Sonic The Hedgehog 4 (SNES): o romhack que levou o ouriço da Sega ao console da Nintendo

A história de quando Sonic salvou Mario no México com a ajuda de peruanos.

em 05/07/2022

Houve um tempo em que exclusividade era coisa séria. Um jogo do Sonic não tinha a menor possibilidade de ser lançado para um console que não fosse da Sega, enquanto Kratos só derramaria o sangue dos deuses em um aparelho da Sony.


Hoje é diferente. Podemos encontrar a logo do Xbox Studios em diversos lugares, e os games de PlayStation chegam ao PC e até ao Switch. A Nintendo é o último bastião dessa outra época: o único passo fora de um console proprietário que suas franquias dão é quando aparecem em títulos pensados diretamente para o mobile.

No auge da rivalidade dos anos 1990, portanto, o ouriço azul da Sega jamais apareceria em um console da Big N. Ainda assim, a partir de 1996, começou a circular um cartucho de Super Nintendo intitulado Sonic the Hedgehog ou, por vezes, Sonic 4. Como isso foi possível?

Conexão latino-americana


Um grupo de hackers peruanos, que havia começado a trabalhar com programação em um Commodore 64, fundou o Twin Eagles Group. Enquanto a Tec Toy fazia modificações autorizadas aqui no Brasil, o TEG pegava jogos oficiais e pirateava com outros títulos e personagens.

Foi assim que o Super Nintendo recebeu um game de Bananas de Pijama e os jogadores de N64 puderam curtir Ronaldinho Soccer 64. Mesmo recorrendo a nomes de forte apelo popular no período, o maior sucesso comercial do grupo foi mesmo Sonic the Hedgehog.

A base para o hack foi o jogo Speedy Gonzales: Los Gatos Bandidos (SNES), publicado pela Acclaim e estrelado pelo personagem mexicano dos Looney Tunes conhecido aqui no Brasil como Ligeirinho. A escolha fazia sentido: o protagonista é conhecido por correr em alta velocidade e o estilo de aventura com plataforma era fortemente inspirado nos jogos do Sonic.

Mario por todos os lados

Os sprites de Ligeirinho foram substituídos pelos do ouriço azul de Sonic the Hedgehog 2 (MD). A movimentação, contudo, é a do jogo base. Por isso, o protagonista ganha uma habilidade inexistente em seus jogos de origem: aqui ele chuta os inimigos. Com um alcance limitado, essa mecânica é uma involução do básico ato de pular sobre a cabeça dos inimigos.


Abismos e fossos com espinhos também estão presentes aqui. Porém, diferente dos jogos do azulão da Sega, que estimulavam a correria desenfreada, aqui há placas como as de trânsito prevenindo sobre o perigo e dando tempo de frear. A dificuldade, portanto, é menor e até involuntária: as mortes acontecem mais pela imprecisão do pulo.

Esses problemas na realidade vêm do jogo do Ligeirinho, enquanto outras características são decorrentes da modificação. Notadamente, aqui as cores dos cenários são chapadas de vermelho e preto, perdendo todo o colorido presente em Los Gatos Bandidos.

A mudança mais significativa foi com os tradicionais check points. Em Speedy Gonzales, sua progressão na fase era salva ao resgatar ratos presos em gaiolas. No hack, os ratos foram substituídos pelo Mario, fazendo deste o primeiro encontro dos dois maiores mascotes dos videogames - ainda que não oficial. Como haviam vários check points, Sonic liberta diversos Marios (ou seria o mesmo Mario várias vezes?) durante as fases.

Aliás, a modificação utiliza apenas três estágios do jogo base, fazendo desta uma campanha curta. Após passar pela floresta, pelo castelo e pela base futurista, Sonic the Hedgehog encerra com a frase "Sonic ama a Nintendo, Mario ama a Sega", em contraposição ao clima de guerra que havia entre as empresas.

Parando para refletir


De certa forma, essa modificação possui muitos significados. A chamada console wars dos anos 1990 podia fazer sentido para as empresas que buscavam mais clientes. Considerando o sucesso que o cartucho pirata fez, os jogadores queriam mesmo curtir os títulos das duas gigantes do setor. Um crossover no estilo plataforma realizado de forma oficial poderia ter rendido algo incomparável na indústria, muito mais do que os encontros nos Jogos Olímpicos promovidos mais tarde.

Outro ponto a se pensar é que em 1996 os gráficos migravam para 3D, o que representou um desafio para as velhas franquias. Se Super Mario 64 (N64) foi um passo além para o gênero de plataforma, Sonic 3D Blast (MD) demonstrou a dificuldade da Sega em fazer a transição para a era dos polígonos. Algo que até hoje ainda não foi plenamente vencido pelo time responsável pelos jogos do ouriço azul.

O sucesso do Sonic 4 pirata do Super Nintendo foi um indicativo de que a fórmula clássica era o que o público ansiava. O fato de Sonic Mania (Switch) ter suplantado Sonic Forces (Switch) demonstra isso. Toda a atenção em torno do lançamento da coletânea Sonic Origins (Switch) também mostra o apelo das aventuras clássicas do ouriço.

Foi ruim, mas foi bom


Mesmo carecendo de maiores qualidades, o hack de Sonic para Super Nintendo é o símbolo de uma época em que a exclusividade era o padrão, em que os mascotes movimentavam o mercado e em que a transição para os polígonos ainda não estava completa, rivalizando com a força do 2D clássico. E, ao fim e ao cabo, era a entrega de um fan service imaginado por muitos.

Revisão: Cristiane Amarante
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Nascido no mesmo dia que Manoel Bandeira (mas com alguns anos de distância), perdido em Angra dos Reis (dos pobres e dos bobos da corte também), sob a influência da MPB, do rock e de coisas esquisitas como a Björk. Professor de história, acostumado a estar à margem de tudo e de todos por ser fora de moda. Gamer velho de guerra, comecei no Atari e até hoje não largo os mascotes - antes rivais - Mario e Sonic.
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