Análise: The Stanley Parable: Ultra Deluxe (Switch) confunde a mente de um jeito único

O aclamado título indie chega ao Nintendo Switch com mais conteúdos que fazem jus ao jogo original de PC.

em 11/05/2022
The Stanley Parable: Ultra Deluxe

O ano de 2013 trouxe uma série de bons jogos. Foi quando recebemos títulos como Super Mario 3D World (Wii U), The Legend of Zelda: A Link Between Worlds (3DS), The Last of Us (PS3) e o hoje imortal Grand Theft Auto V (Multi). Porém, em meio a vários AAA, um game indie foi um dos lançamentos mais instigantes da época: The Stanley Parable.


O jogo de PC — remake de um mod de Half-Life 2 — recebeu elogios da crítica e do público devido à criativa maneira com que aborda o desenvolvimento de narrativas interativas. Seu enredo, os recursos inovadores de sua gameplay e seu clima geral de mistério, confusão e humor foram bastante aclamados.

Agora, quase dez anos depois, o título chega ao Nintendo Switch na forma de The Stanley Parable: Ultra Deluxe, um port expandido que, além de trazer todo o conteúdo do game original, adiciona novos segredos e caminhos ao labirinto metalinguístico de Stanley.

Mesmo após tanto tempo, a desenvolvedora Crows Crows Crows conseguiu produzir uma experiência que mantém intacta a inventividade característica da franquia enquanto introduz novidades que, assim como em 2013, intrigam, bagunçam a mente, fazem gargalhar e colocam em xeque a natureza dos jogos em si.

“Bem-vindo de volta, funcionário 427!”

É importante esclarecer uma coisa logo de início. Para melhor aproveitar The Stanley Parable: Ultra Deluxe, é recomendável iniciá-lo com o mínimo possível de informações sobre seu enredo e estrutura de gameplay. Este texto evitará spoilers, mas se você já considera esta uma compra garantida, então pare de ler agora. Saiba só que o jogo é bom e merece muito uma jogatina às cegas.

Para quem ficou, um pouco de contexto. Nessa narrativa em primeira pessoa, somos apresentados a Stanley, um funcionário que, ao perceber que seus colegas de trabalho desapareceram, resolve sair de sua sala e explorar o escritório em busca de respostas. O personagem é acompanhado pelo Narrador, uma voz que dita tudo que o protagonista pensa e sente, além de indicar os caminhos que devem ser seguidos para que a parábola se encerre.

The Stanley Parable: Ultra Deluxe


Caso queira, o jogador pode obedecer a essas ordens à risca, terminando o conto em questão de minutos. No entanto, também é possível desobedecer aos comandos da voz, entrando por portas erradas, desviando por acessos fora de mão e tomando decisões que tiram o enredo inicial dos seus trilhos. Dessa forma, a trama é alterada, o que provoca consequências narrativas durante a exploração.

Dependendo dos caminhos tomados, os papéis dos personagens e o tema da parábola mudam. Tem vezes que a história é sobre liberdade. Em outras, é sobre loucura. Ou até mesmo sobre o próprio jogo. Em cada situação, o Narrador pode ser amigo, vilão, sarcástico, filosófico ou solitário. Já Stanley não é só o funcionário número 427 da empresa fictícia, mas também a pessoa com o controle em mãos do outro lado da tela.

“O fim nunca é o fim”

Cada uma dessas ramificações no roteiro segue a clássica regra das narrações: têm um começo, um meio e um fim. Enquanto o início sempre é o mesmo, é no desenvolvimento e no final das histórias que The Stanley Parable: Ultra Deluxe se destaca.

Enquanto em jogos tradicionais o objetivo é concluir fases ou missões, a tarefa principal aqui é encontrar os diferentes encerramentos dos enredos. Há mais de 30 finais distintos que servem como recompensa à exploração e à experimentação dos jogadores. Na maioria das vezes, imediatamente depois de uma conclusão ser alcançada, a trama se reinicia, colocando Stanley em uma busca infinita pelas conclusões das histórias. É como diz o principal lema do game: "O fim nunca é o fim".

Essa repetição somente não se torna cansativa devido à forte combinação do script elaborado para os diferentes caminhos, da interpretação das falas por parte do Narrador e dos segredos que foram propositadamente implementados pelos desenvolvedores.

