Análise: Yurukill: The Calumniation Games (Switch) mescla gêneros diferentes e entrega uma aventura inusitada

Infelizmente, a performance do jogo no Switch deixa a desejar, mas ainda é um prato cheio para fãs de shoot ‘em ups.

em 02/07/2022

Yurukill: The Calumniation Games é o tipo de jogo que, à primeira vista, a gente olha e pensa “mas será que vai dar certo?”. De fato, parece uma coisa de louco misturar os gêneros shoot ‘em up e escape-the-room em uma história contada em forma de visual novel.


Contudo, levando em consideração que o roteirista do jogo desenvolvido pela G.rev é Homura Kawamoto, autor de Kakegurui — que é uma obra que por si só nos faz questionar a capacidade de storytelling em situações nem um pouco normais —, temos em Yurukill o repeteco dessa fórmula. O resultado é um incrível jogo de aventura cheio de mistérios e reviravoltas que consegue, de certa forma, abraçar três gêneros diferentes, mas sem deixar de lado o que realmente importa: o shoot 'em up.

Yurukill!

A narrativa começa com um grupo de seis pessoas acusadas injustamente por crimes que não cometeram acordando em celas dentro de um navio a caminho de um parque de diversões chamado Yurukill Land. Se elas já não entendiam o que estava acontecendo até então, a história fica ainda mais absurda quando Binko, uma misteriosa mulher que esconde seu rosto com uma máscara de raposa, explica que elas ganharam uma segunda chance de ser absolvidas por seus crimes, porém apenas um desses participantes, agora chamados de Prisioneiros, terá essa oportunidade.

Binko logo explica aos Prisioneiros que eles devem concluir uma série de atrações temáticas em Yurukill Land e, para isso, precisarão formar grupos com seus Executores, as vítimas dos supostos delitos. Dessa forma, cinco equipes são formadas: Mass Murderers, com Sengoku Shunju e Rina Azami; Death Dealing Duo, com os gêmeos Futa e Raita Yamada e Kagura Kagutsuchi; Crafty Killers, com Gentoku Omuro e Izane Akegarasu; Sly Stalkers, com Hanaka Ichirin e Keiichi Oka; e Peeping Toms, com Allan Poe Akechi e Kristina Kobayashi. 

Qual equipe sairá vitoriosa dessa espécie de "Jogos Mortais" é um mistério, mas uma coisa é clara: a escolha desses Prisioneiros e Executores não parece ter sido por acaso.

Algo de errado não está certo

Para evitar spoilers — por motivos óbvios —, não mencionarei muitas informações a respeito da trama, focando mais nos elementos que compõem a jogabilidade de Yurukill como um todo. Os quatro primeiros capítulos seguem as equipes Mass Murderers, Death Dealing Duo, Crafty Killers e Sly Stalkers, nessa ordem, e em cada um deles descobrimos mais sobre os crimes envolvendo os Prisioneiros e seus Executores.

Essa parte da aventura segue o estilo escape-the-room, na qual precisamos decifrar diferentes enigmas para avançar na trama. Alguns deles são simples, outros exigem mais dedicação por parte do jogador, mas no geral são bem-elaborados. Na minha opinião, para um jogo que tem como foco o shoot 'em up, os quebra-cabeças também têm certo destaque, embora eu acredite que eles poderiam ser um pouco mais desafiadores.

Contudo, isso não quer dizer que eles sejam irrelevantes ou extremamente fáceis. Pode ser que para pessoas que gostam de passatempos como os das revistas Coquetel, os puzzles de Yurukill não sejam um grande desafio, mas, pelo menos no meu caso, como estou acostumada a desconfiar do óbvio, na maioria das vezes recorri às dicas que são disponibilizadas na hora de resolver os quebra-cabeças — e qual não foi a minha surpresa quando descobri que as respostas eram justamente o óbvio.

O jogo apresenta de tudo um pouco, de desafios de lógica (sobretudo matemática) a cifras (letras embaralhadas), nos mais diversos níveis de dificuldade. Se eu tivesse que escolher o tipo de enigma que mais curti durante a campanha, eu diria que foi o “círculo mágico”, no qual a soma das verticais, horizontais e diagonais sempre resulta no mesmo número.

Completar cada uma das salas de cada capítulo resulta em descobrir mais sobre os supostos crimes cometidos pelos Prisioneiros e como os Executores se relacionam a eles. Esse é um detalhe bem interessante da trama, que dá brecha a outro tipo de minijogo: a Maji-kill Time.

Durante a Maji-kill Time, Prisioneiro e Executor se enfrentam verbalmente, um tentando provar ao outro que está certo. A ideia por trás desse debate é evitar que o Prisioneiro seja executado, o que resulta em um game over, ao escolher as respostas mais adequadas às inquisições. Por mais que seja impossível evitar que a “intenção de matar” aumente a cada round, essa interação deixa a situação mais crível, de certa forma, e adiciona mais suspense à trama.

