Hotel Dusk: Room 215 (DS): voltando a certo quarto com poder de realizar desejos 15 anos depois

O jogo tem relevância histórica sendo um dos primeiros títulos a usar o DS na vertical, além de possuir uma trama intrigante e envolvente.

em 24/10/2022

O ano é 2007, época em que a inovação e criatividade marcavam o mercado. Títulos como Phoenix Wright, Trauma Center, Cooking Mama e Etrian Odyssey, que traziam propostas inusitadas e usos diferentes do portátil Nintendo DS, eram bastante comuns.

Hotel Dusk: Room 215 é um desses jogos e trouxe consigo novas possibilidades. Inovando pela forma em que foi apresentado, o jogador segurava o DS como um livro, tendo a tela do lado esquerdo como visão em primeira pessoa do protagonista, enquanto a da direita mostra o mapa do quarto em que o personagem se encontra e também serve como o modo de se movimentar no jogo, arrastando o indicador de localização com a stylus.

Pessoas e mistérios rodeiam o hotel

A história gira em torno de Kyle Hyde, um ex-policial que decidiu largar seu cargo após atirar em seu antigo parceiro de trabalho, Bradley. Ele foi declarado como morto, porém Kyle ainda acredita que ele está vivo. Após uma ligação do suposto falecido, Hyde decide investigar o hotel mencionado na conversa em busca de descobrir a verdade por trás de toda situação e o motivo da traição de seu antigo colega.
 
Tal lugar é Hotel Dusk, conhecido por realizar desejos para aquele que se hospedar no quarto 215. Ao longo da estada, percebemos que os outros residentes têm muito mais a ver com Kyle do que aparentam... E cada um guarda uma série de segredos que devem ser investigados e questionados.
 

Como um romance

Durante os diálogos, os sprites dos personagens se dispõem um em cada tela, como se realmente estivéssemos assistindo à conversa entre duas pessoas. O estilo de arte, com personagens a maior parte do tempo representados em preto e branco, linhas de sombreamento e traços bem definidos, remetem mais ainda à ideia de que estamos vendo o desenrolar de um livro em movimento. 
 
Todas essas escolhas se tornam bem harmônicas, porque, apesar de Hotel Dusk ser do gênero adventure, o que realmente brilha na obra é sua narrativa. O design do jogo constrói habilmente a imersão em um livro estilo detetive Noir. Me lembro claramente de andar pelos corredores do Hotel procurando e interrogando seus residentes, ao som de sua bela trilha sonora inspirada em jazz e blues —, que, por sinal, é incrível, como as do vídeo abaixo e deixo aqui algumas músicas do jogo.
 

 
Temos o “detetive” impaciente de humor seco, a empregada fofoqueira, o dono do hotel grosso e emburrado, o colega malandro, a bela garota misteriosa, o jovem valentão e muitos outros. Isso pode parecer um ponto negativo a princípio, porém, cada um desses personagens é construído de maneira excepcional. Todos eles têm seus motivos e razões do porquê estarem ali e da razão de terem estes traços. Há um senso de profundidade em suas vidas, não existindo somente durante o percorrer do jogo, mas se tornando pessoas reais com passado, futuro, arrependimentos, erros e desejos.
 
Isso me faz pensar na questão de estereótipos, ou como prefiro chamar, “arquétipos de personagens”. Seriam personagens definidos por tropes inteiramente ruins? Em minha opinião, não necessariamente. Podemos ter personagens complexos e divertidos usando como base certos estereótipos conhecidos.
 
Assim como construímos um quadro a partir de um esboço, não há nada de errado em construir camadas de uma personalidade por meio de uma base bem definida. Não sinto que devemos condenar, e sim desfrutar desta abordagem, dando motivos para tais pessoas agirem daquela forma e características além das esperadas.
 
Ter pessoas bem diferentes entre si interagindo é muito interessante, mesmo que no início aparentem ser um pouco caricatas devido a isso. Claro que todos os elementos devem ser construídos com cuidado, para não caírem em um terreno de personalidades sem graça e unidimensionais. Felizmente, este não é o caso de Hotel Dusk, no qual os personagens, apesar de serem, de certa forma, “estereotipados”, são muito bem trabalhados, expandidos e desenvolvidos, adicionando à história situações de humor e tensão impactantes.
 
Ao final do jogo, entendemos que a história de Kyle Hyde ainda não terminou, porém tem uma boa conclusão neste primeiro cenário. Durante a campanha, ajudamos diversos moradores com seus problemas e conflitos pessoais e interpessoais, mas ironicamente por consequência, essas mesmas pessoas acabam por ajudar o protagonista, que se tornou uma pessoa atormentada pelo passado e ranzinza devido à morte de seu antigo parceiro de investigação. Isso nos traz um tema bem bonito de recomeço e esperança, com indivíduos fragilizados ganhando forças apoiando-se um no outro. Não falarei mais a respeito, pois realmente recomendo que os leitores experimentem a história em primeira mão.