The Stanley Parable: Ultra Deluxe


Acomodar as mudanças narrativas descritas acima em um único roteiro de forma coesa não é simples. No entanto, o texto escrito por Davey Wreden e a narração de Kevan Brighting possuem uma espécie de seriedade cínica que combina com os vários cenários que o game apresenta. Assim, momentos filosóficos são bastante questionadores sem se tornarem maçantes. Ao mesmo tempo, as situações hilárias nunca são gratuitas, sempre tirando sarro do comportamento do jogador ou do próprio jogo em si.

A cada reset na história, o game também pode realizar sutis modificações que deixam quem está jogando com a pulga atrás da orelha. Esse corredor virava para esse lado antes? A fala do Narrador era essa? Esse computador estava ligado? Isso estimula a rejogabilidade, instigando reiniciar a parábola múltiplas vezes para tentar ver e ouvir tudo que o game tem a oferecer. É bem provável que, mesmo após várias sessões de jogo, diferentes descobertas sejam feitas, mantendo o frescor do game.

Quem jogou o título de 2013 à exaustão pode não se surpreender tanto ao reencontrar alguns dos finais originais. No entanto, é inegável que suas mensagens continuam tão relevantes quanto foram há nove anos. Infelizmente para os brasileiros, o game não possui legendas em português no momento de fechamento desta análise, exigindo um grande conhecimento de inglês para compreender os enredos. O Twitter oficial do título já confirmou que mais idiomas serão adicionados no futuro, mas não se sabe se nossa língua está nos planos.

"Novos conteúdos? O que significam 'novos conteúdos'?"

O grande chamariz de The Stanley Parable: Ultra Deluxe, entretanto, são seus novos conteúdos. O port adiciona finais, escolhas e elementos inéditos, expandindo a experiência de uma forma que, embora pareça mais segregada do jogo original, mantém o tom da série de maneira perfeita.

Quem acha que entende as mecânicas de The Stanley Parable e tem uma hipótese de como são essas adições deve jogar todas as suas suposições pela janela. Mantendo a tradição, o título brinca dentro das regras que ditam seu universo e, depois de um tempo, as quebra de diversas formas.

Mesmo para quem conhece todos os pormenores do título de PC, as novidades de Ultra Deluxe são capazes de evocar a mesma sensação de confusão do passado, usando metalinguagem para questionar o que significa ser um port expandido e o que é um “novo conteúdo”.

The Stanley Parable: Ultra Deluxe


Muitas são as vezes em que o jogo se altera de tal forma que é impossível saber à primeira vista se o que aparece na tela é só uma piada temporária ou uma mudança permanente. Assim, os jogadores continuam instigados a sempre voltar à parábola para ver como os caminhos adicionados se desenrolam. Felizmente, os novos conteúdos também são extensos, podendo levar de duas a três horas para conferi-los por completo.

Tematicamente, portanto, as novidades se encaixam sem dificuldade ao game original, parecendo até que foram boladas em conjunto com ele. Estruturalmente, no entanto, elas não são tão integradas ao design como um todo. Pouca parte desses acréscimos é implementada dentro dos caminhos pré-estabelecidos pelo primeiro jogo. A maioria faz parte de sua própria rota ou adiciona um elemento aos finais já existentes para alterá-los.

Isso faz com que essa expansão não seja tão fluida como poderia ser. Além disso, alguns dos novos fins não são repetíveis, impedindo um dos prazeres do game que é rever as conclusões para encontrar segredos ou ouvir as falas do Narrador novamente. Mesmo assim, as adições são um prato cheio para fãs ou quem está entrando em contato com a franquia pela primeira vez.

Jogabilidade e acessibilidade

Observando The Stanley Parable: Ultra Deluxe de uma maneira mais técnica, é notável o trabalho que o estúdio Crows Crows Crows fez ao preservar a aparência e a jogabilidade do título original.

O port é feito usando o motor gráfico Unity, uma engine diferente da utilizada no jogo de 2013. Não é difícil especular que assets tiveram que ser refeitos durante o desenvolvimento. Sem o cuidado necessário, essa transposição pode não ser tão fluida, resultando em visuais incondizentes com o material de referência.

