Desenvolvido por meio de uma parceria entre Lancarse e Square Enix e publicado por esta, The DioField Chronicle é um RPG de estratégia (SRPG) em tempo real de alta fantasia medieval em um contexto de disputa geopolítica e aristocrática. Além de envolver desenvolvedores de trabalhos prévios desses estúdios, o projeto também contou com trilha sonora de Ramin Djawadi e Brandon Campbell, compositores da série Game of Thrones.
Como expliquei no Blast Test deste jogo, sua proposta de gameplay procura não ir contra a proposta de outros RPGs táticos por turno publicados pela Square Enix, como Triangle Strategy e Tactics Ogre Reborn. Desse modo, a equipe implementou em The DioField Chronicle um sistema alternativo com dinâmica em tempo real.
De resto, a proposta envolve um level design apresentado em cenários de diorama, com uma progressão bem linear, mas com variedade de customização, enquanto o audiovisual e o texto procuraram refletir um tom sério e sóbrio para combinar com o texto político, porém sem abandonar o estilo de anime no design dos personagens.
Um xadrez político com boas táticas, mas não muito bem executadas
Escrito por Yuu Ohshima, quase toda a história do jogo, com cerca de 25 horas, se passa em uma ilha chamada Diofield, onde se encontra o Reino de Alletain em uma grave crise de sucessão. Esse conflito doméstico definitivamente não veio em boa hora, fazendo do local um alvo fácil em meio ao confronto expansionista entre duas nações vizinhas: o Império Trovelt-Shoevian e a Aliança Rowetale.
O território insular é governado por uma monarquia hereditária cuja linhagem real ostenta em suas mãos a chamada Marca dos Abençoados (Mark of the Blessed), uma marca de nascença brilhante que se assemelha a um veio de pedras preciosas. Esse sinal faz alusão a um cobiçado recurso do reino, a Jade, uma fonte de magia de altíssimo valor.
O problema começa após o assassinato do príncipe herdeiro. Desde então, formaram-se facções em torno de diferentes candidatos ao trono. Entre os nobres da região, está o Duque Hende, que integra o Conselho dos Lordes e evitou o assassinato do príncipe sete anos atrás. É em torno dele que a trama tem início.
O jogador assume o controle de uma elite de mercenários chamada Blue Fox, a qual é liderada por Andrias. Após resgatar uma das oficiais do Duque Hende, esses mercenários são contratados pelo nobre para uma série de missões que presumivelmente têm por fim a estabilidade e a proteção de Diofield.
O enredo possui premissas tradicionais no gênero, mas interessantes e com certa complexidade, pois envolvem diferentes partes interessadas em dois diferentes níveis de jogo político: a disputa interna pelo trono e a disputa externa pelo recurso mágico da região. Contudo, a narrativa é fácil de acompanhar. Tudo se passa de forma linear, sem qualquer intervenção de escolhas do jogador, por meio de diálogos frequentes, mas não muito longos, e sempre de forma acessível, mesmo quando em um tom formal.
Os pontos negativos do design narrativo estão no desenvolvimento fraco dos personagens e no ritmo da história. De modo geral, a exposição do conteúdo é monótona, alternando entre breves narrações ilustradas e debates ao redor de uma mesa de estratégia.
O roteiro avança muito rapidamente no primeiro ato, frequentemente de forma abrupta, e os plot twists na passagem do segundo para o terceiro atos são um tanto clichês. O final tem uma ideia interessante, mas, em geral, as reviravoltas dos últimos capítulos possuem uma execução inverossímil e pouco atenta à antecipação desses acontecimentos.
Um SRPG em tempo real nem tão tático assim
Como é de se esperar, o coração da gameplay de The DioField Chronicle está nos confrontos bélicos. O projeto contou com direção e design de batalha de Hirofumi Fukui, que já havia trabalhado em um RPG tático da Lancarse, especificamente no planejamento de combate de Lost Dimension, de 2015. É possível ver influências de trabalhos prévios da empresa, mas também de RPGs ocidentais com tempo real pausável, o active pause battle system (APB).
O sistema de batalha do jogo foi denominado Real Time Tactical Battle system (RTTB), mas não é estritamente “tático”, uma vez que um “RPG tático” pressupõe uma fusão entre RPG e turn-based tactics (TBT), um subgênero de estratégia por turnos. No final do dia, a experiência lembra bem menos TRPGs e mais CRPGs, como nas séries Baldur’s Gate, Pillars of Eternity e Divinity, mas com mecânicas simplificadas.
© 2022 SQUARE ENIX CO., LTD. All Rights Reserved., © Silvertone, Inc.
O jogador controla um grupo de até quatro unidades, cada qual podendo ter um personagem auxiliar com habilidades complementares para utilizar na guerra. Embora tudo ocorra em tempo real, é possível parar o combate a qualquer momento para pensar e executar ações. As animações das skills também ocorrem enquanto o tempo está parado.
Como de costume em RPGs, temos elementos como nível, casting, status para vida e magia/habilidade e variáveis como chance de crítico e velocidade de movimento. Além disso, há pontos de invocação que servem para chamar criaturas míticas — como Bahamut e Fenrir — que aparecem para lançar uma magia especial em grande área.
