A volta do cavaleiro da pá
Antes de começar a análise de fato, devo mencionar que Shovel Knight (Multi), a aventura original do cavaleiro, tem um espaço reservado em meu coração. Desde a estreia da campanha do game no Kickstarter, me encantei pela proposta daquele título em 2D que prometia trazer o melhor do estilo plataforma retrô para os consoles atuais, com muito desafio e todo um universo repleto de carisma criado do zero.
Cercado de expectativa, recordo-me com felicidade de quando pude finalmente jogar o game em meu já falecido Wii U e perceber que a aventura fazia, sim, justiça ao hype criado, entregando uma obra-prima digna de ser jogada e rejogada múltiplas vezes. De quebra e como efeito colateral, a obra da Yacht Club Games ainda acabou me apresentando ao universo indie — ou "nindie", como era comum falar na época —, de onde vieram tantos dos meus jogos favoritos ao longo dos anos.
Justamente por isso, minha expectativa com Shovel Knight Dig era grande, afinal, cameos e puzzles à parte, esta é a primeira jornada de fato do cavaleiro da pá após um bom tempo de espera por novidades. A boa notícia é que, tendo o jogo em minhas mãos há alguns dias, já posso escrever com um sorriso no rosto que Shovel Knight Dig é um game divertido e que merece ser conferido tanto por fãs do personagem e de seu universo quanto por apreciadores de longa data do gênero, conservando a qualidade que usualmente é associada aos seus desenvolvedores.
Começando com a pá direita
Toda boa aventura precisa de um pontapé inicial e, no caso de Shovel Knight Dig, este passo ocorre quando o nosso querido Shovel Knight, descansando à beira de uma fogueira com seus tesouros, é surpreendido pelo misterioso Drill Knight, um cavaleiro equipado com furadeiras que rouba os pertences de nosso herói e foge para o subsolo, deixando uma misteriosa cratera como rastro.
Embora ainda atônito com a situação, Shovel Knight não hesita em pegar a sua fiel pá e pular no buraco em busca de suas posses e de justiça. É aí que começa de fato a nossa jornada, com o protagonista cavando cada vez mais fundo para tentar descobrir o que o larápio escavador pretende e onde de fato ele se escondeu.
Como o tempo logo se encarrega de mostrar, esta, porém, não é uma tarefa tão fácil assim. Sendo Dig um roguelike, os mapas são gerados de forma aleatória, o que garante que nenhuma experiência será exatamente igual à anterior e toda incursão ao submundo apresentará seus próprios desafios e segredos a serem explorados.
De acordo com as diretrizes do gênero, falhar também significa recomeçar (quase) do zero no ponto inicial da cratera. Digo “quase” porque, conforme se progride no subsolo, é possível comprar alguns upgrades definitivos, que pouco a pouco lhe tornarão mais forte e preparado para o que habita no final da jornada.
Para baixo todo santo ajuda
Na prática, a progressão em Shovel Knight Dig se dá de forma vertical descendente, com o personagem principal usando sua pá para abrir caminho e revelar as áreas abaixo de si por onde é possível avançar. Aliás, devo dizer que poucas vezes vi um casamento tão perfeito entre jogabilidade e personagem como aqui; é bem natural e satisfatório controlar o cavaleiro em sua constante escavação.
Digo constante, pois ficar parado aqui definitivamente não é uma opção: caso você demore muito tempo em uma área (por qualquer que seja o motivo), uma escavadeira capaz de lhe matar em um acerto irá surgir e rumar em sua direção até que ou você escape ou seja pego.
Essa interessante mecânica garante que Dig seja um jogo ágil e dinâmico que valoriza bastante o reflexo e a capacidade de adaptação a diferentes cenários por parte do jogador. Junte a isso a necessidade frequente de saltos e investidas e temos aqui um desafio justo com potencial de agradar a todos os fãs de plataforma 2D que se apaixonaram pela obra original e estejam dispostos a cavar com velocidade pelo mapa.
A cratera de Shovel Knight Dig é dividida em sete ambientes temáticos e, em uma jornada padrão até o final, o jogador passará por quatro destes, que estarão subdivididos em três áreas menores sucedidas de um confronto com um chefe. Como o inesperado logicamente faz parte de um bom roguelike, conforme se adentra as profundezas, uma série de segredos aleatórios podem ser encontrados.
