Live A Live (Switch) e as múltiplas faces de seu gameplay

Mapeamos todas as variações e as homenagens em combate por turno no último lançamento do Team Asano.

em 10/09/2022

Como expliquei em minha análise do remake de Live A Live feito pelo Team Asano e em meu Stage Select da Pré-História, o projeto de Takashi Tokita para o jogo tem um design narrativo experimental e subversivo, considerando a tradição dos JRPGs. Assim como a trama não possui uma unidade — exceto no final —, o mesmo se aplica à gameplay, com variações próprias de cada conto da antologia de histórias que compõem a obra.


A proposta narrativa é subdividida em oito subtramas, cada qual em seu próprio tempo-espaço e com level design e combate adequados a ele. O interessante é que em todos esses casos há uma estrutura comum de TRPG em tabuleiro plano pequeníssimo (7x7 células), mas cujas variações traduzem elementos de outros gêneros de jogos. Essas variações ludo-narrativas, em ordem cronológica, estão no centro de nossa atenção hoje.

Pré-História

A Pré-História é uma era anterior ao advento da escrita, a qual é marcada por necessidades básicas — como sexo e comida —, representações pictóricas e combates com paus e pedras. Tudo isso é representado na narrativa do período, como vimos no Stage Select dessa fase do jogo, embora com alguns anacronismos divertidos, como dinossauros convivendo com humanos e a existência de carros de pedra.

De todo modo, a gameplay busca coerência com a proposta narrativa. As batalhas trazem personagens não falantes humanos e primatas cujas habilidades são baseadas na força bruta e em feitiços de suporte. Os inimigos são invariavelmente outros humanos ou animais (presas ou predadores), os quais podem ser encontrados de forma visual-olfativa pelo protagonista, que pode caçá-los enquanto explora o mundo natural fora das cavernas.

China Imperial

O cenário da China Imperial é baseado em algum momento entre o início da Dinastia Qin (221 a.C.) e o fim da Dinastia Qing no século XIX. Este longo período é marcado pelo desenvolvimento das artes marciais e por uma sucessão de dinastias e conflitos externos, sobretudo com os mongóis. A narrativa de Live A Live enfatiza desavenças políticas e o aprendizado de técnicas de arte marcial com uma boa dose de fantasia.

Esses elementos também encontram paralelo no gameplay. O protagonista é um mestre de artes marciais, os demais personagens do grupo são seus alunos, e o jogador, usando ataques físicos a mão desarmada e explorando taticamente o cenário a curto alcance, enfrenta outros humanos ou criaturas típicas do imaginário chinês, como tigres.

Idade Média

O cenário da Idade Média, revelado só após os demais capítulos, é baseado em elementos fantásticos e históricos que remontam tanto à origem dos JRPGs nos consoles como também à Europa entre os séculos V e XV. Entre esses elementos, podemos destacar a ênfase em nobreza, dungeons, castelos, vilarejos, dragões, armas medievais, magia e tesouros.

Durante o combate, esses elementos também aparecem. As batalhas começam a partir de encontros aleatórios/randômicos, e não visuais, e se dão com maior estratégia de grupo, com personagens de diferentes classes, tal como em um JRPG tradicional. Ao mesmo tempo, subvertendo o tradicional, há mais tarde surpresas no desenvolvimento da história que contrastam com o clichê do gênero.

Era Edo

Na Era Edo, por sua vez, há uma fantasia histórica ambientada no Japão, em algum momento entre 1603 e 1868. O elemento explorado neste contexto é a infiltração de ninjas em um castelo com a missão de capturar um shogun, um comum líder político-militar desse período.

A gameplay de Live A Live reflete essas escolhas de design narrativo por meio de uma exploração furtiva. O jogador pode se camuflar e evitar matar seus inimigos (samurais e criaturas da mitologia japonesa), mas ao enfrentá-los terá um combate tático com alternância entre combate corpo-a-corpo e a distância, além de um grande destaque para o cenário, que pode ser parcialmente envenenado ou ficar em chamas, por exemplo.

Faroeste (Velho Oeste)

Em algum momento do século XIX no deserto da fronteira americana, a era do Velho Oeste traz clássicos elementos do cinema western. A trama é protagonizada por um caubói viajante que, chegando a um pequeno vilarejo, ajuda seus habitantes a resistir a uma investida de bandidos — uma premissa que lembra o filme Os Sete Samurais (1954), de Akira Kurosawa.

Na parte da gameplay, isso se traduz em batalhas onde o pequeno cenário tático é mais aproveitado em combate a longo alcance. Os confrontos dão-se normalmente com armas de fogo, especialmente pistolas, e todas as habilidades dos personagens jogáveis são baseadas no manuseio delas.

Presente

Em diversos locais do globo (Índia, EUA, Rússia etc.), o Presente é protagonizado por um lutador japonês que viaja pelo mundo atrás de lutas em busca de se tornar o melhor lutador de todos e aprender técnicas de seus mais diversos oponentes. Qualquer semelhança narrativa e audiovisual com Street Fighter II não é mera coincidência, sendo este o trabalho prévio da compositora Yoko Shimomura antes de ir para a Square Enix. O gameplay também lembra bastante a sequência da renomada franquia de luta da Capcom.

Assim como na China Imperial, predomina o confronto corpo-a-corpo a curto alcance, porém o combate é sempre 1x1, com menos estratégia em posicionamento e maior foco nos efeitos de habilidades, como torção e atordoamento. À medida que incorpora as habilidades de seus inimigos, você pode usá-las contra os próximos, assim como acontece com os chefes de Mega Man.

Futuro Próximo

Em uma época não tão distante, inspirada na ambientação de tokusatsus, o Futuro Próximo, ambientado no Japão, protagoniza um garoto que sonha em se tornar um herói. Com habilidades de ler mentes e até mesmo controlar um mecha, o suposto herói luta contra motoqueiros e também impede as ambições científicas de uma corporação que faz experimentos genéticos que podem ameaçar a humanidade.

O resultado disso, em termos de gameplay, é um combate com ações de grandes proporções no tabuleiro. Tanto a curto quanto a longo alcance, as habilidades tendem a ocupar grande parte dos quadrados, são poderes ou golpes em área e costumam causar muito dano. Além disso, nos momentos em que há luta com mechas, torna-se quase um jogo de luta, aproximando-se da dinâmica do Presente, mas com investidas de dano massivo.

Futuro Distante

Finalmente, a milhares de anos no futuro, temos a história do carismático Cube, um robô criado em uma nave espacial ameaçada por uma criatura escondida na nave e que põe toda a tripulação em perigo. Essa história, com um tom de ficção científica, é mais triste, dramática e madura se comparada às demais, e conta com uma boa dose de mistério.

Do ponto de vista da gameplay, as escolhas se refletem em uma exploração com investigação e pouca ênfase no combate. Não há outros inimigos a enfrentar senão a misteriosa criatura, e em grande parte das vezes você não deve encará-la de frente, e sim escapar dela. Além disso, há a possibilidade de jogar um videogame dentro do próprio jogo.

Revisão: Davi Sousa

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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