© 2022 SQUARE ENIX CO., LTD. All Rights Reserved., © Silvertone, Inc.
Um ponto forte de The DioField Chronicle é sua customização. Não que ela seja excepcional, mas faz um bom trabalho. Para a formação da party, há um número razoável de personagens distribuídos em quatro categorias com duas ou três armas diferentes para cada: corpo a corpo (adaga, machado e espada e escudo), longo alcance (arco, besta e arma de fogo), magia (cetro ou cajado) e cavalaria (lança e cavalo ou dragão).
Além de árvores de habilidades ofensivas para cada categoria, o jogo traz árvores de habilidades passivas tanto para os personagens quanto para os summons, e ainda árvores da construção de armas. Para cada personagem, há três slots de equipamento: um para arma e dois para acessórios, como colares, anéis, chapéus e botas. Todos esses sistemas têm um design evolutivo simples, mas a soma desses subsistemas entrega uma boa customização.
Por outro lado, o ponto mais fraco é o level design, que é ainda mais repetitivo e simplório que o de Monark, último lançamento da Lancarse. As batalhas são muito fáceis, ocorrem em cenários pequenos e totalmente planos, que não possuem objetos interativos senão em raras exceções, como algumas barricadas.
O loop de gameplay é extremamente repetitivo. Ele basicamente consiste em ler/ouvir diálogos na base e então partir para missões em que invariavelmente é preciso apenas assumir o controle de algumas torres e/ou derrotar os mesmos tipos de inimigos com péssima IA que pipocam nas extremidades do campo de batalha.
Um audiovisual tecnicamente simples, mas elegante e com personalidade
Com direção de arte de Takahiro Kumagai, The DioField Chronicle traz uma cenografia de diorama, ou seja, baseada em maquetes. Esses ambientes foram construídos com inspiração nas belas artes conceituais de Isamu Kamikokuryo, conhecido por suas detalhadas e deslumbrantes ilustrações para Final Fantasy XII, XIII e XV.
Embora com bons conceitos, o problema novamente está na execução. A variedade de cenários é baixa e eles nem sempre possuem boas texturas, principalmente quando envolvem água. Apesar disso, os efeitos visuais são razoáveis e há um toque gracioso de aquarela que combina com a experiência em miniatura que a ambientação e a câmera proporcionam.
Os personagens são baseados em artes elegantes de Taiki — artista da série Lord Vermilion —, com modelos decentes em 3D, embora com algumas proporções que geram estranhamento de início. Há poucas cutscenes e a animação dos movimentos é simples de modo geral, mas funciona bem, especialmente no combate, com fluidas transições cinemáticas.
Infelizmente, a direção de som já não é tão inspirada. A boa notícia é que ao menos há dublagem em boa parte dos diálogos, o que ajuda bastante na imersão. Por outro lado, apesar dos efeitos de golpes estarem bons, o jogo é muito pobre na sonoplastia do ambiente, não só in-game como às vezes até em cutscenes, deixando uma atuação muito crua de estúdio, mesmo que conte com alguns bons atores.
Em contrapartida, a trilha sonora orquestral complementa bem o visual do game. O único problema, a meu ver, é a falta de variedade. Quanto à estilística, já no tema de abertura é possível perceber a assinatura de Ramin Djawadi, de forma muito semelhante ao seu trabalho na música de abertura da série Game of Thrones — uma clara influência para The DioField Chronicle, não só musical como no roteiro.
De modo geral, as composições de Djawadi e Campbell possuem poucas melodias marcantes, mas uma harmonia estável, em tons menores, imersiva, suave e levemente dramática, crescendo em intensidade. Os compositores dão ênfase a sons graves, sobretudo em corda, trompa e percussão, e quase sempre com ritmo lento ou moderado.
As escolhas dos compositores foram acertadas, já que as músicas ficariam enjoativas a longo prazo se focassem no aspecto melódico da trilha, por exemplo; as demais decisões contribuíram para uma experiência “climática”, com um tom sério e levemente épico.
Um bom SRPG para amadores
A despeito de alguns parâmetros técnicos deixarem um pouco a desejar, o roteiro não fluir tão bem quanto poderia e o level design ser um dos mais simplórios que já vi em SRPGs, o saldo ainda é um pouco mais positivo. The DioField Chronicle tem uma progressão excepcionalmente acessível, traz uma boa customização para os personagens, tem belos conceitos de arte e um estilo audiovisual coerente e com personalidade. O título é recomendável a novatos em RPG de estratégia, mas alguns veteranos podem se sentir insatisfeitos ou um pouco entediados.
Prós
- Boa customização para o combate;
- Audiovisual coerente e com um bom clima para a proposta;
- Belas ilustrações e alguns bons conceitos;
- Um design bem acessível, prático e fluido.
Contras
- Level design altamente simplório e repetitivo;
- Trama pouco convincente e com problemas de ritmo;
- Cenários muito pobres e pouco variados;
- Gameplay pouco desafiador;
- Alguns aspectos técnicos em que falta polimento, como em texturas e efeitos sonoros.
The DioField Chronicle — Switch/PC/XBX/XBO/PS5/PS4 — Nota: 7.5Versão utilizada para análise: Switch
Revisor: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix