Análise: Bayonetta 3 (Switch) é ambicioso, visceral e o melhor jogo da franquia até agora

A Umbra Witch mais sexy e querida dos videogames retorna com força total no terceiro jogo da saga.

em 11/11/2022
Revelado ao mundo há quase cinco anos na edição de 2017 do já tradicional The Game Awards, Bayonetta 3 finalmente está entre nós. Após uma longa espera — que envolveu inclusive rumores de cancelamento e uma inesperada polêmica envolvendo a dubladora original da protagonista —, os jogadores ao redor do mundo podem enfim se aventurar no mais recente capítulo de uma das sagas mais únicas da indústria dos games. Mas será que o hype em torno do título da PlatinumGames é realmente justificado? Confira a seguir em nossa análise!

Uma nova e letal ameaça

“...eu sempre acreditei que existia somente uma realidade. Mas — e se uma outra versão de mim em um mundo distante estivesse buscando todas as possibilidades?

E se, quando todas essas possibilidades estivessem sobrepostas, o caminho que mais se destacasse fosse a realidade verdadeira?”

É com uma pulsante cena de ação e o instigante questionamento acima que Bayonetta 3 simultaneamente se apresenta ao jogador e insinua os caminhos de sua narrativa. Anos após os eventos de Bayonetta 2 (Wii U/Switch), Enzo, Rodin, Jeanne e Bayonetta estão vivendo as suas rotinas como pessoas normais em Nova Iorque, mas uma estranha tempestade anuncia que a calmaria não durará muito.

Decidindo investigar o acontecimento, não é preciso muito tempo para que os protagonistas percebam que as mudanças climáticas bruscas que presenciam na cidade são causadas por agentes externos invasores. Desta vez, porém, ao invés de anjos ou demônios como nos jogos anteriores, há uma nova ameaça responsável pelo caos: os homunculi.

Pouco é sabido inicialmente sobre os homunculi, além de que são criaturas estranhas tanto ao Paradiso quanto ao Inferno (e, por isso, impossíveis de serem oferecidas como sacrifício). Pouco a pouco, no entanto, é descoberto que se tratam de formas de vida humanoides criadas artificialmente para servir a um plano grandioso que envolve a destruição completa das realidades como elas existem.

Assim, contra todos os prognósticos, Bayonetta, Jeanne e os outros logo se veem imersos no maior conflito de suas vidas: uma batalha multidimensional que envolverá realidades paralelas, revelações inesperadas e a chegada daquela que detém o conhecimento necessário para impedir a aniquilação completa: Viola, a nova bruxa e personagem jogável da franquia.

A chegada do multiverso

Bayonetta 3 apresenta à série da PlatinumGames o conceito de multiverso. Logo nos primeiros momentos do jogo, descobrimos que Viola pertence, na verdade, a outra realidade, onde Bayonetta, Jeanne e os outros já foram mortos por Singularity, criador dos homunculi e o grande antagonista do título.

Ao ver o seu universo inteiramente destruído sem conseguir fazer muito para impedir tal fato, Viola utiliza a última ponte dimensional que existe nele para chegar à realidade da Bayonetta que conhecemos e alertá-la sobre a ameaça iminente: capaz de viajar entre realidades assim como seus comandados, Singularity está aniquilando todas as camadas do multiverso em sequência, ganhando um poder incomparável no processo.

No momento da chegada de Viola, há poucas realidades restantes que ainda não foram alcançadas por Singularity, o que exige ações de contenção tão rápidas quanto eficazes. A esperança mais concreta e factível envolve encontrar as cinco Engrenagens do Caos (itens poderosos criados em conjunto pelas Umbra Witches e Lumen Sages que permitem ao seu portador transitar livremente entre as realidades) espalhadas pelo multiverso e levar o combate ao Alphaverse, o universo original do vilão. 

Isso significa que, no controle de Bayonetta, Jeanne e ocasionalmente Viola, caberá ao jogador viajar entre diferentes cenários e períodos históricos, como Japão, Egito e China, em busca das tais Engrenagens e de uma chance de deter Singularity de uma vez por todas na narrativa mais ambiciosa que a série já apresentou desde a sua criação.

Todo o poder de Bayonetta à sua disposição

Espalhando-se pelo multiverso como pragas, os homunculi e seu criador são a ameaça mais perigosa já enfrentada por Bayonetta. É uma sorte então que a bruxa esteja em sua absoluta melhor forma até hoje — além dos recursos já conhecidos, como o Witch Time e o Torture Attack, agora a protagonista também domina duas técnicas milenares que pareciam perdidas no tempo: Demon Masquerade e Demon Slave.

