Chegou o dia dos pais, uma data criada no Brasil por interesses de mercado, mas isso não significa que precisamos vivê-lo dessa forma. Mesmo que a paternidade idealmente seja uma vivência diária, é importante que haja um momento separado para pensar e sentir a relação de forma mais consciente, com a mente fincada no presente – o presente do tempo, não o comercial. Jogar junto com alguém – da família ou não – está entre as várias formas de viver, reforçar e celebrar as relações humanas. Quando jogamos juntos estabelecemos uma conexão com o outro, praticamos a comunicação, compartilhamos objetivos, desafios e dificuldades, dividimos as derrotas e somamos as vitórias e as superações. A diversão e a satisfação deixam de vir apenas do jogo e passam a fluir também da diversão e satisfação da outra pessoa. O encontro por meio do jogar juntos é muito significativo.
Tempo de qualidade é essencial |
Por hoje, falaremos de H e nossa jogatina de Mickey to Donald: Magical Quest 3 (Super Famicom) e Goof Troop (SNES).
Trocando de roupa na Terra das Histórias
Eu jogo bastante com H, mas quando ele tinha 5 anos decidi procurar algo específico para o dia dos pais e encontrei a resposta no passado: jogamos Mickey to Donald: Magical Quest 3. Ele representava o meu sonho de um dia jogar com meu pequeno player 2 e achei que o dia dos pais era uma boa ocasião para finalmente realizá-lo. Tenho uma carga nostálgica de jogar Mickey to Donald com meus primos que tinham o cartucho japonês, já que o jogo não saiu para o SNES no ocidente (mais tarde, houve uma versão ocidental de GBA). Sempre o jogávamos em dupla e a união contribuía para aumentar ainda mais a qualidade da obra. Por isso, o jogo ficou internalizado em mim como algo essencialmente multiplayer, ao ponto de eu jamais ter pensado em jogar o primeiro da trilogia, The Magical Quest: Starring Mickey Mouse (SNES), que serve a apenas um jogador.
O próprio enredo de Mickey to Donald tem uma atenção às crianças: os sobrinhos de Donald são levados pelo Rei Bafo de Onça (King Pete, se preferir) através de um livro mágico até a Terra das Histórias. O furioso Donald não pensa duas vezes para ir ao resgate junto com seu amigo Mickey. Ok, o mote do resgate foi usado à exaustão em videogames, mas não é apenas o enredo que estabelece a narrativa. A história em Mickey to Donald acontece pela viagem por diferentes terras até chegar ao castelo do rei Bafo, temperada pela atmosfera disneyana de aventura, perigo e mistério produzidas pelos visuais e pela música.
Cada área tem duas fases diferentes com chefes distintos: a primeira fase da cidade começa com um festival da colheita e segue com uma gôndola num canal até enfrentar um peru (que, junto com o milho da colheita, faz referência ao Dia de Ação de Graças dos EUA). O cenário de fundo da segunda fase mostra que lentamente nos afastamos da área urbana, enquanto, no primeiro plano, Mickey e Donald passam pelos escombros de uma ponte arruinada que atravessa o lago, o que é perfeito para mostrar algumas peculiaridades das roupas recém adquiridas: o barril de Donald flutua na água, mas Mickey perde a habilidade de nadar e afunda em sua armadura pesada. Ao contrário do jogo anterior, essas roupas são distintas para cada personagem e possuem habilidades diferentes entre si, o que muda a forma de jogar e oferece um pouco de fator replay. Infelizmente, as outras roupas não seguem esse avanço de jogabilidade: as de escalar são iguais entre si e as de mágica têm diferenças pequenas.
Não é um jogo tão fácil ao ponto de se ter a certeza de terminar na primeira vez, mas também não exige grande precisão e agilidade que impeçam uma criança de jogá-lo. Como é curto, de 1 hora e meia a 2 horas de duração, não tem sistema de salvamento, mas generosamente oferece a opção de passwords fáceis (apenas quatro imagens) para retomar a partir da fase que preferir. Outro ponto importante é que o jogo tem escolha de dificuldade no menu (em japonês, é a primeira opção) que aumenta as chances dos jogadores sem mexer no desafio das fases.