Esses segredos vão de personagens não jogáveis às famosas relíquias, como o cajado de fogo e o berrante, que podem ajudar muito em situações adversas. Infelizmente, relíquias não são mantidas de uma aventura para outra, mas parte considerável do dinheiro que você acumula, sim — e com ele é possível comprar armaduras diferentes, mais itens para o arsenal do jogo ou até mesmo um atalho para áreas já visitadas anteriormente (uma mão na roda quando o objetivo é finalizar o jogo o mais rápido possível).
E, por falar em finalizar o jogo, aqui talvez esteja o grande problema de Shovel Knight Dig: a obra da Yacht Club Games junto com a Nitrome é relativamente curta quando comparada a outros titãs do gênero, como Hades (Multi) e Dead Cells (Multi). É possível chegar ao fim pela primeira vez em quatro horas, dependendo de sua habilidade com o gênero, então é preciso de certa forma dosar as expectativas caso você esteja esperando runs longas para o jogo.
É basicamente o único ponto negativo de uma obra que usa muito bem a dinâmica de risco e recompensa, tão importante em um roguelike. Dentro de cada subnível, existem três engrenagens colecionáveis e, caso você consiga pegar todas, poderá restaurar completamente a sua vida ou obter um item-surpresa para lhe auxiliar. Sem entrar no campo dos spoilers, esta é apenas uma de várias mecânicas similares que fazem com que esta seja uma aventura onde o esforço e as várias tentativas são recompensadas.
Sorte é necessário, claro, e o imprevisível sempre carrega armadilhas, mas Dig é uma obra justa, competente e divertida que valoriza o empenho do jogador e mostra que o cavaleiro da pá pode, sim, protagonizar aventuras em diversos gêneros conservando a qualidade que marcou seus trabalhos até aqui.
Arte em pixel
Falando dos aspectos técnicos do game, há boas e más notícias. Começando pelas boas, Shovel Knight Dig apresenta a série aos 16-bit, e o resultado não poderia ser melhor, com designs e animações expressivas e coloridas que reforçam a riqueza do universo do personagem e aumentam a expectativa pelo eventual Shovel Knight 2.
É realmente um espetáculo visual que praticamente não é prejudicado no Switch, exceto por algo crucial: a taxa de quadros por segundo. Infelizmente, não é incomum ocorrer travamentos e engasgos no console quando há muitos elementos visuais na tela ao mesmo tempo. Para piorar, por mais de uma vez em minhas gameplays (geralmente nas batalhas contra chefes) acabei morrendo devido a esses slowdowns, já que não conseguia reagir ao que estava acontecendo com o timing correto.
É uma pena, pois, além de o Switch ser plenamente capaz de rodar com fluidez jogos mais “pesados” graficamente, creio o console da Nintendo é a plataforma ideal para esta aventura por sua flexibilidade.
Com sua imprevisibilidade e velocidade, Shovel Knight Dig é o game perfeito para pequenas sessões ao longo do dia, e o caráter híbrido do Switch provém um grande conforto para esses episódios curtos de jogatina. Como mais conteúdo adicional gratuito foi confirmado recentemente para o jogo, fica então a esperança que as atualizações futuras também melhorem o desempenho no dispositivo da Big N, que até então é somente aceitável, não perfeito como deveria ser.
Viver não é preciso, cavar é preciso
Shovel Knight Dig é um ótimo e acessível roguelike que comprova que o cavaleiro da Yacht Club Games é capaz de protagonizar boas aventuras em diversos gêneros. Embora não esteja isenta de falhas, esta ágil e divertida jornada consegue entreter ao usar sabiamente a dinâmica de risco e recompensa em vários aspectos de seu design até que a vitória seja, enfim, alcançada. Que continuemos cavando, então!
Prós
- Jogabilidade viciante e condizente com o personagem principal;
- Adapta-se perfeitamente à natureza híbrida do Switch;
- Demonstra a riqueza de carisma e personalidade do universo Shovel Knight;
- Estética em 16-bit salta aos olhos pela qualidade;
- Trilha sonora grudenta em chiptune;
- Diversas opções de acessibilidade permitem personalizar a dificuldade da aventura.
Contras
- Curta duração pode incomodar aqueles que gostam de aventuras mais longas;
- Problemas de performance no Switch.
Shovel Knight Dig — PC/Switch/iOS — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Yacht Club Games
Análise produzida com cópia digital cedida pela Yacht Club Games