Análise: LEGO Bricktales (Switch) transporta a criatividade dos blocos de montar para os games

Jogo conta com puzzles que trabalham bastante a percepção espacial, embora apresente problemas que limitam sua capacidade.

em 30/10/2022
Imagem de divulgação de LEGO Bricktales que mostra cenários cúbicos de monumentos em um deserto, uma floresta e piratas em uma praia. Personagens LEGO interagem com diversos elementos desses cenários.

Os famosos blocos de montar LEGO são conhecidos por promoverem a experimentação e a criatividade, especialmente para crianças que buscam construir quase tudo o que a imaginação lhes permitir. Honestamente, eu não me encaixava muito nesse perfil durante a minha infância.


Claro, eu brinquei inúmeras vezes com o brinquedo, mas preferia bonecos de ação de personagens já existentes. Montar com as pecinhas nunca foi o meu forte. Lembro-me até hoje de não ter conseguido fazer uma simples vara de pescar seguindo instruções na escola e como isso me fez perceber que engenharia civil não era o caminho para mim.

Muitos anos depois, tendo escolhido a rota do jornalismo e dos games para minha vida, deparo-me com LEGO Bricktales para o Nintendo Switch. Desenvolvido pela ClockStone Software – criadora da série Bridge Constructor – e publicado pela Thunderful Games, o jogo baseia-se na construção de objetos com LEGO para a resolução de quebra-cabeças.

Essa premissa tinha tudo para ser uma pedra no meu sapato. No entanto, mesmo com problemas de design e de performance pré-lançamento, o título traz uma experiência agradável, transportando as brincadeiras de LEGO para o ambiente virtual.

Um mundo de LEGO

Acredito que praticamente todos já devem ter se sentido deslumbrados ao ver de perto uma maquete de LEGO bem feita, cheia de pequenos detalhes que traduzem elementos do mundo real para o universo dos blocos de montar. É essa sensação que LEGO Bricktales traz para sua apresentação visual.

O game se passa em cinco ambientes diferentes, cada um representado por uma série de dioramas produzidos completamente com peças do brinquedo. Imagine cenários em forma de cubos, como os de Captain Toad: Treasure Tracker (Switch/3DS/Wii U), nos quais água, fogo, animais, vegetação, comida, prédios, barcos, robôs, NPCs e o que quer que esteja pela frente seja montado com blocos que podemos encontrar em qualquer loja infantil.

Dessa forma, apesar de digitais, esses mapas apresentam coesão física. Salvo alguns elementos mais fantasiosos, os espaços são construídos como se pudessem ser reproduzidos com kits de LEGO reais. Essa decisão traz uma criatividade única ao título, afastando-o dos maiores lançamentos da marca na indústria dos games. Ao invés de inserir os bonecos de montar em universos cinematográficos, a graça aqui é ver como coisas do cotidiano podem ser adaptadas ao mundo LEGO.
Imagem de LEGO Bricktales em que o personagem principal está dentro de uma caverna, jogando água a partir de uma mochila em suas costas. Tudo é feito de LEGO no cenário. A água são peças redondas, transparentes e azuis.
Nesse mundo, a água é representada por pequenos blocos redondos e transparentes.


Assim, os desenvolvedores criaram uma direção artística pela qual é difícil não se atrair. Muitas vezes, era como se estivesse observando uma animação feita com peças de verdade através da tela da TV e não foi só o estilo gráfico que proporcionou isso.

Curiosamente, problemas de performance que o título apresentou pré-lançamento faziam com que o movimento do personagem principal pelos mapas isométricos sofresse com quedas de quadros por segundo. Embora resultasse em uma jogabilidade menos fluida, essa questão trouxe um ar de stopmotion às animações, realçando ainda mais essa característica verossímil do jogo.

Não defendo aqui que o game devesse permanecer com frame rate instável. Houve momentos em que os tombos no fps prejudicaram muito, como explicarei à frente. Dias após o lançamento, a Clockstone Software disponibilizou uma atualização que aprimorou a performance do título, em nada reduzindo sua qualidade visual.