Todos os modos dão 3 vidas, mas as opções determinam a quantidade de corações de saúde: o normal tem 3, o difícil diminui para 2 e o fácil aumenta para 5, o que recomendo até para os adultos, ainda mais se jogarem com crianças. É preciso notar que o sistema de vidas também é cooperativo: se um jogador perde todas as suas, pode retornar à partida consumindo 1 das vidas do outro jogador, o que deve ser combinado previamente para não gerar confusão. A alternativa é o jogador sobrevivente alcançar a fase seguinte, o que traz o jogador derrotado de volta com uma vida gratuita.
Dessa forma, o jogo favorece diferentes níveis de habilidade e distribui responsabilidades de acordo com as capacidades individuais ao permitir que o mais experiente dos dois acumule um estoque de vidas para o companheiro e possa levar o progresso adiante. Ainda assim, você vai perder muitas vidas e agradecer pelos vários “continues” oferecidos porque há um fator que o deixará furioso como o Donald: se um dos jogadores avança na fase para cima e a tela o acompanha em movimento ao ponto do outro jogador sumir da vista, o sumido perderá uma vida – isso acontece o tempo todo, então é bom se comunicar bem para que a dupla prossiga no mesmo passo.
Chegando ao final, nos últimos momentos da batalha contra o rei Bafo, eu perdi a última vida e disse para H: “agora tá contigo, acerte ele!”. Ele ficou orgulhoso de ter garantido nossa vitória, apesar de estar sozinho e ser o menos habilidoso.
“Pateta e Max, a dupla que é demais!”
No dia dos pais seguinte, quando H tinha 6 anos, pensei em jogar outro co-op Disney feito pela Capcom (o som que acompanhava a logo da Capcom aquece o coração). O escolhido foi Goof Troop (SNES) e um dos motivos é que eu não o jogava bem quando era criança e nunca fui nem mesmo até a segunda fase (se serve de desculpa, o cartucho era dos meus primos). Isso significa que Goof Troop tem outro nível de complexidade.
É um jogo bem diferente dos seus pares porque, em vez de ser de plataforma lateral, Goof Troop tem a visão de cima típica dos primeiros Zeldas, mas não é só isso que o aproxima do jogo da Nintendo. A estrutura é assim: cada tela de cenário é estática e o jogador vê de imediato todo o local e seus obstáculos, inimigos, objetos e itens, o que permite algum planejamento. As fases não são totalmente lineares e as telas são organizadas como uma dungeon que o jogador desbrava à procura de chaves que destravam as áreas trancadas até finalmente encontrar a chave que dá acesso ao chefe da fase. Clássico design de Zelda, certo? A maior parte da ação consiste em desviar dos inimigos, agarrar e arremessar objetos para derrotá-los e resolver puzzles, que são o prato principal do jogo. A maioria dos puzzles é de empurrar/chutar caixas (herança de Sokoban (PC), também compartilhada por Zelda) e apertar botões na ordem correta, ou ainda de usar o gancho no local adequado para passar – sim, é basicamente o mesmo gancho, Link deve tê-lo perdido por aí.
É nos puzzles que está o desafio maior e H até resolveu alguns, mas a solução geralmente cabia a mim, que tive que dar as direções. Para que ele participasse, eu o deixava tentar primeiro, chutar algumas caixas e dar opinião quando o puzzle estava na metade e ele entendia qual deveria ser o próximo passo. Não tem problema se a solução está errada: sair da tela e voltar reinicia o puzzle. O combate não é especialmente difícil, mas, assim como nos puzzles, eu tive que carregar as lutas contra chefes quase sozinho – a tarefa do meu filho era tentar sobreviver e atacar quando eu mostrava a oportunidade.