Uma vez concluída a porção escape-the-room do capítulo, os protagonistas chegam à Yurukill Judgement Arena, a partir da qual o jogo passa a mostrar a que veio: as partidas de shoot ‘em up.

Perdoar ou matar, eis a questão

Antes de abordar os tiroteios em si, quero fazer um adendo sobre o título do jogo e a frase que Binko adora repetir antes de começar o “jogo de navinha”: “perdoar ou matar”. Yurukill nada mais é que uma junção das palavras japonesas yurusu (赦す, perdoar) e kiru (キル, a pronúncia japonesa do verbo kill, matar); no entanto, encerro a explicação dessa curiosidade aqui, para não acarretar spoilers.

Voltando à Yurukill Judgement Arena, é nessa porção shoot ‘em up, curiosamente chamada de Yurusu or Kill, que Prisioneiro e Executor se enfrentam frente a frente. Ela é composta por quatro partes — Mental Quiz, Stages (STG), Synapse Prejudice e Mind Maze — e realizada em uma realidade virtual chamada de Brain Reality (BR).

Em Mental Quiz, uma rápida recapitulação do caso é feita e, para cada resposta correta, ganhamos vidas extras. A seguir, nos Stages, enfrentamos hordas de inimigos em três fases, sendo que, ao fim de cada uma delas, precisamos derrotar o Executor daquele capítulo.


Cada luta contra o Executor é composta de três etapas: uma troca de tiros regular, o Mind Wall e uma “revanche” do antagonista. Obviamente, é de suma importância prestar atenção nos padrões de luta do oponente, já que eles mudam de um STG para outro.

A etapa do Mind Wall consiste em derrubar os “escudos” para que possamos começar a parte de Synapse Prejudice. Esta é composta por uma espécie de jogo da memória, no qual precisamos escolher a evidência correta para a pergunta feita e, uma vez concluída, enfrentar o Executor pela terceira vez para avançar ao próximo STG.

A diferença crucial está no terceiro e último STG: depois de destruir a Mind Wall do Executor, entramos no Mind Maze, que, apesar do nome, não é realmente um labirinto. Essa parte do BR lembra bastante o Mental Quiz, mas com mais perguntas e opções de resposta. Uma vez concluído o Mind Maze, descobrimos a verdade por trás do incidente daquele capítulo e o Prisioneiro consegue, finalmente, provar seu ponto de vista ao Executor.

Dificuldades para todos os gostos

Dada a reputação da G.rev no desenvolvimento de shoot ‘em ups para arcades, é óbvio que Yurukill não seria exceção à regra. Todos os STGs dos capítulos são extremamente bem-executados e isso fica bastante claro nos níveis de dificuldade oferecidos pelo jogo: Easy, Normal e Hard. 

Além de a quantidade de inimigos em tela ser diferente dependendo do modo de jogo escolhido, seus padrões de ataques também mudam. Além disso, nos modos Easy e Normal, sempre que atingimos 20% de Outburst, automaticamente utilizamos uma Outburst Bomb para evitar uma possível derrota; inclusive, já começamos os STGs com 20% de Outburst nessas duas dificuldades, mesmo ao perder vidas.

O Outburst é um medidor que vai sendo enchido à medida que derrotamos os inimigos e coletamos os elementos verdes (que lembram códigos de programação) que eles deixam. Porém, como de praxe, a porcentagem recebida como Outburst varia de acordo com a complexidade dos inimigos abatidos.

Em adição ao efeito de evitar uma morte ao chegar a 20%, esse medidor permite que usemos tanto Outburst Shots quanto Outburst Bombs, tiros mais potentes e devastadores. Enquanto o tiro consome a porcentagem conforme é usado, ao usar a bomba essa porcentagem é zerada, mas, em compensação, ela elimina todos os oponentes na tela e causa um bom dano aos chefes dos STGs.


O Easy conta ainda com um aumento gradual de dificuldade caso o jogador esteja indo muito bem na partida. Pode-se dizer então, de certa forma, que é a dificuldade perfeita para quem não tem muita afinidade com shoot ‘em ups e, na minha opinião, é a que mais se assemelha à experiência de jogar em um arcade.

Porém, o shoot ‘em up vai além. Como cada capítulo tem foco em um time específico, seria estranho se todos os Prisioneiros tivessem o mesmo tipo de jogabilidade; pensando nisso, a G.rev decidiu que cada um deles teria um foco diferente durante a ação.

Enquanto Sengoku é um piloto mais balanceado — não à toa, já que o primeiro capítulo serve mais como um tutorial —, Hanaka é a mais rápida dos Prisioneiros. Em contrapartida, Gentoku tem um tiro mais amplo, mas ao custo da velocidade de sua nave.

Se toda a ação da campanha parecer pouco, Yurukill ainda conta com um modo chamado Score Attack, no qual podemos revisitar os STGs já concluídos e tentar melhorar nossa pontuação. Para os fãs de uma competição, o jogo oferece um modo multiplayer online, chamado Ranked Score Attack, que permite que usemos o piloto que mais nos agradou durante a campanha. Apenas ressalto que, no momento de publicação desta análise, ele não está disponível, dado que o game ainda não foi oficialmente lançado.

