Em desenvolvimento pela Lancarse e pela Square Enix, sob a publicação dessa última, The DioField Chronicle teve uma demo disponibilizada para consoles e PC no dia 10 de agosto, faltando pouco mais de um mês para o seu lançamento (22 de setembro), pelo que se pode presumir que o jogo esteja praticamente pronto. A demonstração, com cerca de 3 horas, abrange o conteúdo do início do jogo (Capítulo 1) e me permitiu testar seus principais sistemas, observar a performance e a execução do estilo e da técnica de seu audiovisual, e ainda inferir algumas coisas da introdução e do conceito da história.
Baseado nos dados da página oficial do game e em sua demo, podemos definir este projeto como um RPG de estratégia (SRPG) que mistura dinâmica e level design de estratégia em tempo real (RTS) com mecânicas de RPG. Ainda sem entrar em detalhes, podemos dizer que o jogo é ambientado em mundo 3D de fantasia com elementos europeus do medievo e da modernidade e com trama política dramática, trilha sonora orquestral e personagens com traços de anime.
Ao que tudo indica, The DioField Chronicle se propõe a trazer uma experiência acessível e dinâmica de SRPG, uma narrativa séria, mas não muito intrincada, e escolhas de audiovisual, atuação e level design com apelo aos fãs de Game of Thrones, anime e jogos como Fire Emblem e Final Fantasy.
Uma política dramática com alta fantasia para um público amplo
De todos os aspectos de design deste texto de impressões, talvez aquele em que se pode ter menos aprofundamento é a parte narrativa. Ainda assim, já é possível descrever em linhas gerais do que se trata a história desse jogo, elaborar hipóteses com base no conteúdo inicial e fazer algumas conjecturas.
Meio a uma disputa geopolítica entre o Império Trovelt-Shoevian e a Aliança Rowetale, a história (crônica) do jogo se passa majoritariamente na ilha de DioField, onde há famílias de nobres que controlam cada qual sua parcela do território insular. Entre essas famílias, está a do Duque Hende, que integra um Conselho de Lordes que, sete anos atrás, evitou o assasinato de um príncipe, e está estreitamente ligado ao rico Reino de Alletain, sobretudo conhecido por um recurso mágico chamado Jade.
Nesse contexto, o jogador assume o controle da Blue Fox, uma pequena elite de mercenários encabeçada por Andrias. Após resgatar uma das oficiais do Duque Hende, esses mercenários passam a realizar missões para o duque, que, ao menos a princípio, parece ter intenções de promover a estabilidade do território insular.
Como se pode ver pelo final da demo, o desenvolvimento desse argumento parece ter algumas influências de As Crônicas do Fogo e do Gelo, de George R. R. Martin. Pelo andar da carruagem deste início do jogo, pode-se presumir que o design narrativo é linear e episódico, mas com algumas missões opcionais que, se concluídas, podem render mais níveis, recursos e medalhas de conquista.
O conteúdo em si, apesar de carregar muita informação, apresenta um sério contexto político com protagonismo de humanos. Por outro lado, há personagens bem estilizados e, ocasionalmente, criaturas fantásticas tanto inimigas quanto para invocação, a exemplo do clássico Bahamut, de Final Fantasy.
Sintetizando uma dicotomia entre realismo sério e anime fantástico, a atuação dos personagens (tanto em inglês quanto em japonês) tem uma mescla de formalidade com clichês, frases de efeito e perguntas retóricas que facilitam a assimilação do enredo. Algo que também ajuda na compreensão da mitologia, da história e da geografia do jogo é o fato de haver uma biblioteca onde se pode ter acesso a explicações sucintas da escrita de cenário do jogo, além de ser possível rever cinemáticas.