As vidas funcionam de maneira distinta: o jogador começa sem corações de saúde e cada dano recebido consome uma vida. Calma, a saúde será aumentada à medida que encontra as muitas frutas ou jóias jogadas por toda parte, até o máximo de 6 corações de saúde que absorvem o dano. Quando consegue o equivalente a 7, em vez de adicionar outro coração, o jogador ganha uma vida extra e a contagem recomeça, o que significa que, por estar sem corações, agora está novamente vulnerável a perder aquela vida obtida e deve aumentar os corações o quanto antes para ficar seguro. Caso perca todas as vidas, há uma quantidade limitada de continues, mas mesmo quando eles acabam não há problema: o jogo te leva à tela inicial e, se entrar na opção Password, lá estarão prontinhas as 5 imagens da senha que te leva de volta à fase que o derrotou.
São apenas 5 fases e levamos cerca de 20 minutos em cada uma. É um jogo curto, mas não sinto que precisava de mais fases. Isso quer dizer duas coisas. A boa é que a experiência de jogo nos satisfez porque explorou bem aquilo que tem a oferecer de gameplay. A ruim é que falta identidade visual e temática, de forma que não senti o desejo de que houvesse mais daquele mesmo material como eu gostaria que Magical Quest 3 tivesse mais trajes e mais fases. Veja bem, Goof Troop é baseado numa série animada de mesmo nome (A Turma do Pateta, aqui no Brasil) na qual Pateta e seu filho Max moram em uma casa de subúrbio ao lado da família de Bafo de Onça e as histórias são urbanas e domésticas, focando na relação de conflito e amizade entre os vizinhos.
Para transformar isso num jogo de aventura, a Capcom tramou a seguinte desculpa: Pateta e Max foram pescar no mar, quando, de repente, viram Bafo e seu filho BJ (originalmente, Pete e PJ) serem levados com barco e tudo por um navio pirata (!?) até uma ilha ao longe. Oba, mais um jogo sobre resgatar pessoas raptadas... Há uma pequena reviravolta, mas a história é basicamente essa. Não é como se eu esperasse uma trama elaborada, mas, fora a aparência dos personagens, não há qualquer conexão ao material que deveria servir-lhe de base. Se trocar os sprites de Pateta, Max, Bafo e BJ por quaisquer outros, o jogo ainda seria exatamente o mesmo: um bom jogo de tema genérico de piratas.
Esse problema é maior no visual. Os sprites de personagens são bons o bastante, mas os cenários não têm qualquer destaque: são uma praia genérica, um castelo genérico, uma caverna genérica, um navio genérico, todos com inimigos repetitivos. Embora a visão aérea dificulte a estética de Goof Troop (afinal, a maior parte do que vemos é apenas o chão e as paredes em perspectiva), falta-lhe a personalidade estética da série Magical Quest, que tinha maior requinte visual desde seu primeiro jogo, de 1992 – ou seja, um ano antes da vez de Pateta e Max embarcarem em sua aventura.
Isso não deve ser motivo para deixar Goof Troop passar porque o principal é a jogabilidade que se sustenta bem e diverte, ainda mais se for numa tarde tranqüila de 2-player co-op. Pela brevidade e por suas muitas chances, tanto Mickey to Donald: Magical Quest 3 como Goof Troop são boas opções para fechar com crianças em um dia especial. Este ano incluiremos D, nosso player-3, então continuaremos jogando Stardew Valley (Multi), mas esse jogo, entre vários outros, será assunto para outras partes que virão daqui a algumas semanas!
Jogando com crianças
Nintendo Blast
- Dia dos pais com Goof Troop e Mickey to Donald: Magical Quest 3
- Jogando com crianças — parte 1: primeiros passos com Yoshi e Kirby
- Jogando com crianças — parte 2: cooperação e desenvolvimento humano
- Jogando com crianças — parte 3: como a Nintendo é passada de uma geração de jogadores para a outra
- Chrono Trigger completou 28 anos e é uma ótima história para contar às crianças (feat. Donkey Kong Country 2)
- Stardew Valley: Dia dos Pais na fazenda em co-op com a família toda
GameBlast
Revisão: Thais Santos