A primeira permite à Umbra Witch se fundir com um demônio para auxiliar na movimentação pelo mapa e na solução dos eventuais puzzles. Já o Demon Slave é de longe a grande novidade do terceiro game, possibilitando que a bruxa invoque e controle um de seus subordinados infernais a distância por um determinado período.

Devido às grandes proporções dos demônios como Gomorrah, ativar o Demon Slave instantaneamente amplifica todos os confrontos do game a um nível nunca visto antes. Se Bayonetta por si só já era letal, imagine-a controlando diretamente os seres mais poderosos do submundo, ainda que temporariamente.

É um flerte muito interessante da série com o Kaiju, subgênero japonês de filmes e séries que se destaca por apresentar de forma espetacular conflitos entre criaturas de proporções colossais — um exemplo popular no Ocidente é a franquia Godzilla, mas traços do estilo como um todo são perceptíveis em obras tão diversas como King Kong e Attack On Titan. 

A influência do Kaiju é logo sentida em Bayonetta 3, com diversas lutas escalando de maneira tão épica que é difícil não se empolgar. De um modo geral, a série sempre apresentou momentos tão memoráveis quanto absurdos (em um bom sentido), mas a abundância e variedade destes no terceiro jogo é realmente elogiável.

Como um ilusionista profissional, a PlatinumGames busca surpreender a sua audiência com um truque melhor que o outro em uma sequência tão rápida que o público quase não consiga recuperar o fôlego. A boa notícia, então, é que o espetáculo não somente funciona, mas resulta em um dos melhores jogos de ação já produzidos até hoje.

De fato, o jogo mais ambicioso da franquia…

Esqueça as ruas ou arenas apertadas dos dois primeiros games: para comportar tanto os homunculi quanto os largos demônios do Inferno em sua totalidade, Bayonetta 3 conta com os cenários mais amplos da franquia até hoje. Isso significa que, de Shibuya aos desertos do Cairo, o jogador terá grandes áreas para explorar enquanto tenta recuperar as cinco Engrenagens do Caos.

Aqui é onde é possível notar um verdadeiro salto geracional para a franquia desde Bayonetta 2; embora a progressão do terceiro game continue sendo dividida em capítulos e versos fechados (nada de mundo aberto, pelo menos por enquanto), os terrenos mais amplos realmente impressionam e ajudam a fortalecer a noção de que a nova obra é, de fato, uma evolução perante os jogos anteriores.

Essa sensação é complementada pelo sistema de combate mais completo que a saga já viu. Assim como Bayonetta, cada um dos demônios controláveis via Demon Slave possui seus combos próprios, habilidades desbloqueáveis e finalizações especiais, de modo que, com um pouco de prática, é plenamente possível montar sequências de golpes realmente insanas. Junte a isso a grande abundância de segredos e colecionáveis escondidos em cada capítulo e temos aqui uma aventura que pode (e deve) ser jogada novamente inúmeras vezes.

Por tocar no fator replay, a inclusão de vários personagens jogáveis já pode ser vista como uma tradição da franquia, mas fazendo jus à sua ambição, Bayonetta 3 promove mudanças realmente drásticas para as seções nas quais controlamos Jeanne e Viola.

Dentro de sua missão de encontrar um personagem que teoricamente possui conexões com Singularity, Jeanne possui capítulos próprios. A grande sacada da Platinum aqui é que esses trechos adotam uma prazerosa jogabilidade em 2.5D, onde o objetivo principal não é criar o combo mais estiloso possível, e sim chegar ao destino de forma furtiva em um ambiente repleto de homunculi.

Tais seções são bem divertidas e acabam por proporcionar um contraste muito agradável com os movimentados capítulos estrelados por Bayonetta. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito dos momentos com Viola, que, pelo menos pra mim, acabaram sendo um pouco decepcionantes.

Com apenas 18 anos de idade, Viola ainda não tem o pleno domínio de suas habilidades como uma Umbra Witch, optando por usar sua katana e dardos para combater os homunculi. Embora a personagem passe por uma evolução até que interessante no decorrer do jogo, devo dizer que achei tanto a sua jogabilidade quanto os seus capítulos perigosamente pálidos quando comparados ao agradável caos que permeia todo o restante do título.

