Análise: HARVESTELLA (Switch) é a perfeita harmonia entre dois gêneros

O título cria uma relação de afinidade e dependência entre os elementos de RPG e de simulação de fazenda.

em 18/11/2022
Dentre os diversos anúncios realizados durante a Nintendo Direct Mini de 2022, um peculiar título da Square Enix que prometia combinar elementos de RPG e de simulação de fazenda me chamou muita atenção. Como grande entusiasta dos dois gêneros, fico muito feliz em dizer que HARVESTELLA superou as minhas expectativas e combina as duas categorias com perfeição.

A estação da morte

No mundo de HARVESTELLA, existe um fenômeno que acontece na virada das estações chamado de Quietus. Durante esse período, uma poeira que causa a morte de qualquer coisa viva se espalha pelo ar, obrigando os moradores a se trancarem em suas casas.

Durante um determinado Quietus, o protagonista aparece caído em Lethe Village, sendo despertado por uma menina misteriosa que afirma que ele é o escolhido para salvar o mundo e que deverá fazer uma difícil escolha quando este momento chegar.




Pouco tempo depois, Cres, a médica da vila, encontra o nosso herói e, após efetuar uma consulta, fica surpresa por saber que ele resistiu aos efeitos da calamidade. Ela nos explica sobre esse evento mortífero e descobrimos que este mundo existe e se mantêm graças a força de quatro grandes cristais.

Após uma sucessão de eventos, conhecemos Aria, uma garota que jura ter vindo do futuro. Querendo descobrir como voltar para sua época, ela concorda em unir forças conosco para investigar a calamidade e procurar uma forma de pará-la.



Lar doce lar

Ao iniciar HARVESTELLA, o jogador pode personalizar e nomear o personagem. O título surpreende ao permitir a escolha entre homem, mulher e não binário, no entanto, não fornece muitas opções de customização, se limitando basicamente às cores do cabelo, olhos e pele.

Ainda início da história, o prefeito da cidade nos permite ficar em uma propriedade chamada Bird's Eye Brae, local onde iniciamos e terminamos os nossos dias. Na casa, podemos utilizar uma bancada para construir itens e a cozinha para preparar refeições, além de ser onde fica nossa cama. Do lado de fora, temos um grande espaço para plantar e cultivar diversos tipos de sementes.

Dentre as diversas construções possíveis, temos máquinas que fabricam queijo com o uso de leite; outras que fazem suco com o uso de legumes ou frutas; um item que permite se transportar, da onde estiver, diretamente para casa e regadores automáticos. A variedade de itens é bem grande e a mecânica requer diferentes tipos de materiais, fazendo com que tudo que pode ser coletado tenha uma utilidade.

O local de cultivo funciona semelhantemente a outros jogos do gênero, como Harvest Moon, Story of Seasons ou Stardew Valley. Nele, temos uma grande área no qual podemos arar a terra com o uso da ferramenta adequada, plantar sementes ou mudas, regar e, por fim, colher. Cada tipo de plantio possui o seu próprio tempo de colheita e uma ou mais estações específicas em que pode ser cultivado.

Como um bom simulador de fazenda, essa entrada é dividida entre as conhecidas quatro estações, primavera, verão, outono e inverno respectivamente, com cada uma tendo 30 dias. Com o término dos quatro períodos, um novo ano se inicia e o ciclo se repete. Como dito na introdução, temos um dia de Quietus entre a transição das estações. Durante esse período, tudo que estava plantado, com exceção das árvores, morre. Além disso, todas as lojas e casas ficam fechadas e o jogador não pode fazer muitas coisas além de construir e cozinhar em sua própria.

Sempre que usamos a função de dormir, um dia se passa no calendário e caso passe da meia noite sem que o jogador esteja em sua cama, o herói acabará caindo de sono onde quer que esteja. Nessa situação, somos acordados por Cres no dia seguinte e devemos pagar uma taxa pelos serviços da médica.



Um enredo caprichado

Paralelo às funções no campo, temos a história principal dividida em alguns capítulos e diversas missões opcionais espalhadas pelo mundo. O jogador tem liberdade para progredir no momento que preferir e devo dizer que a Square Enix deu um verdadeiro show ao criar os textos dessa trama.

O enredo principal, inicialmente, se concentra em visitar e investigar os quatro grandes cristais que governam o mundo. O roteiro de HARVESTELLA não é inovador, no entanto, é muito bem construído e escrito. Existem diversos momentos engraçados, tristes e emocionantes, além de muitas reviravoltas, capaz de ir criando um sentido cada vez mais claro aos poucos até se encerrar em algum dos múltiplos finais disponíveis.

As missões secundárias não ficam para trás e, a meu ver, são acima da média em jogos do gênero, pois os desenvolvedores tiveram o cuidado de criar uma situação plausível e interessante para justificar a existência de cada missão. Todos os NPCs que nos fazem pedidos possuem uma história com começo, meio e fim, e as subquests muitas vezes se desenrolam em etapas durante alguns dias.

