Destinada a um fim trágico
Após a morte de sua mãe, Anastasia Lynzel foi criada por sua madrasta Evelina, uma figura de extrema relevância na corte por ser irmã do rei. Infelizmente, isso levou a garota a ser tratada de forma bastante hostil devido a uma série de fatores. Ela permanecia enclausurada em um porão da casa, impossibilitada de sair e até mesmo os seus alimentos eram restos da comida dos empregados.
Ao longo de anos de tortura, a sua própria alma definhou até um estado em que ela não conseguia nem ter ânimo para pensar em uma forma de escapar. Porém, um dia, uma oportunidade de ouro aparece: um dos príncipes está à sua procura. Esse encontro é a chance para Anastasia finalmente quebrar o ciclo de tortura e humilhação.
Conforme a história avança, Anastasia passa por momentos de esperança e de desespero até chegar em um fatídico final ruim. Diante de sua total incapacidade de mudar o destino cruel, a personagem descobre um dom especial: o Fatal Rewind, ou seja, a capacidade de voltar no tempo após a morte. Agora, ela terá a chance de tentar novamente, mas garantir que a sua história seja feliz demandará bastante trabalho.
Os quatro cavaleiros do coração de Anastasia
Após uma série de eventos, Anastasia se tornará mais íntima de vários personagens, sendo quatro deles especiais como potenciais interesses românticos e rotas de história. O primeiro deles é Crius Castlerock, o líder da ordem dos cavaleiros chamada Wings of Garuda. Ele está sempre com um sorriso no rosto e é bem sociável, mas a realidade é que sua postura costuma ser falsa e calculada para benefício próprio. Dentre as quatro opções, ele é o que está mais próximo de Anastasia já que, após aprender sobre os seus poderes de Fatal Rewind, a personagem se junta ainda criança à Wings of Garuda.
Um amigo íntimo de Crius é o inquisidor Tyril I Lister, famoso no reino de Hystorica por sua perseguição até mesmo cruel de pessoas acusadas de bruxaria. Em termos de personalidade, é possível até mesmo dizer que ele é o oposto total de Crius. Tyril age como se fosse uma pessoa fria, mas a verdade é que ele costuma usar a sua alta inteligência para tentar evitar a perpetuação de injustiças de forma pragmática. Isso também leva o personagem a fazer grandes malabarismos para expressar o que sente em algumas ocasiões tendo em mente que nem todo mundo consegue perceber suas intenções.
O trio de amigos estranhos é fechado com outro potencial interesse romântico de Anastasia, o jovem Zenn Sorfield. Atuando como detetive, Zenn é o personagem mais misterioso dentre os aliados da protagonista. É até difícil falar muito sobre ele por conta de spoilers, mas confesso que não saber nada sobre o personagem e sua aparência muito diferente do resto do elenco (que nem sequer tem outra pessoa não-branca) me chamaram bastante a atenção desde o início.
Por fim, o rapaz cuja rota é a última disponível é o príncipe Lucien Neuschburn, que também é uma das primeiras pessoas a estender a mão à protagonista na sua vida original. Os dois eram amigos de infância e Lucien tem uma grande admiração pela protagonista, nutrindo também um amor que não é nada sutil. O personagem era bastante tímido, mas depois da protagonista usar o Fatal Rewind, Lucien parece ter se tornado outra pessoa, muito mais firme e resoluta.
Em termos gerais da história, vale a pena destacar que, apesar de se tratar de um otome game (um jogo com protagonista feminina e múltiplos rapazes como interesses românticos), a obra é focada prioritariamente na resolução do conflito. O romance acaba sendo um elemento secundário, com poucas cenas e uma conclusão mais adequada do relacionamento de Anastasia com os rapazes sendo colocada como extras após o final.
A história faz com que cada um desses aliados seja uma rota temporária e obrigatória. Esse é um elemento importante para desenvolver todos os personagens, cujo carisma também se torna um motivador emocional para que o jogador queira ir até o final em busca de algo menos sofrido. Após os trechos iniciais da narrativa, o jogador pode escolher entre se aprofundar na história de Crius ou na de Tyril, porém será necessário passar por ambas e depois por Zenn e Lucien para poder lidar com a Bruxa da Ruína. Ou seja, apesar das ramificações temporárias, a história tem uma sequência majoritariamente linear para o final correto.
Durante as rotas, o jogador pode escolher formas de reagir aos eventos. Respostas corretas são marcadas com rosas vermelhas enquanto as erradas dão rosas pretas. Com o auxílio do registro de mensagens, dos saves e do flowchart da rota, é possível rapidamente voltar para o momento da escolha para garantir o final desejado. Apesar de existir um “final correto” para cada uma dessas micro-histórias, vale destacar que a narrativa é realmente uma sequência de rotas trágicas, como a Voltage havia apontado de forma implícita em sua divulgação do jogo.
