Jogando com crianças – parte 1: primeiros passos com Yoshi e Kirby

Dia das crianças e Nintendo têm tudo a ver.

em 12/10/2022

Esta é uma série de textos chamada Jogando com Crianças. É claro que podemos jogar juntos com diversas pessoas e de muitos modos, mas aqui focarei na experiência com meus filhos, Heitor, de 7 anos, e Dante, de 3 anos. O objetivo é prover reflexões e parâmetros para aqueles que querem jogar com crianças – quaisquer crianças: filhos, sobrinhos, irmãos, amigos, etc. – e não sabem como, quando e quais jogos.

Toda criança é diferente e não há uma fórmula única. Portanto, tudo aqui vem da construção de minha visão pessoal, combinado?
"Primeiro, desenhe um círculo. Depois, faça pontos para os olhos. Adicione um sorrisão e, presto, é Kirby!" 
Para comemorar o dia das crianças, o texto de hoje foi escrito em dobradinha com outro publicado no GameBlast. Os dois se complementam em contextos diferentes, confira lá. Como um prelúdio ao tema, eu já havia publicado aqui uma crônica chamada Dia dos Pais com Goof Troop (SNES) e Mickey To Donald: Magical Quest 3 (SNES).

O catálogo da Nintendo tem opções bastante acessíveis que funcionam muito bem para o propósito de iniciar nossos pequenos na diversão do videogame e a exploração de seus recursos e linguagens. Este primeiro texto centrará em Yoshi e Kirby para começar, deixando outros astros do elenco da Big N para a próxima parte.

Pontos de vista

Pode ser melhor começar por jogos em 2D, porque isso concentra o aprendizado do movimento virtual. Boa parte dos jogos em 3D requerem usar um segundo analógico e tornam a etapa mais complexa. Não basta mover o personagem corretamente, mas também guiar a câmera que o observa. São tarefas distintas para cada mão, mas em simultâneo.

Essa lógica espacial própria é refinada com a experiência adquirida em entender que o olho que observa e o corpo que anda na tela estão em eixos separados, mas ainda em uma harmonia recíproca que torna a presença do jogador no mundo mais consciente e orgânica.
Yoshi's Crafted World (Switch)
Por isso, ao manobrar por um mundo 3D como o de Super Mario Odyssey (Switch), por exemplo, pode ser comum que primeiro a criança apenas movimente o personagem e ignore a câmera, gerando ângulos de visão que a atrapalham. Depois, ao tomar ciência do funcionamento da câmera, passe a fazer as duas ações em passos alternados: anda, para, gira a câmera até acertar o ângulo que quer e só então anda novamente.

O mundo artesanal de Yoshi

Entre os jogos 2D, tenho atenção especial a Yoshi’s Crafted World (Switch). Foi o primeiro título que Heitor jogou sabendo o que estava fazendo. Já tentado outras opções antes, mas essa foi a primeira vez em que senti que estávamos de fato atuando em gameplay cooperativo. Sem dúvidas é um título cuja primeira impressão deriva do estilo visual infantil, mas não devemos subestimá-lo por isso. Aliás, a maneira como o rótulo infantil é muitas vezes desprezado será abordada em texto futuro desta série.



Yoshi’s Crafted World é uma obra requintada em vários aspectos, a começar pela direção de arte. Praticamente tudo naquele mundo, como indica o título, representa maquetes artesanais. É uma festa para os olhos e a imaginação, porque boa parte do que vemos poderia ser recriada em casa, com os meios adequados.

Há recortes de papel, estruturas de papelão, plásticos, metais, caixas, garrafas, latas, utensílios, arames, barbantes, folhas, galhos e muito mais. Por toda a campanha, nunca deixei de me impressionar com o esmero evidente que foi dedicado ao projeto e com o quão atraente ficou o resultado final.


