Análise: Card Shark (Switch) é um belo jogo de trapaças e artimanhas

O título desenvolvido pela Nerial combina intrigas palacianas na França com métodos sujos de jogo.

em 02/06/2022
Anunciado originalmente em uma Nintendo Direct de 2020, Card Shark me chamou a atenção logo de cara. Além de seu estilo visual incomum, a obra prometia centralizar sua experiência no conceito de trapaças. Em Card Shark, não são as regras dos jogos de carta que importam, mas sim conseguir fazer corretamente as movimentações debaixo dos panos.

Um aprendiz de trapaceiro

Tudo começa em um encontro mundano, em um dia comum. Nosso jovem protagonista é um rapaz mudo que trabalha servindo pessoas em uma taverna e um dia atende um cliente que parece ser de classe mais abastada. Trata-se de ninguém mais, ninguém menos que o Conde de Saint-Germain, que aproveita a oportunidade para ensiná-lo uma trapaça que será útil na sua próxima visita.

Quando o Conde volta à noite, ele está jogando cartas com outra pessoa de posses e cabe ao jogador fazer as indicações pedidas. Porém, esse é apenas o início de uma longa parceria entre os dois. O jogador irá aprender vários truques com o seu nobre tutor e com outros aliados, e conseguir bastante dinheiro nas mesas de jogos.

Porém, o dinheiro em si não é o único objetivo. Card Shark se passa na sociedade francesa do século XVIII, um momento de efervescência cultural e também de grandes intrigas palacianas. Enquanto passam por várias camadas sociais, o protagonista e o Conde irão descobrir alguns detalhes curiosos sobre o período e investigar um mistério relacionado a “Doze Garrafas de Leite”.
Em termos de narrativa e ambientação, Card Shark chama bastante atenção. A história é apresentada de forma simples, mas o mistério é sólido e os diálogos chamam a atenção para as personalidades excêntricas dos adversários. Porém, o real destaque é o estilo visual da obra, que faz alusão a um estilo de ilustração caricatural comum de periódicos franceses do século XVIII. Além de ser algo bastante incomum, trata-se de uma escolha que reforça a sensação de estar mergulhando no período retratado.

Vale destacar também que a obra conta com uma boa tradução para o português. Card Shark tem um diálogo bem-humorado que faz a leitura ser fluida e de fácil acesso. Há também piadas específicas em relação às expressões do protagonista e seu diário, no qual ele escreve as coisas erradas por não ter tido acesso a uma educação decente. Apesar de algumas raras situações em que a tradução poderia optar por escolhas um pouco menos literais para causar menos estranheza, não cheguei a ver nenhum momento de grande erro.

Dominando a mesa com truques

Apesar do nome parecer indicar que temos em Card Shark um jogo de cartas e que a trapaça é apenas um elemento adicional, na prática essa ideia é incorreta. Este é um título focado especificamente apenas na execução dos truques. Não há nenhum jogo real acontecendo, basta fazer as ações exigidas de forma satisfatória e evitar atrair a desconfiança dos oponentes.
 
Esse detalhe é importante, pois, caso o jogador espere algo mais complexo, provavelmente ficará desapontado e considerando o título estranho, já que na vida real a trapaça é apenas um meio e não um fim em si mesma. Tendo em mente esse foco, porém, trata-se de uma obra bastante curiosa, demonstrando bem o nível de engenhosidade e habilidade que um trapaceiro profissional precisa ter.
Primeiramente, há uma boa variedade de técnicas que o jogador precisa aprender. Inclui-se aqui embaralhamentos falsos, marcar cartas, formas de ver o que o oponente tem na mão e sinalizar isso para o Conde, etc. Nem tudo gira em torno de cartas, havendo também truques com moedas e duelos de espadas.
 
São ao todo 28 trapaças para aprender, mas algumas delas são versões mais avançadas das anteriores. Nesse sentido, há uma progressão lógica do desafio, com algumas técnicas que exigem mais tempo para sua execução sendo aprendidas depois, assim como aquelas que são de fato dependentes de combinar táticas anteriormente utilizadas.
 
Um detalhe importante das partidas é evitar que o adversário fique desconfiado e descubra sua técnica. Para isso, é importante executar ações o mais rápido possível e fazer movimentos habilidosos em alguns casos de quick time events (QTEs) como uma forma de desviar a suspeita. Caso a barra de suspeita do adversário seja totalmente preenchida, ele irá reclamar e parar a partida.

Pequenos, porém significativos tropeços

Apesar de todos os elementos positivos que ressaltei até agora, Card Shark também tem alguns problemas de cunho técnico que preciso destacar. O principal fator que atrapalha o gameplay é a presença exclusiva do sistema de salvamento automático. Apesar de bastante útil, o autosave acaba sendo uma forma de restringir a movimentação do jogador, fazendo com que haja uma dificuldade de refazer eventos e seja preciso reiniciar para tentar novamente.
 
Durante meu tempo com o jogo no Switch, encontrei alguns bugs que impediam o progresso e infelizmente o autosave foi exatamente o que me deixou impossibilitado de resolver o problema sem recomeçar tudo do início. De acordo com a empresa, haverá patches em breve para solucionar esses problemas, que não acontecem mais na versão de PC. 
 
Curiosamente, todos eles estavam associados a usar a linguagem português. Por conta disso, testei rejogar desde o início em inglês, mas também encontrei um problema em que cenas importantes da história não são apresentadas na íntegra, fazendo cortes abruptos que não aconteciam quando joguei em português.
Outro problema curioso é que não é possível fazer mudanças no esquema de controle durante a partida. Caso o jogador esteja usando a tela de toque do Switch e mude para o Joy-Con, terá que recomeçar do início. Porém, esse detalhe pode até ser usado como forma de reiniciar a partida sem precisar sair do jogo, sendo um soft-reset útil para evitar as consequências de estar executando mal as ações exigidas.
 
Por fim, como se trata de um jogo com bastante texto, é uma pena que ele não contenha um registro para rever falas anteriores, nem a opção de pular cenas da história. Considerando toda a necessidade de começar do início novamente graças ao autosave, a ferramenta de acelerar o texto em particular faz bastante falta.

Nascido para trapacear

Apesar dos erros técnicos, Card Shark consegue cumprir exatamente o que se propunha de forma exemplar. Trata-se de um jogo de trapaças sedutor com uma atmosfera única de época. Tendo em mente que se trata de uma experiência de executar truques sem se preocupar com as regras reais dos jogos em si, definitivamente vale a pena conferir.

Prós

  • Boa variedade de estilos de trapaça;
  • Desafios com progressão bem-pensada;
  • Ambientação francesa de época muito bem construída;
  • Narrativa instigante baseada em intrigas palacianas;
  • Boa tradução para o português, respeitando o tom das piadas.

Contras

  • O autosave acaba limitando a exploração;
  • Bugs significativos que cortam conteúdo e podem impedir o progresso do jogador;
  • Alterar o esquema de controle no meio de uma partida demanda recomeçá-la;
  • Ausência de recursos de registro e pular cenas.
Card Shark — Switch — Nota: 8.0
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Devolver Digital
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é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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