Análise: Anno: Mutationem (Switch) é uma ambiciosa carta de amor ao gênero Cyberpunk

RPG de ação e aventura se destaca pelos belos visuais e por sua excelente construção de mundo.

em 14/09/2022


Apostando em uma mistura de 2D com 3D, o RPG de ação e aventura Anno: Mutationem chega ao Nintendo Switch prometendo contar uma história única dentro de um universo Cyberpunk cheio de personalidade e conceitos interessantes. Esse indie desenvolvido pelo estúdio chinês Thinking Stars tem como principal chamativo a sua direção de arte distinta que faz uso de belíssimos sprites animados em 2D em contraste com cenários 3D de poucos polígonos.

Narrativa de destaque

Anno: Mutationem conta a história de Ann Flores, uma jovem adulta que trabalha para uma agência de serviços especializada em combate na metrópole futurista de Skoop City. Desde a infância, Ann sofre com os efeitos de uma misteriosa doença chamada “Entanglitite”, capaz de causar desmaios aleatórios e ataques repentinos de agressividade no paciente.

Após ouvir rumores sobre um remédio que poderia curar essa doença, Ryan Flores, o irmão adotivo mais próximo da protagonista, acaba desaparecendo sem deixar nenhuma explicação para trás. Preocupadas com o irmão, Ann e sua parceira hacker, Ayane Mitsuno, resolvem ir atrás do paradeiro de Ryan e consequentemente acabam caindo nas teias de uma misteriosa conspiração muito maior do que qualquer uma delas poderia imaginar.

A premissa é simples, mas a história do jogo não encontra problemas para conquistar o interesse do jogador graças a construção de um universo Cyperpunk extremamente bem detalhado. Os personagens principais são carismáticos, as temáticas distópicas da trama são trabalhadas de forma eficiente e diversas informações opcionais podem ser encontradas pelos jogadores que se interessam em saber mais sobre a lore por trás do mundo.

A Ann é a personagem que mais recebe destaque e desenvolvimento durante o jogo. Além do look estiloso, a protagonista conta com uma personalidade forte e madura que remete bastante à Mokoto Kusanagi do filme Ghost in the Shell, animação famosa por ser um dos pilares do gênero Cyberpunk. Indo além da superfície de casca-grossa, a personagem protagoniza ótimas cenas envolvendo a sua relação com a família adotiva, a amizade com Ayane, entre outros pontos que ajudam bastante na hora de se afeiçoar pela personagem.


Ao longo da trama, o desenrolar do mistério por trás dos diversos acontecimentos consegue aumentar gradativamente o engajamento do jogador para com o mundo, que sempre parece estar segurando alguma informação interessante a cada esquina. É algo comum desviar do caminho principal apenas para conversar com um NPC bobo ou ler descrições de itens coletáveis, estes que, por sinal, costumam ser acessórios comuns do nosso cotidiano, com o diferencial de que eles são tratados como relíquias raras de uma época distante dentro do contexto desse mundo futurista.

Algumas das temáticas clássicas do gênero Cyberpunk sempre estão sendo abordadas de alguma forma nessas conversas, mesmo que seja superficial ou com fins satíricos na maioria das vezes. Entre os tópicos mais discutidos estão a desigualdade social alarmante, o controle de informação exercido por mega-corporações e o questionamento filosófico sobre a existência de “humanidade” dentro de inteligências artificiais ou humanos que tiveram seus corpos totalmente mecanizados. Nada disso acaba sendo aprofundado com toda a complexidade que o assunto merece, porém ainda são tópicos integrados de forma eficiente e charmosa dentro do worldbuilding.

Como uma faca de dois gumes, todo esse foco na construção de um mundo complexo fez com que a parte final da história ficasse sobrecarregada com a necessidade auto-imposta de oferecer inúmeras explicações para todos os mistérios apresentados ao longo do jogo em um período curtíssimo de tempo.

Para que tudo possa se encaixar aos trancos e barrancos, diversos detalhes importantíssimos para a narrativa acabam tendo que se apoiar em extensos textos opcionais e ainda assim terminamos com muitas pontas soltas sem uma explicação satisfatória. Por outro lado, é possível que o estúdio esteja guardando as respostas para essas pontas soltas em uma sequência direta, mas até o momento isso é apenas especulação.




Hack’ n Slash feijão com arroz

Quando se trata de mecânicas de combate, Anno: Mutationem faz o básico para passar de ano, mas não vai muito além disso. Durante os cenários de ação em plataforma 2D, o jogador consegue acesso a quatro tipos de lâminas de corpo-a-corpo e três tipos de armas de longo-alcance. O sistema, porém, te limita a equipar pelo menos uma espada rápida, uma espada forte e uma arma de longo-alcance ao mesmo tempo. Também é possível esquivar, defender, aparar ataques, trocar de armas com o analógico esquerdo e usar itens, como poções ou granadas.

