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Shin Megami Tensei: Strange Journey (DS): Schwarzwelt, o reflexo do pecado humano

Aviso de spoilers para a primeira metade de Strange Journey

em 03/09/2022
Shin Megami Tensei: Strange Journey (DS) chegou ao Ocidente em 2010, trazendo uma experiência única que mistura a fórmula clássica da franquia com suas evoluções recentes. Desenvolvido com uma audiência global em mente, seu cenário sai do Japão, onde a maioria dos jogos se passam, e nos leva até a Antártica, onde um fenômeno paranormal está consumindo o planeta. Seja bem-vindo ao Schwarzwelt, um dos cenários mais interessantes da franquia Shin Megami Tensei.

A vingança de um planeta Terra corrupto

Strange Journey traz um universo no qual o planeta Terra possui uma vontade própria e esteve sempre observando as ações dos seres vivos. Com todos os pecados cometidos por humanos, o planeta manifesta o Schwarzwelt como uma forma de purificar e reiniciar o mundo.

Pegando inspirações da cosmologia de brana e nos trabalhos de John Archibald Wheeler, o Schwarzwelt é uma dimensão diferente das que experienciamos, composta completamente de informação. Contendo toda a história do universo dentro de si, que é manifestada na forma de demônios e labirintos, os personagens do jogo devem navegar áreas que refletem a própria existência dos seres humanos e o impacto deles na Terra.

Na apresentação sonora do jogo, temos um coro masculino presente na maioria das músicas, como se estas tentassem expressar a fala humana utilizando instrumentos, sendo o coro apenas um deles. A trilha sonora acaba tendo uma atmosfera mais assustadora, como se estivesse sendo vista por demônios no fundo.

Antlia, a representação da violência 

Servindo como a introdução dos personagens e dos jogadores ao cenário do jogo, o Setor Antlia começa parecendo ser uma caverna gélida, como esperado de um local na Antártica. Durante o tutorial, descobrimos partes estranhamente tecnológicas dentro da dungeon, que servem para a conveniência da gameplay, mas também dão dicas sobre a real natureza do Schwarzwelt.

Após alguns eventos iniciais do jogo, finalmente temos a chance de explorar a parte subterrânea e descobrimos a verdadeira forma do setor: uma área engolfada em chamas que parece retratar uma vila após um bombardeamento. Podemos ver destroços e corpos queimados entre a neve, imagens que são explicadas pelo discurso do chefe da área.

No fim do setor, encontramos Morax, um demônio com cabeça de touro que declara sua intenção de vingança contra a humanidade. Ele diz imitar as técnicas de luta dos humanos, que aperfeiçoaram a arte do assassinato e estão em constante guerra. Antlia é uma crítica à natureza violenta do ser humano, que os demônios acreditam ser inseparável da espécie.

Bootes, o monumento ao hedonismo

No segundo setor, nos encontramos em uma recriação de uma zona de meretrício, um local brilhante com portas sorridentes e coloração brega que lembra aos prazeres humanos que acontecem nesse tipo de lugar. Porém, isso é apenas uma armadilha para atrair humanos, algo que descobrimos ao entrar no palácio dentro da área.

Dentro do palácio, somos convidados a esquecer sobre nossa vida estressante e a nos divertir no local, com um demônio nos dizendo que dançar nos levará a uma nova vida. O visual aqui é ainda mais decadente, com silhuetas em poses sexuais podendo ser vistas através de cortinas. Ao explorar mais o local, essas cortinas se abrem e revelam damas de ferro e corpos amarrados atrás delas. Bootes pode ser um monumento ao prazer e diversão, mas não para os humanos.

Após alguns eventos na história, descobrimos que o palácio é, na verdade, um local para fazer experimentos científicos semelhantes a como nós fizemos com outros animais. Esses experimentos acabam sendo basicamente tortura, tentando moldar um novo tipo de ser humano ao torná-los semelhante a demônios.

Como líder dessa área, temos Mithras, que conclui que o humano é uma espécie desnecessária para o mundo e deve ser substituída. Bootes acaba sendo uma crítica dupla, tanto ao hedonismo humano quanto à hipocrisia de nossa ciência.

Carina, o reflexo do consumismo

Chegando ao terceiro setor, nos deparamos com um supermercado cheio de produtos para o consumo humano. Nas paredes do mapa, podemos ver pôsteres e anúncios por todo o lado, dando a crítica mais clara do jogo todo: “COMPRE. CONSUMA.”. Para deixar a mensagem ainda mais escancarada, podemos conversar com um demônio na entrada, o qual nos convida a consumir os produtos do local até os recursos da Terra acabarem. Representando ainda as críticas anteriores, temos carne de outros animais e armas militares à venda no setor.

Como líder desse setor, temos Horkos, um demônio com cabeça de porco que deseja consumir tudo no planeta, mas que critica os humanos por serem piores ainda que ele. Na visão dele, humanos cobrem a Terra com produtos inúteis de seus desejos e ele está demonstrando seu amor a ela ao se livrar deles. Qualquer argumento é inútil para Horkos, pois ele acredita que humanos jamais conseguirão se controlar no consumo ou na produção de tudo.

Delphinus, o resultado da poluição

A nação apodrecida é o nosso quarto setor do Schwarzwelt e é relativamente simples, assim como Carina. Delphinus é um depósito de lixo gigante, um labirinto feito de puro lixo e o chão cheio de poças de óleo. Aqui, podemos encontrar carros e várias outras coisas, até mesmo material radioativo. Fora a presença de demônios e das partes do chão que dão dano, a área não é tão diferente ou pior do que podemos ver de exemplo na vida real.

O chefão aqui é Asura, que tem uma filosofia semelhante ao que associamos às rotas de Chaos na franquia Shin Megami Tensei. Ele não chega a combinar muito com o setor onde está, já que boa parte de seu diálogo é relacionado ao darwinismo social e a lei dos mais fortes do que sobre o lixo produzido pelos humanos, mas sua visão se torna mais importante nos próximos setores do jogo.

Encerramento

Após Delphinus, a temática dos setores muda para se relacionar com o desenvolvimento da história, que evolui para ser algo além de uma crítica à humanidade. Tocando em temáticas como o simbolismo da sílaba “Ma”, o ciclo que é o Schwarzwelt e muito mais referências religiosas que a primeira metade do jogo, seria impossível explicar cada setor com o detalhe necessário sem explicar essas partes da narrativa, que merecem um texto separado para serem desenvolvidas.

Shin Megami Tensei: Strange Journey demonstra um dos cenários mais intimidantes da franquia, criado para se livrar da corrupção de nossa espécie e, pela primeira metade do jogo, a Terra nos devolve essa corrupção.

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli


Amante de jogos e da cultura japonesa, principalmente retrô. Aprendendo japonês para poder jogar JRPGs sem esperar serem localizados. Ama dungeoncrawlers e jogos de luta, mas gosta de todos os gêneros.
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