Tanto o enredo da missão principal quanto o das secundárias é acompanhado de uma trilha sonora precisa que executa faixas mais alegres em momentos cômicos e mais delicadas em momentos dramáticos ou tristes. Ademais, próximo a cada grande cristal existe uma cidade com moradores que possuem seus próprios pensamentos e comportamentos sobre o minério.

Um fazendeiro também deve explorar e batalhar!

Ao sair de Bird's Eye Brae, o jogador se verá em um mapa do mundo semelhante aos dos Final Fantasy mais antigos, no qual o personagem fica grande e as cidades e dungeons ficam pequenos. Nesse mapa, é possível se locomover andando a pé ou por meio de alguns veículos que também são usados em FF.

Existem diversos tipos de dungeons, como cavernas, florestas e até mesmo um local submerso e, mais uma vez, as músicas brilham, combinando perfeitamente com o bioma local. São nesses ambientes que acontecem as batalhas e, além dos inimigos presentes, existem pontos de interação como pontes e escadas quebradas que podem ser reparadas com um item específico, permitindo a criação de atalhos. 

Os atalhos nas masmorras são uma forma inteligente de contornar a questão do tempo, tendo em vista que, por ser necessário dormir e reabastecer os alimentos, levamos alguns dias para concluir o local. Deste modo, ao voltarmos ao início do lugar explorado anteriormente em um novo dia através dos desvios que foram criados, podemos avançar rapidamente para onde tínhamos parado.

Ao entrarmos em uma masmorra, todos os inimigos são carregados e ficam andando livremente pelo local. O combate funciona como um RPG de ação 3D no qual o jogador consegue se mover livremente com o analógico esquerdo e utilizar ataques normais com o botão Y. Ao segurar o ZR, é possível utilizar habilidades apertando outro botão correspondente. Com os direcionais, conseguimos navegar por uma janela de itens que carregamos na bolsa, e com X utilizamos o selecionado.

Ao final de cada dungeon recheada com uma grande variedade de inimigos, há um chefe. Além desses oponentes mais simples, espalhados pelo cenário também há alguns monstros FEAR, que são semelhantes aos adversários básicos, mas são maiores e muito mais fortes.

Para auxiliar nas batalhas, o jogador pode formar uma equipe com mais dois personagens. Existe uma boa diversidade de auxiliares, sendo que cada um possui sua própria classe e habilidades. Não podemos controlar esses parceiros, uma vez que eles basicamente atacam automaticamente o inimigo que estivermos mirando.



Embora esses aliados possuam uma classe fixa, o protagonista pode alterar de classes, inclusive durante as lutas. Essa mecânica traz dinamismo para os combates, pois não é necessário entrar no menu para efetuar a troca, bastando segurar o ZR e apertar um dos direcionais correspondentes. 

Existem 12 classes disponíveis e a maioria delas é aprendida quando um novo parceiro entra para o time. No menu de equipamentos, o jogador pode pré-determinar três, sendo elas que poderão ser alternadas durante as explorações, cada uma com habilidades e aparência própria. Como exemplos das classes presentes, temos a Mage, que utiliza ataques mágicos à distância, e Shadow Walker, que se assemelha a um assassino e usa ataques físicos com duas espadas.

Em HARVESTELLA, também podemos criar uma relação de amizade e namoro com os aliados. O progresso no relacionamento aumenta conforme vamos cumprindo as missões de história de cada um e, reiterando o que já foi dito sobre o enredo, aqui também temos um alto padrão, com diversos momentos memoráveis. Somado a isso, todos os personagens, inclusive os de missões secundárias, são extremamente carismáticos. Aumentar a intimidade com alguém fornece bônus de equipe quando o personagem em questão está no time.



A simplicidade é positiva e bem-vinda

Os equipamentos e status em HARVESTELLA são bem simplificados se comparados a outros RPGs da própria Square Enix. Durante toda a aventura, cada personagem utiliza a mesma arma que pode ser melhorada em uma ferreira na primeira cidade, além de dois anéis que oferecem diversos tipos de efeitos. Os status são focados basicamente em ataque e defesa física e mágica.

Apesar de cada um ter seus próprios atributos, o protagonista e os aliados possuem um sistema de level compartilhado que é aumentado com a experiência ganha dos inimigos derrubados durante todo o dia. Deste modo, o aumento dos níveis acontece quando dormimos e todos os parceiros, até mesmo os que não estão sendo usados, melhoram suas características individuais ao mesmo tempo.

Essa simplicidade é bem-vinda, pois, nesse caso, por também termos que nos concentrar nos cuidados com a colheita, elementos de RPG muito complexos poderiam trazer mais preocupações e acabar tirando o foco do cultivo. Além disso, a descomplicação não torna o combate fácil: há diversos momentos e inimigos difíceis que vão requerer atenção especial do jogador.

Uma perfeita harmonia

Quando vi o primeiro trailer de HARVESTELLA, meu maior medo era que um dos gêneros acabasse se sobrepondo ao outro. Para minha felicidade, a combinação entre os elementos de RPG e os de fazenda foi realizada com maestria, criando uma relação de dependência entre eles.

À medida que o jogador progride na história, mais inimigos poderosos aparecem em seu caminho e, para recuperar o HP e a estâmina durante os confrontos, é necessário consumir refeições elaboradas com os itens plantados. Caso o jogador tenha os pontos de vida zerados, ele irá acordar no dia seguinte da mesma como se tivesse dormido fora de casa. 

Já no caso da estâmina, ficar com ela zerada impede que o herói realize qualquer ação além de andar, inclusive as de cultivo, logo, ele não poderá correr, atacar, plantar ou colher. Além da recuperação, os alimentos também fornecem bônus que ajudam no combate, como aumento de ataque ou defesa.



Para aumentar o nível da arma, é necessário gastar grilla, a moeda do jogo, e só a conseguimos vendendo as nossas colheitas e os itens derrubados por monstros. Também podemos usar o dinheiro para expandir o tamanho da propriedade e construir espaços para cuidar de animais, além de comprar sementes para plantar. Como bichinhos disponíveis para criar, temos os Cluffowls, que são semelhantes a pássaros e fornecem ovos, e os Woolums, que se parecem com cabras e fornecem leite, além do Totokaku, um animal de estimação que serve como montaria.

Essa combinação de gêneros também se fortalece com o Great Faerie Orders, um sistema no qual somos recompensados por cumprir algumas requisições efetuadas por fadas. Inicialmente, essa função possui apenas uma fada que representa o elemento fogo. Com progresso na história, desbloqueamos as demais, que equivalem aos elementos água, terra e vento.

Os pedidos feitos pelas divas são variados, como colher uma quantidade de certa fruta, consertar um número de escadas ou derrotar um acervo de FEARs. Como recompensas, além de ganharmos algumas receitas de refeições e projetos de construções, elas também nos auxiliam em atividades de plantio.

Para exemplificar, com a ajuda da fada do fogo, podemos arar diversos espaços da terra de uma só vez, enquanto com a da água conseguimos irrigar mais de uma plantação ao mesmo tempo. Deste modo, as pequenas deusas fazem com que o trabalho no campo se torne menos árduo e muito mais divertido, além de permitir que ampliemos nossa fazenda mais rapidamente.

Resumindo, progredir na história libera mais fadas no Great Faerie Orders que, por sua vez, fornecem mais utilidades e habilidades para usar na cultivação, permitindo aumentar os lucros e, consequentemente, a possibilidade de melhorar nossos equipamentos e continuar expandindo nossa propriedade.



Com poucas ressalvas, HARVESTELLA é divertido, emocionante e viciante

É uma pena que um título com enredo tão bem elaborado não possua dublagem durante os diálogos, ainda que fossem durante os momentos principais da história. Somado a isso, a ausência de legendas em português podem fazer com que alguns jogadores não consigam aproveitar a boa narrativa.

Outro ponto negativo é que o campo de plantação é o mesmo espaço destinado às máquinas de produção. Seria interessante poder posicionar esses objetos em qualquer local da propriedade, como ao lado da casa. 

Somado a isso, apesar da moradia ser muito bonita, seria positivo a possibilidade de decorar o seu interior, como ocorre em Stardew Valley, por exemplo. Por fim, poderia haver mais tipos de animais para cuidar, pois considero que ter apenas três tipos é muito pouco para um simulador de vida no campo.



Em questões de desempenho, não tive nenhum problema e posso dizer que o jogo funciona perfeitamente no Switch. Além disso, o mapeamento de botões é preciso e, apesar de ter muitas ações, todas são facilmente executáveis, sendo possível se acostumar com os controles em pouquíssimo tempo.

Com as ressalvas apontadas, HARVESTELLA é mais um grande lançamento da Square Enix. O enredo caprichado, a trilha sonora linda e precisa, os personagens carismáticos e o combate simples, mas prazeroso, fazem do título uma das melhores experiências deste ano.

Prós:

  • Enredo muito bem construído — tanto da missão principal, quanto da histórias dos aliados e das missões secundárias — com mais de um final disponível;
  • Personagens extremamente carismáticos, inclusive os NPCs de missões alternativas;
  • Trilha sonora afiada com diversas faixas incríveis;
  • Dinamismo durante o combate com a possibilidade de alteração de classes sem precisar de carregamentos ou menus;
  • Diversas opções de plantações, ferramentas e habilidades que fazem os momentos na fazenda serem intensamente divertidos. 

Contras:

  • Poucos animais para criar;
  • Ausência de dublagem durante os diálogos, ainda que fossem apenas nos momentos principais;
  • Falta de legendas em português;
  • Impossibilidade de decorar o interior da casa;
  • Limitação do local para posicionar as máquinas de produção.
HARVESTELLA — PC/Switch — Nota 9.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: João Pedro Boaventura
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix

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