O único ponto negativo na apresentação é que não há uma maneira eficaz de ver os mapas. Diferentemente de Captain Toad, não é possível controlar a câmera durante a exploração dos níveis. O próprio game escolhe pontos de visão fixos, que nem sempre são os melhores. A única forma de analisar cada canto dos espaços é pausando e entrando em um modo de observação do diorama, em um sistema pouco intuitivo. A frustração bateu nas diversas vezes em que instintivamente movi o analógico direito para mexer a câmera e nada aconteceu.
Imagem de LEGO Bricktales que mostra o diorama do parque de diversos principal em uma visão geral.
O modo de observação no menu de pausa apresenta um geral do diorama. É possível rotacionar o mapa, aproximar-se e mover a câmera lateralmente.


Robôs, parques de diversão e felicidade

Enquanto isso, algo não tão coeso em LEGO Bricktales é a narrativa que amarra os diferentes cenários e quebra-cabeças.

Após receber uma carta de seu avô inventor, o protagonista – totalmente customizável pelos jogadores – visita-o em seu laboratório para conhecer sua nova criação: um portal de teletransporte para diferentes lugares e tempos. Em meio aos seus aparelhos, surge Rusty, um antigo robô interdimensional desenvolvido pelo vovô.

Os três, então, percebem que o parque de diversões administrado pelo progenitor está caindo aos pedaços. Se a prefeitura souber disso, é interdição na certa. Nessa hora, Rusty lembra que conseguiria restaurar os brinquedos caso tivesse cristais da felicidade, itens que condensam a alegria de uma pessoa.

Assim, o robô e o protagonista decidem usar o portal e viajar para florestas, desertos, vilas medievais, cidades modernas e praias caribenhas, ajudando os locais, deixando-os contentes e coletando cristais para trazer vida de volta ao parque.

Sintetizado dessa forma, fica claro que o enredo atira para todos os lados. Uma hora, estamos falando de portais e robôs. No outro, estamos discutindo a manutenção sustentável de um empreendimento. Algo não se encaixa bem aqui. É o clássico caso do título que deixa sua história de lado em prol da gameplay.

Mesmo assim, há um certo charme na maneira como as ações se desenrolam. Como já é tradição nos jogos LEGO, o roteiro é cheio de piadas – nada hilário, mas repleto de momentos capazes de arrancar algumas risadinhas dos jogadores.

Além disso, o jogo está totalmente localizado em português brasileiro, o que auxilia não só na compreensão das ironias, como também nas instruções de alguns puzzles. Embora grande parte do texto traduzido seja de alta qualidade, é possível notar alguns erros de português e de digitação que acabaram passando pela revisão.

Imagem de LEGO Bricktales em que o protagonista fala com um cavaleiro no mundo medieval. O cavaleiro diz "Não sei o que dizer... O roteirista não pensou em nenhuma piada boa, e nem eu, então é isso aí. Dando de ombros."


Observando a narrativa puramente pelo espectro de um game para crianças, o título também evoca um clima de desenho em que cada capítulo se passa em algum lugar do mundo, como Carmen Sandiego e DuckTales: Os Caçadores de Aventuras – claro, com menos aventuras e mais quebra-cabeças.

Imaginando e construindo

Falando sobre os puzzles, é justamente por meio deles que LEGO Bricktales apresenta suas maiores qualidades e seus piores defeitos.

O grande destaque do título é seu sistema de solução de quebra-cabeças. Pela primeira vez na história recente dos games da fabricante de brinquedos, jogadores são convidados a fazer literalmente o que fazem com blocos LEGO de verdade: montá-los.

Durante a exploração linear dos mapas, o protagonista se depara com situações que bloqueiam seu progresso. Pode ser uma ponte incompleta, um helicóptero quebrado após uma queda, um gerador elétrico que precisa de reparo, entre muitas outras circunstâncias. Em cada um desses problemas, um conjunto pré-determinado de peças virtuais é apresentado e a resolução fica a cargo da imaginação de quem tem o controle em mãos.

Está aqui a premissa mais instigante da gameplay. Os desafios são muito diversos e trabalham bastante com a percepção espacial dos jogadores. Assim como com o brinquedo físico, é preciso compreender onde os blocos estão posicionados e quais são as conexões entre eles para manter firmes as estruturas construídas.
Imagem de quebra-cabeça de LEGO Bricktales em que o jogador deve reconstruir um monumento egípcio usando peças prontas.
O título desafia jogadores não só a construir estruturas do zero, como também a replicar objetos já existentes e a consertar itens.


