente reconhecíveis por seus jogos de origem, representando com confiança padrões diferentes da série.

Dois Links para o leitor

O tom da narrativa também diverge. Ishinomori alterna a ambientação sinistra com a comédia boba, falas coloquiais e um Link inexperiente e assustadiço, um herói hesitante, mas que segue em frente até finalmente ser empoderado ao encontrar a Master Sword. O clima é de aventura episódica, passando de um perigo a outro à medida que a história adentra várias masmorras e enfrenta chefões; bem como esperado de uma revista de videogame.


Himekawa, por sua vez, tende a reforçar as personalidades e motivações de cada um, construindo uma narrativa com mais diálogos e coesão de suas partes. Por exemplo: ambos os mangás abordam a questão dos pais e o tio de Link, mas Himekawa a desenvolve com muito mais substância.

Embora os dois títulos façam justiça à princesa Zelda como uma pessoa determinada e comprometida com seu reino, é também a versão mais recente que retrata a relação entre o herói e a princesa com mais intimidade, beleza e emoção, sendo este um dos pontos altos da obra. Até Agahnim recebe mais camadas de personagem, deixando de ser apenas um terrível feiticeiro que ambiciona libertar o poder de Ganon.

Como ALttP tem um roteiro simples e enxuto, mudar para uma mídia centrada na narrativa requer mudanças essenciais. Uma grande alteração (e, para mim, muito bem-vinda) é que, para atender às necessidades narrativas, o protagonista, que até hoje permanece mudo nos games, acaba sendo bem falante em todos os mangás.

Outra questão importante é que o jogo é uma aventura de herói/jogador solitário, o que foi modificado para tornar o enredo mais interessante com a adição de mais histórias e personagens. O título da Nintendo Power tem como destaque a fada Epheremelda (para rimar com Zelda?) e o rival Roam (diretamente baseado em Jet Link, um personagem do mangá Cyborg 009, de Ishinomori).

A produção de 2005 também acrescenta os papéis de companhia e rival, mas concentrados em uma personagem, a ladra Ganty. A aparência dela tem uns toques kawaii, como a estrela na bochecha e a presilha no cabelo, o que, para mim, destoa do restante do mundo e do clima da história e parece encaixar melhor com Oracle of Seasons/Ages. De qualquer forma, a boa participação da jovem no desenrolar da trama contribui para o andamento do mangá, sem deixar a sensação de personagem desnecessária.



Como podemos perceber, essas obras são adaptações muito diferentes advindas de uma mesma fonte principal. As duas respeitam (segundo meu próprio moralismo subjetivo) e certamente enriquecem ALttP, ainda que seus momentos históricos as levem a enxergar o game por pontos de vista distintos. Eu as considero como leituras que valem a pena; elas complementam o jogo e uma à outra, somando três rumos separados de um mesmo caminho.

Duas edições nacionais

Os mangás foram lançados no Brasil pela Editora Panini. Primeiro veio a Perfect Edition de Akira Himekawa, lançada em 2018 e combinando em um único volume Majora’s Mask e A Link to the Past; em 2021, A Link to the Past de Ishinomori chegou às nossas terras.
Edição francesa de Himekawa à esquerda. As outras duas são as nacionais de Himekawa e Ishinomori.
Até o mês passado eu ainda encontrava algumas edições novas em varejistas online, mas conferindo agora, infelizmente apenas a Perfect Edition que reúne Oracle of Seasons e 
Oracle of Ages está disponível para venda no site da Panini. As demais, usadas, podem ser encontradas a preços variados. 

Deixo aqui a torcida para o lançamento de The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom (Switch) em 2023 incentivar a editora a produzir uma reimpressão do material e, assim, mais zeldeiros poderem ter acesso a essas adaptações dignas do Poder, Sabedoria e Coragem que formam a lenda de Zelda.
Mangás adquiridos pelo redator
Revisão: Davi Sousa
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Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies. Veja minhas análises no OpenCritic.
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