Sendo sincero, controlar a lentidão de Viola após um capítulo com Bayonetta é tão discrepante que passa perto de quebrar o ritmo da aventura. Numericamente falando, não são tantos momentos com a jovem, mas é realmente uma pena que seja assim, pois a roqueira possui uma grande importância para a narrativa do jogo e, consequentemente, para os rumos futuros da franquia. Porém, fica nítido que, como um todo, Viola é uma ideia carente de amadurecimento. Urgente.

…e os problemas que isso acarreta

A ambição de Bayonetta 3 tem um preço considerável, que, no caso, é a sua performance no Switch. Na minha prévia do lançamento, escrevi que uma de minhas únicas preocupações era justamente a parte técnica do jogo, já que, cinco anos após sua chegada ao mercado, o hardware da Nintendo está mais do que nunca mostrando a sua idade.

Infelizmente, o temor foi justificado — embora mire os 60 quadros por segundo, Bayonetta 3 raramente alcança essa marca de forma estável, com quedas consideráveis ocorrendo até mesmo ao rotacionar a câmera em torno da personagem. Além disso, tanto no modo TV quanto no portátil, a aventura não é renderizada na resolução nativa do console, o que frequentemente resulta em uma imagem embaçada, mesmo com técnicas dinâmicas empregadas.

Considerando a qualidade das aventuras anteriores no dispositivo da Big N e que o título foi desenvolvido exclusivamente para o Switch, é no mínimo decepcionante que Bayonetta 3 tenha sido lançado neste estado. É importante ressaltar que a aventura ainda é jogável, claro (vide a nota alta concedida), mas não dá para fechar os olhos para o fato de que o game merecia mais atenção da Platinum e da Nintendo nesta área.

Aliás, outra coisa que é cada vez mais difícil de ignorar é a ausência de suporte ao português brasileiro. Se, com uma fração do orçamento disponível, jogos indie conseguem chegar traduzidos ao nosso país, como um jogo AAA de uma das maiores empresas do mundo não pode fazer o mesmo?

É realmente uma pena, pois quando se analisa o conjunto de sua obra, Bayonetta 3 é uma aventura ímpar. Da jogabilidade empolgante à trilha sonora digna de premiações, aqui está um dos melhores títulos do ano e da biblioteca do Switch, mostrando que a Nintendo fez muito certo em apostar na franquia há quase uma década. 

Dadas as implicações da narrativa (que pretendo cobrir em uma outra matéria, recheada de spoilers), estou ansioso para ver onde a franquia estará nos próximos dez anos. Por hoje, apesar dos problemas técnicos, é tempo de celebrar o capítulo final de uma das trilogias mais únicas dos games. E que bom que o hype foi justificado.

Uma conclusão praticamente perfeita para uma trilogia imperdível

Bayonetta 3 é grandioso, viciante e absolutamente imperdível. O fato de que nem mesmo os seus problemas graves de performance no Switch são o suficiente para interromper uma recomendação genuína é um atestado da qualidade do terceiro jogo de uma das franquias mais interessantes da indústria dos games. Não se permita enganar: para todos os efeitos, aqui está a magnum opus da PlatinumGames e mais um grande acerto da Nintendo. O resultado é que, do Inferno ao Paradiso, todas as realidades agradecem.

Prós

  • Ação ágil e estonteante, capaz de tirar o fôlego do jogador repetidas vezes;
  • Cenários amplos, variados e repletos de segredos representam um verdadeiro salto geracional para a franquia;
  • Mecânica Demon Slave promove momentos tão épicos quanto divertidos;
  • Possui o sistema de combate mais rico da saga;
  • Considerável fator replay;
  • Seções estreladas por Jeanne são um destaque à parte;
  • Naive Angel Mode e vários níveis de dificuldade garantem que a aventura seja acessível a mais jogadores;
  • Trilha sonora absolutamente fantástica.

Contras

  • Momentos estrelados por Viola não são tão divertidos quanto os encabeçados por Bayonetta;
  • Decisões de narrativa questionáveis que provavelmente se provarão divisivas;
  • Apresenta graves problemas de performance tanto no modo portátil quanto no modo TV;
  • A ausência de suporte a português brasileiro em um título AAA em 2022 é, francamente, inaceitável.
Bayonetta 3 — Switch — Nota: 9.0
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Nintendo
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