Endling - Extinction is Forever (Switch): Conversamos com o compositor Manel Gil-Inglada

Em entrevista exclusiva ao Nintendo Blast, Manel fala sobre as particularidades de composição em videogames e suas escolhas musicais para a proposta.

em 27/08/2022

Tematizando um dos mais graves problemas deste século, a preservação ambiental, Endling - Extinction is Forever (Switch) é um jogo indie de adventure e simulação com elementos de stealth em torno da luta diária de sobrevivência de uma raposa e seus filhotes em meio a um contexto de desmatamento, poluição, pobreza e exploração ambiental. Em minha análise no Game Blast para esse adventure, avaliei sua parte musical da seguinte maneira:
“A parte da trilha sonora, composta por Manel Gil-Inglada, é particularmente encantadora e elegante. Embora não muito variada, e simples em alguns aspectos, a OST é muito adequada tanto como música ambiente interativa, fundindo-se dinamicamente à atmosfera, quanto também como música de fundo, quando se sobressai em momentos emocionantes de adrenalina. Em estilo cinematográfico minimalista, dando preferência a cordas, percussão e efeitos de eco, as melodias tendem a ser espaçadas, claras e sutis, com uma harmonia romântica sólida, com ênfase a tons menores, e bem-feitas incidentais dissonâncias e vibrações para momentos de tensão.”
Para a proposta sensível de Endling, a imersão audiovisual é fundamental, e não por acaso a trilha sonora se destaca nesse jogo. Para compreender melhor o trabalho musical desse título, conversei com Manel Gil-Inglada, o compositor que trabalhou neste game, desenvolvido pelo estúdio espanhol Herobeat Studios e publicado pela HandyGames.

Entrevista

Nintendo Blast: Gostaria de começar mencionando algo mais geral sobre sua carreira. Você tem um estilo que permeia todo o seu trabalho, ou seu estilo muda muito de acordo com a temática do projeto para o qual você está compondo? E quais compositores (clássicos e populares) mais inspiram seu dia a dia?

Manel Gil-Inglada: Em geral, os ouvintes tendem a reconhecer algo de mim em minhas trilhas sonoras. Isso geralmente é motivado por várias coisas: as harmonias recorrentes em meu trabalho, as mudanças de tom via troca modal, quase nunca diretamente, as combinações de assinaturas de tempo regulares com assinaturas de amálgama, a instrumentação recorrente e/ou minhas orquestrações, etc. Claro, desde que o “gênero” e o projeto audiovisual não exijam uma sonoridade específica que esteja longe das minhas preferências. Por outro lado, é mais fácil ouvir aquele cunho pessoal nas minhas trilhas sonoras de filmes de animação nos quais tenho grande experiência.

As minhas referências são muitas, de clássicos como Claude Debussy a Igor Stravinski, sem esquecer Mozart ou Bach, a grandes compositores de bandas sonoras como Jerry Goldsmith, o meu admirado Ennio Morricone, John Williams ou o meu inspirador Danny Elfman, entre muitos outros.


NB: Percebi que você tem muita experiência com suas próprias músicas e também compõe para filmes, mas parece que esta é sua primeira vez compondo para videogames. O que você acha que é diferente em compor e produzir música para jogos?

MGI: A grande diferença na composição para videogames está em seu caráter não linear e aberto, em oposição à estrutura baseada em uma filmagem fechada dos filmes O fato de que a história possa mudar com base nas decisões tomadas pelo jogador pode e deve determinar como a trilha sonora é desenvolvida. Para mim, isso torna as trilhas sonoras de videogame muito interessantes na hora de planejar e desenvolver todas as possibilidades que essa natureza aberta implica.

NB: Endling - Extinction is Forever é um jogo emocionante sobre temas ecológicos. Você acha que, além da emoção do jogo, a música consegue capturar o tema ecológico de alguma forma?

MGI: Espero que sim e acho que é isso que estamos tentando fazer, dando-lhe um caráter muito orgânico por meio do uso de um grande número de instrumentos acústicos. Daqueles que presumivelmente deixam menos pegadas no planeta.


NB: Uma coisa que notei é que o jogo tem tendências românticas, como expressão melódica, homofonia e mais ênfase nas cordas, além de um pouco de percussão. Você tem preferência por instrumentos de cordas ou por um tipo específico de harmonia?