Administração de recursos também é necessária para se dar bem nos puzzles. Além de fornecer um limitado número de peças – algumas bem desafiadoras de se usar –, o game determina regras para as construções. Por exemplo, deve-se cobrir certas superfícies com blocos; o objeto montado não pode passar de um limite de espaço; ou a criação não pode desmoronar.

A soma desses dois fatores cria uma experiência satisfatória, em que a criatividade não só é estimulada, mas desafiada. Criar algo único dentro de restrições fixas pode ser estressante, até porque alguns dos quebra-cabeças não são tão simples quanto parecem à primeira vista. Porém, o sentimento de satisfação após superar os obstáculos é grande, principalmente quando as estruturas construídas são inseridas nos mapas, permitindo que interajamos com elas.

No entanto, esse sistema não alcança seu verdadeiro potencial devido a controles problemáticos. Como estamos lidando com quebra-cabeças tridimensionais, o comando da câmera é fundamental para que a jogabilidade seja fluida. Infelizmente, mudar o ponto de visão é bastante incômodo.

Para rotacionar o puzzle, utiliza-se o analógico direito. Para movê-lo lateralmente, é preciso apertar o botão L junto com a inclinação do stick. Em meio à solução do nível, é fácil confundir-se e mexer a câmera erroneamente, resultando em confusão. Tal questão é levemente solucionada quando o Switch está em modo portátil, pois é possível controlar o quebra-cabeça com a tela de toque. No entanto, a gameplay também sofre com a disposição das peças na hora da construção.

Ao invés de implementar um menu de inventário com cada bloco disponível, a equipe da Clockstone Software colocou as peças de cada desafio ao lado do tabuleiro de montagem. Para usá-las, deve-se selecioná-las e arrastá-las até o lugar selecionado. Isso replica a ação física de escolher LEGOs,  mas uma peça pode se sobrepor a outra dependendo da visão da câmera, causando seleções imprecisas que atravancam a jogabilidade.
Imagem de quebra-cabeça de LEGO Bricktales em que o jogador deve construir um carro.
Os quebra-cabeças também carecem de opções básicas, como um modo para apagar toda a construção, seleção de peças em lotes e dicas.


Problemas de performance

No entanto, o mais frustrante de meu tempo com LEGO Bricktales antes de seu lançamento foi a interferência da performance instável do game na resolução dos puzzles.

Como dito acima, o título sofria com quedas intermitentes na taxa de quadros por segundo e isso era sentido nos quebra-cabeças. Principalmente nos níveis que contavam com peças grandes e complexas, a ação travava constantemente durante a seleção desses itens. Com esperas de cinco a seis segundos para, enfim, movê-los, a jogatina ficava pesada e maçante.

Essa lentidão também se fazia presente em certas transições entre dioramas. Novamente, quando os modelos do mapa eram muito massivos, o tempo para carregá-los era excessivamente grande, chegando a passar a impressão de que o software havia simplesmente parado de funcionar. Momentos como esses foram muito pontuais, mas deixaram um gosto amargo.

Além disso, a aventura apresentou certa falta de polimento geral. Alguns puzzles baseados fortemente em física – como aqueles em que a estrutura montada não podia quebrar – apresentaram resultados variados a cada tentativa de solução, mesmo utilizando a mesma construção, sem tirar blocos nem pôr. Isso provocou uma suspeição na confiabilidade da resolução desses quebra-cabeças.
Imagem de quebra-cabeça de LEGO Bricktales em que o jogador deve construir uma escada de incêndio.
O puzzle de construir uma escada de incêndio foi minha tormenta, apresentando todos os problemas do jogo de uma só vez.


Além do mais, me deparei com bugs em que construções foram aprovadas pelas regras dos desafios, mas, ao serem colocadas no mapa, impediam o avanço na história. O personagem principal ou não conseguia passar pelo caminho montado ou ele ficava impossibilitado de conversar com NPCs que ativavam as próximas missões.

Porém, nos dias após o lançamento do jogo, a desenvolvedora disponibilizou atualizações que, em uma checagem superficial, corrigiu alguns desses problemas. Realizar uma investigação a fundo desses patches é inviável para a publicação desta análise, portanto deixo tanto os pontos negativos acima quanto a liberação dos updates nos "Prós" e "Contras" desse texto.

Opções extras rasas

Para tentar incrementar sua gameplay, LEGO Bricktales também implementa recursos de rejogabilidade que, embora eficazes, não se aprofundam o suficiente para se destacarem.