Um audiovisual que condensa alta fantasia cinematográfica com elementos de anime
Do ponto de vista audiovisual, The DioField Chronicle possui referências diversas, mas podemos destacar elementos de jogos prévios da Lancarse e da Square Enix, além da série Game of Thrones (2011–2019), criada por David Benioff e D. B. Weiss. Essa última influência entra não só em momentos do roteiro e de escolhas de atores, mas também no que se refere à música e à parte cinematográfica.
A influência de jogos anteriores dessas empresas emerge mais marcadamente na animação, nas ilustrações e nos gráficos in-game. Isso se deve em boa parte pelo character design de Taiki (Lord of Vermilion III, IV) e pelas marcantes artes conceituais de Isamu Kamikokuryo (diretor de arte nos FFs XII, XIII e XV; e ilustrador de War of the Visions: Final Fantasy Brave Exvius).
A parte cinematográfica, considerando que não conta com tão alto orçamento, é um dos pontos altos do jogo: as cinemáticas são bem-feitas e possuem traços mais realistas em comparação com o visual in-game, mas aparecem em cenas curtas e com atuações limitadas. Por outro lado, o design de personagens possui forte influência de anime, mas possui proporções anatômicas um pouco estranhas (particularmente o tronco em relação aos braços e pernas).
Em um ritmo rápido de progressão, são empregadas alternadamente três formas não muito caras de direção de arte para contar a história que se assemelham a Triangle Strategy (Switch), dirigido por Kazuya Miyakawa. Uma delas é um narrador que conta eventos de macropolítica com algumas boas ilustrações que enfatizam o cenário ou acontecimentos-chave.
Outra forma é a de colocar os personagens principais sentados em torno de uma mesa onde conversam sobre planos militares (primeiro vídeo abaixo), focando uma representação abstrata dos exércitos em uma maquete do território. Por fim, há a forma mediante cinemáticas (segundo vídeo abaixo); a maioria é com gráficos in-game, alternando câmeras fixas, com pouca movimentação dos personagens, voice acting e uma direção de som pobre (há poucos sons do ambiente). Isso tudo, claro, a julgar pelo começo do jogo.
No visual durante a jogatina, podemos notar que, de modo geral, são bons gráficos para o Switch, mas não se pode negar que há texturas de baixa qualidade nos cenários de batalha e um tratamento de baixa qualidade para a água e as folhagens. Também cabe comentar que as animações são geralmente um pouco rígidas, como já um limitante de jogos táticos 3D anteriores da Lancarse, como Monark (Switch) e Lost Dimension (Multi).
Esses pontos visuais e de animação não são graves nos combates, pois é dada ao jogador uma visão aérea, mas eles se tornam mais notáveis durante as sessões de exploração com câmera em terceira pessoa dentro da propriedade do Lorde Herde. No mais, há um bom trabalho de efeitos visuais de iluminação e blur; eles dão mais encanto na apresentação dos cenários, não são exagerados, considerando o background da proposta, e ao mesmo tempo dão vitalidade e suculência às ações dos personagens.
Para terminar, a trilha sonora, composta por Ramin Djawadi e Brandon Campbell (compositores de Game of Thrones e de alguns jogos com ênfase em guerra, como das séries Medal of Honor, Warcraft e Gears). Nas peças do começo do jogo, já se pode ver uma escolha por composição orquestral homofônica em estilo romântico e suave, servindo bem para colorir discretamente cenas dramáticas. São também notáveis aspectos do estilo de Djawadi para Game of Thrones — a exemplo da abertura da série —, dando ênfase a sons graves em corda e percussão, andamento lento ou moderado, harmonia que prolonga tensões e elegantes melodias sutis e alongadas.
Um gameplay acessível, dinâmico e customizável
O gameplay pode ser resumido em dois momentos: interações com NPCs e combate de SRPG em tempo real. A parte de interação se dá em um local à parte, como em Fire Emblem: Three Houses (Switch), porém sem elementos de dating sim, pescaria e atividades cotidianas. No lugar disso, The DioField Chronicle vai direto ao ponto, o que é positivo para otimizar o tempo dos fãs de SRPG. O cenário de exploração não é muito grande, e quase todos os NPCs possuem uma função importante atrelada, como de vender itens, dar informações relevantes ou distribuir pontos de habilidades.