MGI: A primeira coisa é que, para mim, como na grande maioria das minhas trilhas sonoras, a melodia desempenha um papel muito importante. Praticamente, além dos dois grandes temas do jogo, "Em um futuro não tão distante", com todas as suas variações que representam aquele mundo distópico, e "Abrigo", ou ainda o tema da Família Fox, também com todas as suas variações, todos os personagens têm tema ou leitmotiv próprios.

As harmonias mudam dependendo das circunstâncias, da narração e das emoções. E certamente as melodias não costumam ser harmonizadas com vozes, mas geralmente são em uma só voz, sem frescuras e fáceis de lembrar.

Quando comecei a compor e gravar os violões que eu mesmo toquei, vi que estes, tanto acústicos quanto elétricos, combinados com cordas, violoncelo, violino e percussões diversas, constituíam um universo musical certamente minimalista, mas muito eficaz dentro do jogo. Isso, ao mesmo tempo, me permitiu resolver a trilha sonora de forma mais autônoma enquanto desfrutava de sua interpretação, mas também adoro trabalhar com grandes orquestras e todos os seus instrumentos.

NB: Uma coisa que eu gosto de ver sobre música em jogos é como uma composição se transforma em outra. Às vezes, é interessante criar uma pausa repentina; em outras, é preferível ter uma transição sutil, e isso nos jogos às vezes é dinâmico, pois depende de onde o jogador está e o que está fazendo. Como você imaginou a variedade de suas músicas em termos de transição de uma para outra?

MGI: Este foi um grande trabalho de equipe, primeiro com Mario Crespo como designer de som e primeiro encarregado de definir as necessidades musicais do jogo, e acima de tudo com Pablo Rodríguez-Tembleco, como diretor de áudio e responsável pelo design narrativo.

NB: Você se inspirou em outras trilhas sonoras de videogames ou filmes para Endling? Se sim, poderia citar alguns?

MGI: Gosto muito do trabalho de Gustavo Santaolalla para The Last of Us (PS4/PS5/PC), assim como admiro o trabalho de Austin Wintory, em Journey (Multi), embora esteja além do que Endling precisava.

NB: Percebi que o jogo usa alguns sons ligeiramente dissonantes para momentos tensos, nos quais alguns sons incomuns semelhantes a acordeões são produzidos. Além dos instrumentos tradicionais, que tipo de outros dispositivos você usou para produzir sons?

MGI: Usei muitos instrumentos de cordas para criar esses sons: um erhu, um dulcimer, um santoor, uma autoharpa e um violino, além de muita percussão curvada como címbalos diferentes, uma tigela tibetana ou metais variados. Ainda toquei darbuka, timbal ou tambor tenor, glockenspiel, melódica e acordeão, mas muitos deles para obter esses sons de aspectos dissonantes.


NB: Como músico, qual é o seu instrumento principal?

MGI: O violão.

NB: Com quais outros músicos você trabalhou? Como foi a experiência de trabalhar com eles e também com os outros desenvolvedores de jogos (diretor de som, diretor de arte, etc.)?

MGI: Bem, tivemos a sorte de ter Tina Guo no violoncelo, muito conhecida pelos fãs de videogames e trilhas sonoras, além de Rusanda Panfili, no violino, que marcam presença nas últimas turnês de Hans Zimmer. Por outro lado, Pablo Rodríguez-Tembleco assina algumas canções diegéticas da trilha sonora e toca a flauta doce ou gravadora. Júlia Vila coloca sua voz maravilhosa nas músicas interpretadas pela personagem da menina refugiada, assim como na música dos créditos finais.

O trabalho com todos eles foi excelente, assim como com Javier Ramello e Pablo Rodriguez, "almas mater" deste fantástico game.

Você já jogou Endling - Extinction is Forever (Switch)? Caso se interesse pela sua proposta, não deixe de dar uma olhada em nossas análises no Nintendo Blast e no Game Blast. Vale também salientar que você pode adquirir separadamente a OST de Endling no Steam. Caso já tenha jogado Endling ou ouvido sua trilha sonora, o que achou das músicas do jogo? E o que achou das escolhas do compositor da equipe da Herobeat Studios? Deixe nos comentários abaixo. Para contato ou mais informações sobre Manel Gil-Inglada, confira seu site ou siga-o no Twitter.
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
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Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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