Em cada mundo, há uma série de animais e baús com itens que funcionam como dinheiro in-game para colecionar. O propósito final de coletá-los todos é poder comprar novas roupas para o protagonista e peças para um modo de construção livre, sobre o qual comentarei mais à frente. Muitos desses colecionáveis só podem ser alcançados por meio de habilidades que Rusty adquire durante a aventura, como um skate voador ou o teletransporte do personagem principal para áreas antes inacessíveis dos cenários.

A busca por esses objetos opcionais inicialmente é instigante. Como os poderes do robô são liberados aos poucos, mas elementos que remetem a eles estão presentes nos dioramas desde o começo do game, há uma boa sensação de expectativa pelo que virá pela frente. No entanto, quem se dedicar a completar 100% do título se desanimará, pois não há qualquer recompensa significativa.
Imagem de LEGO Bricktales em que o protagonista usa uma habilidade do robô Rusty que possibilita encontrar objetos invisíveis usando um campo de força verde. Dentro desse campo de força, o protagonista aparece como um boneco LEGO de esqueleto.
Revele objetos escondidos usando uma das habilidades de Rusty.


Já a opção de construção livre – chamada de Modo Sandbox – é desbloqueada por puzzle e permite que os jogadores incrementem suas criações com um número ilimitado de peças de diferentes formas e temas. Esse seria um prato cheio para desafios extras, mas, tirando poucos momentos em que esse modo é obrigatório para recolher colecionáveis nos dioramas, o jogo não o utiliza além do aspecto cosmético. Acaba sendo um recurso com potencial desperdiçado.

Em um breve adendo, vale ressaltar também que o título possui poucas opções de acessibilidade. As únicas configurações presentes são customizações do volume de músicas e efeitos, e do controle da câmera em quebra-cabeças. Remapeamento dos botões ou alterações visuais, especialmente para pessoas com daltonismo, passam longe do game, infelizmente.

Peça por peça

Algo louvável e até mesmo irônico de LEGO Bricktales é que o jogo se diferencia ao trazer para os games algo que é tão intrínseco aos blocos de montar, que é o ato de construir. Olhando em retrospecto, é até difícil compreender como isso não tinha sido feito antes.

Com seus puzzles, o título reproduz o processo de raciocínio, lógica e criatividade exigido na brincadeira com as peças reais. Somado aos cenários criativos e ao roteiro raso, mas divertido, esse fator faz com que as 10 horas do jogo sejam, em sua maioria, bem agradáveis.

Um aprimoramento geral de certas mecânicas, como controle de câmera, tornaria a usabilidade muito melhor. Felizmente, a ClockStone Software liberou atualizações que corrigiram alguns problemas de performance e bugs, mas mais aperfeiçoamentos seriam bem-vindos.

Ouso dizer que meu tempo com o jogo me fez um melhor construtor de LEGOs no fim das contas. Talvez seja a hora de tentar construir aquela vara de pescar de novo.

Prós

  • Cenários de LEGO bem desenvolvidos e que passam a sensação de serem reais;
  • Momentos simpáticos no roteiro, com humor leve e localização para português;
  • Quebra-cabeças variados e que estimulam a criatividade, a percepção espacial e a administração de recursos;
  • Desenvolvedora lançou atualizações que corrigiram grande parte dos problemas mais críticos de gameplay.

Contras

  • Falta de opções práticas de controle da câmera nos mapas;
  • A premissa do enredo do jogo atira para todos os lados;
  • Puzzles prejudicados por controle de câmera e posicionamento de peças incômodo;
  • Desafios sofriam com performance instável pré-lançamento, provocando travamentos;
  • Falta de polimento geral pré-lançamento, com grandes esperas pelo carregamento de assets, falta de confiabilidade na solução de alguns quebra-cabeças e bugs.
  • Recursos de rejogabilidade que não se aprofundam;
  • Falta de mais opções de acessibilidade.
LEGO Bricktales – Switch/PC/PS4/PS5/XBO/XBX – Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Thunderful Games
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Jornalista, analista de mídias, PcD e entusiasta de games desde que jogou Pokémon Azul no Game Boy Color nos anos 90. De lá para cá, tenta aproveitar ao máximo todos os consoles no pouco tempo que a vida adulta permite. Se não está escrevendo para o Blast ou demorando anos para zerar um jogo, está no Twitter (@DanielMorbi) e no Instagram (@danielmorbi_)
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