O infame problema da portabilidade para Switch

Yurukill é um jogo incrível e até mesmo eu, que não sou fã do gênero, acabei me amarrando na jogabilidade dos STGs. Contudo, existem inconveniências em sua performance no Switch, que aparentemente não deu conta de segurar toda a ação.

A menor delas é o lag durante as animações em 3D, que provavelmente não conseguem ser totalmente processadas pelo console, até mesmo no modo TV. Apesar de levemente incômodas, elas não são prejudiciais à jogatina em si, já que são cutscenes que não comprometem a história do jogo.

Porém, esse lag, aliado a pequenos “engasgos” e atrasos, volta a se repetir em algumas porções dos diálogos e, sobretudo, na abertura de menus. Esse problema afetar as conversações é particularmente sério, já que por vezes perdi linhas importantes de história e explicações porque um personagem começou a falar e o texto não estava ali.

Durante o capítulo 4, encontrei mais um inconveniente: enquanto eu investigava a segunda sala do escape room, ao interagir com uma cadeira, um diálogo começou automaticamente. A tela mostrando o raio da mobília não sumiu, fazendo com que eu perdesse uma porção significativa da história.


Por sorte, abrir o histórico de diálogos remedeia parcialmente esses problemas, mas explicações sobre puzzles não podem ser revistas. Ou seja, se quisermos lembrar como chegamos a uma resposta específica, o único modo é abrir um arquivo de save e jogar tudo de novo.

Outro inconveniente é a inexistência de alterar a velocidade do texto ou, ainda, pular as cenas já vistas, como no caso de um game over. Para quem está acostumado com visual novels, a falta dessas opções pode tornar o jogo bem maçante, como foi no meu caso. Também me incomodou o fato de o salvamento do jogo não registrar aquele ponto específico do save, às vezes me obrigando a rejogar uma grande porção da história para chegar ao ponto em que eu estava. 

Contudo, Yurukill tem seus pontos fortes, que fazem com que o jogo ainda seja uma boa recomendação. Para começar, todos os personagens têm dublagem integral em japonês e o elenco traz grandes nomes, como Yuu Kobayashi (Noi, de Dorohedoro), Saori Hayami (Yor Forger, de Spy x Family), Takuya Eguchi (Loid Forger, de Spy x Family) e Tomokazu Sugita (Basophil, de Cells at Work!!).

O enredo é assinado por Homura Kawamoto, autor de Kakegurui, mangá cuja história gira em torno de uma hierarquia baseada em jogos de azar. Tal qual os quadrinhos de sucesso, Yurukill traz diversas reviravoltas e imprevistos — eu, particularmente, fui pega de surpresa em diversos momentos durante a jogatina. Além disso, a arte, principalmente a dos personagens, e as músicas fazem jus à atmosfera apresentada na trama, em particular as tocadas nas porções de shoot ‘em up.

Por fim, salvo as inconveniências mencionadas anteriormente, Yurukill tem uma excelente performance tanto no modo TV quanto no portátil do Switch.

Merecia mais que um 8

Yurukill: The Calumniation Games é, para fãs de shoot ‘em ups, uma excelente pedida, ainda mais por conseguir mesclar o gênero a outros, como visual novel para as porções de aventura e escape-the-room com puzzles e enigmas dos mais variados tipos. Tudo se encaixa perfeitamente dentro da história e a atmosfera, inclusas as artes e a trilha sonora, é bem-construída, isso sem mencionar a presença de grandes nomes da dublagem japonesa para dar vida aos excêntricos personagens.

Infelizmente, a performance no Switch elimina grande parte do potencial do jogo e muitos dos problemas neste port para o console híbrido comprometem a experiência como um todo. Desse modo, caso exista a possibilidade, talvez seja mais vantajoso jogar no PC ou no PlayStation, a não ser que a portabilidade seja um fator decisivo na escolha da plataforma.

Prós

  • História bem-elaborada com diversas reviravoltas e imprevistos;
  • Excelente ambientação, tanto com as artes quanto com a trilha sonora;
  • Dublagem integral em japonês com grandes nomes do ramo;
  • Performance satisfatória nos modos TV e portátil do Switch;
  • Shoot ‘em up com jogabilidades e dificuldades diferentes, incluindo os modos livre e multiplayer online;
  • Diversos puzzles e enigmas durante a exploração (escape-the-room).

Contras

  • Inconvenientes, como atrasos e lags, que comprometem a experiência como um todo;
  • Sem ferramentas básicas de visual novels, como pular partes já vistas e alterar a velocidade do texto;
  • O salvamento do jogo não marca o momento exato da ação;
  • O histórico de diálogos não mostra as explicações sobre os puzzles.
Yurukill: The Calumniation Games — PC/PS5/PS4/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela NIS America
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Também conhecida como Lilac, é jornalista e atualmente trabalha com assessoria de imprensa. Fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas.
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