A customização de equipamentos não parece ser muito alta — há apenas quatro slots (arma, acessório, armadura e calçado) —, mas já é uma maior complexidade em comparação a Triangle Strategy e vários outros RPGs táticos ultimamente. Onde parece haver uma customização mais interessante é nas árvores de habilidades, que são quatro: uma para corpo-a-corpo, outra para longo-alcance, outra para magia e outra para furtividade.
Essas árvores de habilidades estão diretamente relacionadas à formação da equipe, que pode ter até quatro combatentes principais, cada qual representando uma dessas linhas de combate. Como suporte a cada uma dessas unidades, é possível escalar um segundo, que fica na retaguarda e pode ter golpes especiais alternados com ele, de forma semelhante como acontece em Fire Emblem: Three Houses em relação aos batalhões de suporte.
No campo de batalha, tudo se passa em tempo real, mas com a possibilidade de pausar para comandar as unidades, como na série Baldur’s Gate, com a diferença de que só é possível escolher uma ação por cada pausa, tornando o ritmo mais quebrado. O Design de UX/UI lembra também um pouco Final Fantasy XII, como pela forma de pausar, alternar personagens e usar linhas de cor (vermelho, verde e azul) para indicar alvo de ataque, cura ou suporte defensivo.
A interface comunica bem pontos de vida e de habilidade e outros status, com reminiscências de jogos da Lancarse. O sistema de batalha é definido como Real Time Tactical Battle (RTTB), e mescla estratégia em tempo real (RTS) com RPG, em vez de RPG com estratégia tática baseada em turnos (TBT).
Contudo, os elementos de RTS são abordados com poucas unidades em um cenário restrito, daí de se inclinar a uma experiência tática, tal como em Shadow Tactics: Blades of the Shogun (Multi). Tudo isso confere um dinamismo interessante ao jogo, bem como desafio de tempo de reação, e começam a ser mais bem aproveitados já no final da demo.
Os maiores defeitos por enquanto estão na IA, que é muito simplória e fácil demais de manipular, e no level design, que ainda não mostrou muita engenhosidade. Os cenários até agora possuem alguns poucos objetos interativos, como explosivos e barricadas, mas o campo é praticamente plano, limitado, os caminhos são largos e há algumas poucas unidades inimigas que ou estão plantadas em lugares desde o início — podendo ser vistas em visão panorâmica — ou surgem de repente nos locais.
Vale mencionar, por fim, que o jogo possui um tutorial não tão denso como Fire Emblem: Three Houses, embora requeira um certo tempo para que o jogador se acostume com os controles e o ritmo de pausas. Ademais, há importantes aditivos de qualidade de vida, como de poder registrar pontos de save em diferentes momentos durante o combate tático, não precisando retroceder desde o início, caso algum plano não tenha dado certo.
Conclusões preliminares
Do ponto de vista de orçamento, The DioField Chronicle é uma das obras mais ambiciosas da Square Enix em SRPG desde muito tempo, e é natural que queira atingir um público amplo. Sua estratégia é muito boa, traz um audiovisual ao mesmo tempo não muito caro, mas bem executado, satisfatório para os padrões do Switch, e com elementos atrativos tanto aos ocidentais quanto aos japoneses.
O roteiro procura ser sério sem ser muito complexo, enquanto que o gameplay, acessível e versátil, possui apelo tanto a fãs de longa data de táticos quanto àqueles que não gostam de dinâmica em turno. Há sim alguns defeitos aparentes e pontos em que se pode ficar com um pé atrás, mas mais parece que terminará sendo um concorrente à altura de Triangle Strategy para concorrer a premiações de Melhor Jogo de Simulação/Estratégia de 2022.
Revisão: Thais Santos