Nem tudo é perfeito, mas não deixa de ser excepcional


Ressaltamos muito os pontos positivos de Hotel Dusk, porém existem alguns pormenores. Os puzzles do jogo são relativamente simples e, pensando hoje, nenhum ficou marcado em minha memória. Isso não é de todo mal, já que não quebra o fluxo da investigação, porém aqueles que estiverem procurando por bons desafios se decepcionarão um pouco, pois eles, em sua maioria, não passam de uma visualização interativa do que o protagonista está fazendo na narrativa.
 
Outro aspecto controverso é que itens podem ser facilmente perdidos caso você seja pego com algo que não deveria ter, ou até mesmo ao mostrar um objeto para um morador que tenha interesse em pegá-lo de você. Jogadores mais descuidados podem ter que carregar um save antigo devido a essas situações.
 
Além disso, Hotel Dusk possui um sistema em que, caso você seja flagrado andando em um quarto restrito a funcionários, será expulso do hotel em uma espécie de game over. Pessoas que já completaram o jogo talvez se lembrem de serem expulsas algumas vezes pelo proprietário do Hotel, o personagem Dunning.
 
Em minha opinião, o “risco” de ser expulso do hotel por estar em um local que não deveria ou de ter um item confiscado torna as coisas mais emocionantes e realistas. Entretanto, compreendo que isso possa frustrar alguns jogadores que gostariam apenas de ver as reações dos personagens sem nenhuma consequência. Ainda defendo que essa mecânica não é uma imperfeição, e sim mais uma camada de profundidade à investigação, algo que traz um pouco mais de interatividade do que uma história linear.
 
 
O jogo obviamente possui gráficos defasados, em um sistema que processava imagens em um nível similar ao Nintendo 64. Para uma adoradora de jogos retrô como eu, ele possui seu charme low-poly, não se destacando aos olhos de forma agonizante como outros títulos, mas, com certeza, os modelos 3D não eram o aspecto mais deslumbrante da obra. 
 
   Gráficos de ponta nunca foram o foco da proposta de Hotel Dusk, preferindo encantar seus jogadores com outras técnicas de ambientação, como suas belas animações de perfil 2D dos personagens. A maior parte do que é apresentado em modelos 3D se resume a cenários de quartos e de alguns objetos, muitos que naturalmente têm uma forma mais angular na vida real, logo, não se tornam tão distorcidos.
 
Portanto, acredito que a baixa quantidade de polígonos não incomodará tanto o jogador quanto em outras obras retrô que utilizam de modelos 3D com maior relevância para a experiência de jogo em personagens e outros objetos.

A história continua...

Hoje, 15 anos depois, Hotel Dusk: Room 215 ainda é uma experiência incrível de se vivenciar e o considero um dos grandes clássicos do Nintendo DS, demonstrando as múltiplas formas divertidas de se usar um sistema com duas telas e touch screen, tão revolucionárias na época.
 
 
Hotel Dusk foi uma obra marcante em minha adolescência e acredito que também para muitos outros que tiveram a chance de experimentá-lo. Seus personagens vívidos ainda estão guardados em minha memória, lembro-me com afeto de passagens de humor, desfechos, personagens e comentários do jogo.
 
Com certeza este foi um dos títulos que mais guardo com carinho do DS. Acredito que, mesmo com a passagem do tempo, ainda é um jogo bastante agradável de se conhecer e que envelheceu relativamente bem.
 

 
 
Trata-se de uma ótima introdução a jogos de investigação e um marco para a criatividade da época. Se você gosta de adentrar nos jogos do estilo adventure ou até mesmo visual novels, recomendo fortemente que dê uma chance para Hotel Dusk seja como uma introdução ao gênero ou apenas para ter uma ótima experiência.
 
Também gostaria de lembrar que, apesar de menos conhecido, existe uma sequência para o jogo, chamada The Last Window: The Secret of Cape West, lançada somente na Europa e Japão. Infelizmente Cing, a desenvolvedora dos jogos, declarou falência em 2011, antes de resolver todos os mistérios que rodeiam a saga.
 
Isso não significa que a história teve uma conclusão insatisfatória, muito pelo contrário: o segundo jogo da série consegue fechar muito bem seus personagens. Portanto, reforço aqui a ideia de que, se você gosta de uma boa narrativa detetive policial ambientada nos anos 70, seja você um novo jogador ou alguém que já experimentou Hotel Dusk, dê uma chance ou revisite a trama, aproveitando para também jogar sua continuação The Last Window.
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
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Fascinada pela cultura japonesa dos anos '80, '90 e '00. Ama livros, mangás, sua gata maluca, mahou shoujo e jogos. Em especial Dragon Quest, Fire Emblem, Famicom Detective Club, Okami, JRPGs, retrô, Bishoujo & Otome games. Sempre em busca de jogos estranhos ou com propostas inusitadas. Estuda japonês nas horas vagas para conhecer mais obras do tipo.
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