De forma geral, a narrativa acaba optando por ser um pouco rápida demais, o que dá uma sensação de que faltou um pouco de desenvolvimento em alguns pontos. Mesmo assim, a condução geral é boa, especialmente no que tange o aspecto dramático. Em particular, gostaria de destacar a competência da obra em retratar os traumas psicológicos.
Apesar de Anastasia ter tido uma nova chance na vida, os eventos anteriores deixam marcas na personagem, sendo bem nítido como o tratamento que sofreu durante anos por conta de sua madrasta deixou feridas emocionais muito grandes. Isso colabora com a construção da protagonista, cujo esforço de superar os desafios se torna ainda mais memorável devido ao trauma e ao sofrimento. Também é importante salientar que, por se tratar de uma obra de fantasia, há vários elementos culturais explicados ao longo da trama.
Um circo de horrores e fatalidades
Um detalhe interessante de Hystorica é a sua tradição de caça a bruxas e o peso disso no jogo. Apesar do governo praticar esse julgamento delas ao longo de muitos e muitos anos, há também uma tradição mais assustadora: o Carnival. Trata-se de um evento bizarro com elementos sobrenaturais em que uma bruxa concede poderes a um humano para que ele alcance seu desejo mais profundo, abandonando totalmente a moralidade. O resultado são assassinatos grotescos feitos durante um período específico da madrugada em que nenhum cidadão de Hystorica consegue ficar acordado.
Quando esses eventos voltam a acontecer, Anastasia terá um papel central, obtendo novos poderes de bruxa a cada julgamento bem sucedido. Um detalhe curioso do Carnival é que ele marca vários potenciais culpados para que a população vote em quem acredita ser o culpado. Trata-se de um verdadeiro show de horrores que mostra o lado negativo da humanidade, suas disputas e o desejo de condenar coletivamente criminosos.
Para poder entender o crime e apelar para a opinião pública, o jogador precisa fazer uma investigação preliminar. O jornal local já apresenta uma breve descrição dos personagens e os elementos que podem estar relacionados ao crime, mas é necessário conversar com os indivíduos pessoalmente. Cada diálogo rende pistas específicas e alguns deles podem até mesmo render novas ações (como acusar outra pessoa ou chorar) para o debate no Carnival.
Infelizmente, o jogador tem um tempo limitado que implica em não poder conversar com todos os suspeitos. Isso acaba impedindo a coleta de todas as informações e pode até mesmo levar à incapacidade de obter o resultado correto no tribunal caso o jogador não tenha feito a investigação correta.
Junto a isso, temos também a falsa estrutura do Carnival. A ideia do tribunal seria convencer o júri de que a pessoa X é a culpada com base na investigação, porém a verdade é que se trata apenas de uma questão de provas específicas levando à resolução ideal. A interface indica que a população passou a acreditar mais em um personagem ou a desacreditá-lo, mas isso não tem nenhuma real implicação no julgamento final.
O resultado é que, apesar do sistema do Carnival ser uma proposta bastante interessante, a sua execução em todos os aspectos é muito restritiva. Inclusive, é até comum que ele simplesmente ignore narrativamente as ações do jogador falando coisas como “estou estranhando que você não defendeu fulano” ou “ninguém aqui duvida de mim” quando essas falas não estão adequadas com as escolhas realmente feitas.
Por fim, um outro problema do jogo que é importante mencionar é que, apesar do texto fluir bem na maior parte do tempo, há alguns errinhos de digitação e gramática em inglês. Isso pode ser percebido em algumas descrições dos jornais e em falas aleatórias ao longo do jogo. Em particular, é comum que textos fora das caixas de diálogo tenham o seu final cortado, apesar de estarem registrados corretamente no log do jogo.
Tomando as rédeas da própria vida
Even if Tempest é uma sólida adição à crescente biblioteca de otome games do Switch. Com foco na narrativa trágica mais do que no romance propriamente dito, a obra mostra os esforços de uma protagonista cativante para lidar com as tragédias ao seu redor. Apesar de sua tentativa de gameplay ser muito simplória e sub-explorada, sua trama é o suficiente para fazer do jogo uma forte recomendação.
Prós
- Anastasia é uma protagonista bastante determinada e é fácil sentir empatia pela sua situação;
- História que conecta várias rotas trágicas para formar uma cronologia de eventos através do Fatal Rewind;
- Personagens carismáticos cujos dramas pessoais são bem apresentados;
- Boa representação do peso de um trauma psicológico.
Contras
- Os sistemas ligados ao tribunal são muito restritivos;
- Erros de digitação e gramática, assim como pequenos trechos de textos cortados;
- Em alguns momentos, as escolhas do jogador são ignoradas pela narrativa de forma aparentemente não-intencional;
- Ritmo muito rápido que atrapalha um pouco o desenvolvimento da história.
Even if Tempest — Switch — Nota: 8.0
Revisão: Thais Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela Voltage