Os cenários têm vários planos que se movem em velocidades individuais à medida que nos deslocamos (parallax scrolling), criando uma sensação de profundidade espacial que, ao mesmo tempo que é visualmente rica, também beneficia a exploração ao esconder vários itens nesses planos posteriores.

Ainda há o Flip Side, que inverte o ponto de vista para a parte de trás das maquetes, funcionando como um modo espelho para adicionar fator replay às fases. Mais que isso, a mudança revela a atenção aos detalhes que vai além das expectativas: vemos as fitas adesivas que firmam os objetos montados, as áreas de papelão que não foram cobertas por enfeites, os códigos de barras dos produtos usados para fazer as maquetes, os textos dos rótulos, os cordões que penduram as nuvens, entre outras minúcias.
Frente e verso
Desde sua primeira aparição, um dos pontos mais importantes de Yoshi é sua capacidade de engolir coisas puxando-as com a língua. Em Yoshi’s Crafted World, podemos chamar a língua do dinossauro de “fogo amigo” de tanto que um jogador acaba engolindo o outro sem querer (ou querendo, para provocar). Então, cuidado para não entrar em brigas sempre que a criança te engolir em um momento crucial e afanar toda a sua munição de ovos!

A questão da dificuldade

A gameplay é divertida e inventiva, buscando variar as mecânicas para manter as ideias interessantes sem precisar complicar demais o design de níveis. Os jogos de Yoshi são conhecidos por terem baixa dificuldade, mas acho que julgar Yoshi's Crafted World com base nisso seria redutivo. Penso que, no fim das contas, esta é uma daquelas obras que conseguem unir satisfatoriamente os dois lados da moeda da dificuldade, o que é mais um ponto importante ao jogar com crianças.



Por um lado, o jogo é leniente e as fases são fáceis ao ponto de crianças pequenas poderem terminá-las e se divertirem, principalmente quando acompanhadas por um adulto. Pelo outro lado, o próprio adulto perceberá que completar 100% desses mesmos estágios fáceis é desafiador e demanda sagacidade. Ainda há fases secretas que elevam o nível e até uma boss rush que, admito, deu-me trabalho e não a concluí.

Há o Mellow Mode, que pode ser ativado no menu e deixa tudo ainda mais fácil, mas dissuadi Heitor de recorrer a isso. Esse modo adiciona um par de asinhas a Yoshi e o permite voar indefinidamente, o que muitas vezes incentiva a simplesmente atravessar fases inteiras acima do solo, dos obstáculos e dos inimigos, tirando o sentido do design de níveis. Mais uma vez, as decisões cabem a cada um.

Yoshi’s Crafted World é um dos meus jogos favoritos no Switch e ainda pretendo voltar a ele do começo ao fim na companhia de Dante.

"Presto, é Kirby!"

Um amigo certa vez disse: “quando eu tiver um filho, ele vai começar de baixo, nos 8-bits”. Eu até tentei essa abordagem pensando que poderia ser melhor ter apenas dois botões para aprender, mas não deu muito certo. Na época do NES, era comum repetirmos as fases iniciais dos poucos cartuchos à disposição, perdendo as poucas vidas concedidas, até, pela força do treino, conseguir avançar acima das dificuldades.
Kirby's Adventure (NES)
No entanto, não estamos mais nesses tempos. O game design alargou as possibilidades e hoje temos muito mais acesso e opções de diferentes franquias e gêneros. Some a isso toda a bagagem retrô e vemos como o leque da criança gamer atual é enorme.

Heitor teve contato com um único jogo daquela geração: Kirby’s Adventure (NES). Lançado no final da vida do console, ele se destaca na biblioteca pelo visual e comandos bem executados. Pode até ser uma boa porta de entrada.
Kirby Super Star (SNES)
Aliás, a bolota rosa é um dos carros-chefes para as crianças pequenas. Além de protagonizar títulos que não almejam oferecer dificuldade e empecilhos, Kirby é fofo, carismático e versátil, transformando-se ao devorar os poderes alheios para trazer boas variações de gameplay. Heitor e eu jogamos Kirby Super Star (SNES) e ele avançou sozinho em Kirby’s Dream Land 3 (SNES), além de experimentar um pedaço de Kirby 64: The Crystal Shards (N64).