Felizmente, esse não é o caso aqui. Ultra Deluxe não só reproduz fielmente os gráficos do lançamento de PC, como também os aprimora em alguns pontos com shaders mais complexos, resultando em imagens com melhor iluminação e renderização.
The Stanley Parable: Ultra Deluxe
Esta seção é uma em que as melhorias gráficas são mais visíveis


No entanto, isso não significa que não há inconveniências. Há momentos em que é possível notar instabilidades, como texturas aparecendo onde não deveriam, elementos e efeitos sumindo próximo ao jogador dependendo de sua posição e cenários demorando mais do que deveriam para carregar.

Além disso, problemas como baixa resolução nas texturas de certos objetos, quedas pontuais de quadros por segundo e glitches que fazem Stanley andar por locais não pretendidos também podem ser encontrados. Nenhum deles impede o aproveitamento do jogo, mas são sinais de que a passagem para o Unity não foi tão suave assim.

Quanto aos controles, a experiência é praticamente uma emulação perfeita. Com um gameplay simples — que se resume a andar com o analógico e apertar o botão A para interagir eventualmente com itens no mapa —, seria difícil errar. Porém, o port eleva a jogabilidade com suas opções de acessibilidade.
Aviso de conteúdo permite que partes com temas sensíveis sejam puladas.


Agora, além de permitir que todos os face buttons sejam usados para interagir, o jogo inclui configurações de legendas sobre textos importantes nos cenários, marcadores escritos que diferenciam cores para pessoas com daltonismo e avisos sobre conteúdos que abordam suicídio ou traumas, que podem ser pulados completamente.

Mais opções de customização de controles ou de apresentação para pessoas com deficiências visuais seriam bem-vindas, mas a presença de recursos acessíveis já colocam o game no caminho certo. Os desenvolvedores já afirmaram que adicionarão mais melhorias no futuro, então todos saem ganhando com essa decisão.

Retorno ao labirinto

Em 2013, The Stanley Parable foi uma das minhas obsessões. O jogo me surpreendeu tanto com seu storytelling e sua gameplay que ecoou pela minha mente durante anos. Hoje, em 2022, acredito que o mesmo acontecerá com The Stanley Parable: Ultra Deluxe.

Apesar de não ter sido tão impactado quanto há quase uma década, percebi que a qualidade do texto do jogo e a inovação de seu design não se perderam com o tempo. Ao andar novamente pelos caminhos que já havia percorrido, as piadas ainda funcionaram e os momentos sérios ainda mexeram comigo.

O conteúdo extra, embora não esteja tão incorporado ao design do game original, funciona como um título à parte, surpreendendo a cada um dos seus vários minutos. Não saber o que vai acontecer da próxima vez que o jogo for iniciado nunca foi tão divertido.

Enfim, vale a pena jogar a parábola de Stanley. Ou se permitir ser jogado por ela.

Prós

  • O roteiro do jogo e sua jogabilidade permanecem tão bons quanto em 2013, com cenários sérios e engraçados recheados de segredos;
  • Kevan Brighting entrega uma ótima narração, repleta de sutilezas para cada final;
  • Alto valor de rejogabilidade;
  • O novo conteúdo é extenso e se encaixa tematicamente com o jogo original sem problemas;
  • Ótima transposição para um novo motor gráfico que aprimora o visual do game em alguns momentos;
  • Inclusão de novas opções de acessibilidade.

Contras

  • Falta de legendas em português no momento de fechamento desta análise impede a compreensão da história para quem não sabe inglês ou outras línguas;
  • Acesso ao novo conteúdo não é tão incorporado ao design do jogo original;
  • Não é possível repetir alguns dos finais;
  • Problemas pontuais, como texturas de baixa qualidade, elementos que somem dependendo da posição do jogador e acesso a locais não pretendidos para exploração.
The Stanley Parable: Ultra Deluxe — Switch/PS5/PS4/XBX/XBO/PC — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Crows Crows Crows

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Jornalista, analista de mídias, PcD e entusiasta de games desde que jogou Pokémon Azul no Game Boy Color nos anos 90. De lá para cá, tenta aproveitar ao máximo todos os consoles no pouco tempo que a vida adulta permite. Se não está escrevendo para o Blast ou demorando anos para zerar um jogo, está no Twitter (@DanielMorbi) e no Instagram (@danielmorbi_)
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