Na primeira parte sobre a narrativa de Crystar, foi abordada a importância dos loops temporais, nos quais a trama é fortemente baseada. Agora, falaremos dos simbolismos e conceitos filosóficos escondidos nas entrelinhas dessa história complexa.
Embora conhecer esses conceitos não seja obrigatório para o entendimento da história em si, eles dão uma nova profundidade a ela; porém, como são vários, o foco aqui será apenas nos mais significativos e tentarei ser sucinta nas explicações. O texto pode conter alguns spoilers do jogo, mas tentarei evitá-los ao máximo.
Borboletas e morte
Em diversas culturas, as borboletas estão associadas ao conceito da morte e renascimento. A leitura mais comum para a presença desses insetos é a ressurreição, dado o ciclo de vida metamorfósico da borboleta (nascimento e vida mortal = lagarta; morte e sepultura = crisálida; ressurreição = borboleta).
No jogo, as Almas que estão no Purgatório assumem a forma de borboletas em busca de sua ressurreição nas Engrenagens da Renovação, quando finalmente poderão renascer no mundo mortal como novas pessoas. Na Grécia Antiga, Aristóteles nomeou a borboleta psyche (psique), palavra grega que significa alma, conceito que é muito explorado no campo da Psicologia e dos cuidados paliativos.
Heráclito e Panta Rhei
O Guardião de Rei, Heracltius, representa o filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso, que desenvolveu a teoria de panta rhei (tudo flui). Ou seja, o mundo está em movimento constante e nada permanece o mesmo por acaso — e é por isso que Rei precisa seguir em frente e mudar o modo como se vê e se porta perante o mundo se ela quiser alcançar seus objetivos.
Diógenes e Apatheia
Apatheia, comumente chamada de apatia na psicologia e psiquiatria, para os filósofos estoicos significa atingir um estado espiritual livre de emoções, pois estas atrapalham a tomada de decisões. Em outras palavras, ao abrir mão de seu ódio por Anamnesis, Kokoro atinge um estado de serenidade no qual ela é capaz de julgar o que é certo ou errado. Seu Guardião, Diogenes, tem base em Diógenes de Sinope (ou Diógenes, o Cínico), cuja filosofia serviu como origem para o nascimento do estoicismo.
Sócrates e Eudaimonia
Para Sócrates, a eudaimonia, ou seja, bem-estar e felicidade, está ligada às virtudes, principalmente, de autocontrole, coragem, justiça e sabedoria; o filósofo teria dito ainda, em Meno (diálogo socrático), que "tudo o que a alma se esforça ou persegue sob a orientação da sabedoria termina em felicidade". Sen personifica esse conceito de justiça e não à toa seu Guardião é Socrates.
Nanana e Ataraxia
Apesar de ser uma Vingativa, Nanana pode assumir a Transformação Anormal Epicurus, uma referência ao filósofo Epicuro de Samos e que deu início ao epicurismo. A ataraxia pode ser considerada um estado de ausência de preocupação, algo que se reflete no comportamento de Nanana.
Ideias, Mephis, Pheles e Mephistopheles
A Teoria das Ideias, de Platão, serve como base das Ideias em Crystar. De acordo com o filósofo, elas são detentoras de conhecimento e, para Mephis e Pheles, são a base da Alma dos seres humanos. Ou seja, segundo as vilãs, Almas defeituosas são desprovidas desse conhecimento e, por isso, tornam-se Espectros e Vingativos.
Quando se fundem em Mephistopheles, as Guardiãs do Purgatório remetem ao personagem Mefistófeles, um demônio que rouba as almas dos seres mortais — o mesmo que Mephis e Phelis fazem com as Ideias que nascem dos sentimentos humanos. Mefistófeles é explorado na peça Fausto, mais tipicamente associada a Johann Wolfgang von Goethe.
Crystar, apesar de não apresentar um sistema de combate polido, apresenta uma história cheia de significados e interpretações. O jogo ainda faz menção a outros filósofos antigos e atuais que, mesmo que apareçam apenas como Easter eggs, podem ter servido como base para diversos conceitos abordados na trama.
Revisão: Janderson Silva