Eternal Darkness: Sanity’s Requiem (GC), uma jóia perdida que completa 20 anos

Uma mecânica inovadora e bem executada, mas que não conseguiu ganhar o grande público.

em 04/07/2022




Nintendistas são pessoas aficcionadas por uma empresa que esbanja franquias há mais de 35 anos. A cada console, é certo vermos novas iterações de grandes marcas como Mario e Pokémon. Outras franquias, porém, são sempre lembradas pelos fãs por serem insistentemente deixadas de lado pela Big N (F-Zero e Mother logo vêm à mente).


2022 marca os 20 anos desde que Eternal Darkness: Sanity’s Requiem chegou ao GameCube, extremamente elogiado pela crítica e recebendo inúmeros prêmios. Nada disso garantiu que o título ganhasse uma continuação ou sequer fosse relançado, permanecendo exclusivo do console de sexta geração da Nintendo.

Com baixas vendas, poucas pessoas experimentaram esse thriller psicológico, o que desestimula ainda mais um relançamento. Mas valeria a pena revisitar esta aventura desenvolvida por uma então estreante Silicon Knights? Acompanhe-me por sua própria conta e risco.

Como está a sua sanidade?


Uma estudante universitária retorna à propriedade da família depois que seu avô foi encontrado morto, brutalmente assassinado. Duas semanas depois, a polícia local ainda não encontrou o assassino, mas a mulher se depara com indícios e itens estranhos na mansão.

Dentre as descobertas está um grande livro antigo, amarrado com pele e ossos humanos, chamado Tome of Eternal Darkness. Nele estão contidas informações detalhadas de várias pessoas, cada uma lidando com seus próprios problemas e artefatos em diferentes épocas.

Sanity’s Requiem convida o jogador a vivenciar as histórias desses 12 personagens, algo incomum nos idos de 2002. Essa decisão traz uma variedade ímpar de jogabilidade e de ambientação, passando por locais como a Pérsia antiga, um templo no Camboja e uma catedral na França, além da mansão da família da universitária em Rhode Island, Estados Unidos.


Para além de diversificar os cenários, são 12 possibilidades de histórias, cujo fator psicológico é o foco. Nesse sentido, o maior diferencial do jogo é a barra de insanidade. Esse medidor localizado no canto superior da tela indica o nível de tensão do protagonista; quando a barra atinge o limite, coisas inusitadas podem acontecer. Desde uma mensagem falsa pregando uma peça, como a frase "Parabéns, você completou o game”, até situações perturbadoras, como ver a si próprio desfazendo-se em pedaços.

Se a ambientação e o enredo por si só já mergulham o jogador num clima de perigo, a tensão é elevada à enésima potência com a presença constante da barra no alto da tela e a angústia de não saber quais efeitos macabros surgirão. Enquanto alguns apelam mais para o lado do terror, como o teto sangrando, outros buscam quebrar a quarta parede e afetar de fato o nosso psicológico: o volume pode diminuir sozinho, a tela da TV pode apagar ou aparecer uma mensagem de que os dados foram corrompidos e que o cartão de memória deve ser formatado.

Os chamados Efeitos de Sanidade constituem um aspecto único e perturbador em Eternal Darkness, fazendo o jogo se destacar e muito dentro do gênero do horror. A Nintendo percebeu o potencial do recurso e patenteou o conceito, garantindo a exclusividade para usos futuros que, infelizmente, nunca ocorreram.

Quando o horror da ficção e o terror da vida real se encontram


Desenvolvido pelo estúdio canadense Silicon Knights, a previsão era lançar Sanity’s Requiem ainda no Nintendo 64. Seu conceito inicial foi apresentado na edição de 1999 da E3, porém, o jogo sofreu diversos adiamentos.

Na E3 de 2001, o jogo reapareceu completamente portado para o GameCube, console que seria lançado naquele mesmo ano. Eternal Darkness, no entanto, teria que ser adiado mais uma vez. Com boa parte da história se passando no Oriente Médio, surgiu uma preocupação sobre a abordagem que a cultura árabe receberia no título após os ataques às Torres Gêmeas em 11 de setembro. Por isso, um novo retrabalho foi necessário e um dos personagens jogáveis, que seria um cavaleiro templário, acabou cortado da versão final, bem como parte da trama.

Por fim, o título foi lançado em 24 de junho de 2002, três meses depois de Resident Evil Remake. Com dois títulos de temática de terror e sobrevivência, esse foi um período que afetou a percepção do público sobre o GameCube, até então visto como um console “family friendly”. Eternal Darkness: Sanity’s Requiem marcou um reposicionamento importante da Nintendo, entrando para a história como o primeiro game publicado pela empresa que recebeu classificação M ("Mature”, considerado inapropriado para menores de 17 anos).

Efeitos de Sanidade

Curiosamente, a Nintendo procurou um meio inusitado de promover o jogo. Em parceria com a produtora de cinema Hypnotic, foi realizado um concurso de curtas nos quais os diretores deveriam evocar o mesmo tipo de terror psicológico abordado no game. O vencedor foi Patrick Daughters, com o filme Unloved (Mal Amada). A partir de 2003, Daughters passou a dirigir clipes musicais de artistas como Kings of Leon, Death Cab for Cutie, Muse, Depeche Mode, Feist e Adele.

Apesar dos esforços, mundialmente, Eternal Darkness vendeu menos de meio milhão de cópias, levando a Nintendo a cancelar uma sequência. A Silicon Knights ainda produziu um remake de Metal Gear Solid: The Twin Snakes (GC), utilizando o mesmo elenco de vozes de Sanity’s Requiem para a dublagem em inglês.

A desenvolvedora faliu após uma disputa judicial com a Epic Games pelo uso da Unreal Engine 3. O fundador, Denis Dyack, durante anos deu declarações sobre um possível retorno da franquia, até que em 2013 decidiu desenvolver um sucessor espiritual, intitulado Shadow of the Eternals. Até o presente momento, porém, o projeto não teve maiores novidades.

Uma jóia perdida no tempo


Eternal Darkness: Sanity’s Requiem é um exemplar único de uma nova mecânica muito bem executada em um gênero dificilmente relacionado à Nintendo. Aclamado pela crítica, defendido por seu criador e com interesse inicial de Hollywood e da própria Big N de levar essa ideia além, o título permanece como uma jóia rara perdida no GameCube e sem sinais de relançamentos, remakes ou continuações. Tal qual o livro que conduz sua trama, o jogo aguarda a coragem de alguém que queira desvendar seus mistérios.

Revisão: Janderson Silva

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Nascido no mesmo dia que Manoel Bandeira (mas com alguns anos de distância), perdido em Angra dos Reis (dos pobres e dos bobos da corte também), sob a influência da MPB, do rock e de coisas esquisitas como a Björk. Professor de história, acostumado a estar à margem de tudo e de todos por ser fora de moda. Gamer velho de guerra, comecei no Atari e até hoje não largo os mascotes - antes rivais - Mario e Sonic.
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