Todos esses quatro títulos de Kirby fazem parte do catálogo do Nintendo Switch Online. Eu gostaria de tentar Kirby’s Epic Yarn (Wii), mas o port para Switch da vez será de Kirby’s Return to Dream Land (Wii), que desejo experimentar com os meninos.
Kirby Star Allies (Switch)
Confesso que Kirby Star Allies (Switch) não me agradou e desisti dele. Joga-se com quatro personagens e, sempre que alguém faz a tela avançar, quem ficou para trás é automaticamente arrastado na forma de um cometa até o lado do jogador que está na frente do grupo. Essa mecânica existe em vários jogos, mas achei que o campo de visão limitado torna o espaço em tela menor.

A consequência é que o recurso de arrastar os retardatários acontece com grande frequência quando jogamos com pessoas em diferentes níveis de habilidade – e paciência –, como é o nosso caso. Achei irritante, principalmente quando a progressão é vertical.
Kirby and the Forgotten Land (Switch)

Não se esqueça da terra esquecida

Posso dizer que o que mais me agradou para jogar com crianças foi o recente Kirby and the Fogotten Land (Switch). Tem opção para dois jogadores, os cenários são bonitos, vibrantes e com bons segredos para procurar. A mecânica de arrastar quem ficou para trás está presente, mas é menos intrusiva, porque o espaço 3D dos cenários permite coordenar melhor o ritmo da dupla, já que o level design apresenta profundidade.

Opa, mas eu disse acima que pode ser melhor começar com jogos 2D, não disse? Bem, o caso desse jogo é uma boa transição, porque, apesar de o mundo estar em três dimensões, a câmera segue seu próprio caminho, mostrando perspectivas pré-estabelecidas que não precisa de ajustes, embora ainda seja possível mexer no ângulo um pouquinho. Então, ao mesmo tempo em que Kirby and the Forgotten Land permite acostumar-se ao tipo de espaço, não acontece a luta para tentar mover o personagem com o analógico esquerdo e simultaneamente a câmera com o analógico direito.



Nesse ponto, acho que o título de Kirby se sai melhor que outro título do encanador bigodudo, Super Mario 3D World (Wii U/Switch), que também tem câmera fixa, mas acho que os ângulos muitas vezes prejudicam a precisão da noção espacial e induzem ao erro.

Heitor jogou-o inteiro, mas foi Dante quem se apaixonou pelo game, jogando as fases do primeiro mundo repetidamente. Às vezes, ele só quer ir ao cinema em Waddle Dee Town, a cidade do início, e assistir às cenas da história que estão disponíveis porque o irmão as desbloqueou. Ou entrar na loja de chapéus e testar todos os poderes para escolher qual usar. Ou lutar no coliseu.


Esse tipo de olhar lúdico para escolher suas atividades em um jogo sem se prender aos objetivos diretos é algo que considero como o potencial da criança em brincar como se estivesse numa caixa de areia, tornar em sandbox mesmo os jogos que não projetam esse tipo de design. Você pode ler sobre isso e mais no artigo que publiquei no GameBlast e citei lá no começo.

No próximo capítulo...

Hoje, encerramos por aqui, mas este foi só o começo. Na próxima semana, focaremos no passo seguinte, saindo do campo da experimentação de fragmentos de jogos em direção às vivências de cooperação que atravessam campanhas inteiras.

Jogando com crianças

Nintendo Blast

GameBlast

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli

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Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies. Veja minhas análises no OpenCritic.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Você pode compartilhar este conteúdo creditando o autor e veículo original (BY-SA 3.0).