No geral, as lutas me passaram o sentimento de estar jogando um Devil May Cry em 2D sem a presença de um sistema de combos tão robusto. Assim como nos primeiros jogos da franquia de Dante, o controle de Ann Flores acaba sendo um pouco “duro” e desconfortável na hora de interligar movimentos distintos com fluidez. O combate pode ser bem satisfatório no início, mas não há variedade ou complexidade que o impeça de se tornar cansativo na jornada até o final da aventura.

A necessidade de lidar com inimigos voadores acontece de tempos em tempos e em todas as vezes consegue proporcionar a mesma experiência desagradável. Tudo isso porque a pistola, que é a única arma de longa distância que você vai ter acesso durante boa parte do jogo, tem uma péssima mira automática. É uma dor de cabeça absurda para acertar qualquer alvo voador específico no meio de inimigos terrestres por que qualquer mudança na sua posição faz a mira alternar entre os alvos.

Enquanto as sessões em 2D são reservadas para o combate e desafios de plataforma, as áreas em 3D servem para todo o resto do jogo. Quando se está controlando Ann em três dimensões quase não existe nenhuma mecânica além de andar, conversar com NPCs ou coletar itens. Ocasionalmente o jogo te coloca para interagir com alguns quebra-cabeças, alguns minigames bem simples ou então te manda seguir pegadas que só podem ser vistas apertando um botão especial. Considerando o destaque que os trailers do jogo colocam em cima dessa mecânica de controle em 2D e 3D, o resultado final acaba sendo um pouco decepcionante. Está longe de ser ruim, mas também não é nada demais.




Por falar em quebra-cabeças, na maior parte do tempo eles são agradáveis e proporcionam uma quebra de ritmo bem-vinda durante a exploração do cenário. Porém isso vale apenas para os quebra-cabeças da campanha principal, pois existem pelo menos umas duas missões secundárias que apresentam puzzles extremamente obtusos com soluções tão contra-intuitivas que chega a ser quase obrigatório buscar ajuda da internet para entender qualquer resquício de lógica por trás deles.

Problemas distópicos

Ao lado do excelente worldbuilding, é fácil afirmar que um dos maiores acertos de Anno: Mutationem se encontra no seu estilo visual que mistura sprites em 2D com cenários em 3D poligonal para gerar uma perspectiva única e criativa em cima da estética distópica de uma cidade Cyberpunk. A combinação desses elementos distintos auxiliados pela excelente direção de arte consegue entregar um impressionante espetáculo visual quando é necessário.

Continuando por outro lado, a trilha sonora e a dublagem do jogo se mostram bem agradáveis. O trabalho de dublagem, em especial, conta com performances e atores competentes nas três línguas oferecidas, sendo elas inglês, chinês e japonês. O jogo também disponibiliza legendas em português do Brasil, porém ela está cheia de errinhos de gramática, diagramação e outras coisinhas pequenas.

Como já deu para perceber, nem tudo na vida de Ann são flores. Não é exagero dizer que a performance do jogo no Switch beira ao sofrível. Quedas de framerate ocorrem com muita frequência e algumas texturas com tons de cor preta estão aparecendo bugadas no console da Nintendo. O problema mais irritante, entretanto, são os loadings gigantes que ocorrem entre cidades ou após a morte do jogador. Eles costumam durar por cerca de um minuto ou mais, porém a sensação é de que demoram uma eternidade, especialmente quando você morre para um chefe e quer logo voltar para uma revanche.

A duração do loading é tão irritante que constantemente faz com que o jogador tenha preguiça de se teletransportar para completar uma missão que se encontra em qualquer área diferente. Se não bastasse, a animação da tela de carregamento aparentemente puxa tanto do hardware que me aconteceu do aplicativo do jogo fechar automaticamente por causa de um erro por pelo menos umas quatro vezes durante a campanha.




Cyberpunk na veia

Apesar de tudo, Anno: Mutationem ainda continua sendo um ótimo RPG de ação que pode, e deve, conquistar qualquer jogador que queira dar uma chance para o seu riquíssimo mundo Cyberpunk. Mesmo sem brilhar tanto, os combates funcionam dentro do seu propósito e a narrativa consegue entregar uma história instigante com personagens carismáticos e momentos profundos. A performance do jogo no Nintendo Switch não é das melhores, mas o conjunto da obra ainda vale a pena como um todo.

Prós:

  • História cativante e personagens carismáticos
  • Estilo de arte único
  • Worldbuilding e lore muito interessantes

Contras:

  • Pontas soltas mal-explicadas
  • Puzzles de quests secundárias são obtusos
  • Queda de FPS constante e erros de funcionamento
  • Loadings extremamente longos
  • Conclusão apressada
  • Movimentação de combate é um pouco travada
Anno: Mutationem — Switch/PC/PS4/PS5 — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Cristiane Amarante
Análise produzida com cópia digital cedida pela Lightning Games

Estudante de jornalismo que não vê a hora de achar um estágio. Apaixonado por videogames e esperando o fim de Hunter x Hunter e Berserk desde que me entendo por gente.
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