Quando pensamos na publisher WayForward, criadora da série Shantae, e no estúdio 13AM Games, responsável por Runbow (Multi), é normal imaginarmos coloridos títulos de plataforma com personagens carismáticos e cartunescos. Provavelmente, um festival de pancadaria entre monstros e robôs gigantes estaria entre as últimas coisas que passariam por nossas mentes.
No entanto, Dawn of the Monsters está aí para nos provar o contrário. O novo lançamento das empresas é um beat ‘em up fortemente inspirado em produções kaiju japonesas, nas quais criaturas colossais destroem tudo que veem pela frente e lutam contra oponentes igualmente massivos.
Embora o gênero fosse um território até então inexplorado pela 13AM, o resultado final é uma aventura que, apesar de alguns percalços, deixa o jogador investido com seu gameplay e sua construção de mundo.
Um mundo monstruoso
O ano é 2065. As mudanças climáticas provocaram a criação de monstros enormes chamados Nephilim, seres sem qualquer tipo de consciência que invadem cidades e as destroem por completo. Para resistir ao avanço dessas criaturas, o mundo estabeleceu a D.A.W.N., instituição dedicada a desenvolver estratégias para defender a humanidade.
Um grupo de quatro heróis é formado, contando com um cientista capaz de se transformar em um guerreiro gigante, uma habilidosa piloto de robô de combate e dois Nephilim capturados e controlados pela própria D.A.W.N.. A missão desse esquadrão é derrotar monstros em diferentes países do mundo, usando suas habilidades em conjunto. Porém, nessa jornada, profundos segredos são revelados.
Se esse enredo lhe parece uma trama de desenho animado, é porque esse é o exato clima que Dawn of the Monsters cria para sua apresentação. O título bebe de diferentes fontes da cultura pop em suas referências, sendo uma delas os animes e desenhos ocidentais de ação. Não só o jogo se inicia com uma abertura digna de séries, como também a caracterização de seus personagens não deixa a desejar a animações de televisão e streaming.
Os personagens principais de Dawn of the Monsters |
Praticamente todas as falas são interpretadas por atores e atrizes que acrescentam nuances a seus personagens, fazendo com que os jogadores consigam entender suas emoções perfeitamente. Dublagens em um título indie, com performances que conseguem materializar as cenas e evocar sentimentos usando somente ilustrações, são algo raro.
No entanto, essas boas interpretações não teriam significado se o mundo da narrativa não fosse forte o suficiente para sustentá-las. Felizmente, a equipe de desenvolvimento preencheu Dawn of the Monsters com detalhes, textos e imagens que enriquecem o universo da história.
Conforme se avança pela campanha, são desbloqueadas conversas entre personagens, documentos com biografias dos heróis, informações sobre a anatomia dos monstros e peças de pesquisa que ilustram as décadas de lutas entre humanos e Nephilim. É um conteúdo aprofundado que cria um vínculo maior com o mundo do game. Entretanto, caso não tenha paciência para conferi-lo, você pode simplesmente ignorá-lo. Nesse caso, a experiência fica mais rasa, mas acaba respeitando os gostos de cada pessoa.
Mesmo com textos em balões que lembram histórias em quadrinhos, todas as falas são interpretadas por atores. |
A única ressalva é o fato de não haver suporte ao português do Brasil. Devido ao uso intenso de textos e atuações em inglês para contar a trama, a falta de localização em nosso idioma pode fazer com que o enredo seja incompreensível para muitos brasileiros. Isso torna-se ainda mais doloroso quando o próprio game possui seções que se passam em Foz do Iguaçu, com paródias de marcas nacionais que somente uma pessoa de nosso país conseguiria criar.
HQ interativa
Outra grande fonte de inspiração de Dawn of the Monsters são quadrinhos e mangás. Elementos de HQs estão presentes por todo o jogo, trazendo um estilo único à aventura. De acordo com o site oficial do título, os visuais utilizados são baseados no trabalho de Mike Mignola, criador de Hellboy. Suas ilustrações possuem traços fortes, com intensos contrastes entre preto e diferentes cores.É nítida a influência do artista. Ao contrário de lançamentos passados da 13AM Games, aqui os desenhos possuem um ar mais sóbrio. O estilo de Mignola também pode ser visto em menus, que simulam janelas de uma história em quadrinhos, e em cenas que apresentam pontos cruciais da narrativa, contendo artes sequenciadas.
No entanto, o game assume realmente seu lado graphic novel dentro dos níveis em si. Os gráficos casam bem com HQs. Os mapas 3D abusam do cel-shading, enquanto os modelos dos heróis e antagonistas são elementos 2D dentro desses cenários.
Caracteres japoneses aparecem constantemente no jogo como uma referência a mangás |
Com polígonos simples, cores intensas e um constante filtro que remete à textura da impressão de quadrinhos, o jogo tem um ar de romance gráfico interativo. Imagens bem impactantes, como a silhueta dos inimigos no céu avermelhado, os olhos dos protagonistas brilhando contra a escuridão ou o destaque das manchas de um pseudo-sangue azulado no chão, trazem bastante personalidade.
Porém, nem sempre isso é verdade. Há situações em que o cenário assume tons mais monocromáticos, que dificultam o destaque de certos elementos. Essa escolha artística também pode causar confusão, principalmente em jogatinas cooperativas. A quantidade de efeitos coloridos enchendo a tela faz com que seja difícil acompanhar a ação e localizar os personagens em meio às explosões.
Controlando a pancadaria
Quanto à sua jogabilidade, Dawn of the Monsters segue à risca a cartilha dos beat ‘em ups: Os heróis devem andar pelo mapa e, assim que encontrarem inimigos, precisam derrotá-los para prosseguir. Para isso, usam um arsenal de golpes fracos, fortes e dash attacks com os quais podem executar diferentes combos. Cada personagem possui características distintas, como golpes de longo alcance ou ataques curtos, mas poderosos.
Tradicionalmente, os comandos de títulos estilo briga de rua são rápidos, permitindo mobilidade e sequências velozes de socos e chutes. No entanto, a 13AM Games decidiu seguir por um outro caminho. Para combinar com a imensidão dos kaiju, seus movimentos são mais lentos e pesados, como se estivéssemos de fato controlando um monstro ou um robô gigante. Isso traz aspectos tanto positivos quanto negativos.
Barras de Rage e Cataclysm também permitem utilizar ataques especiais ou execuções que recuperam parte da vida, adicionando às estratégias |
Devido a esse gameplay devagar, ao invés de pressionar botões desenfreadamente, é preciso levar em consideração as peculiaridades dos movesets dos heróis, os padrões de ataque dos adversários, o tempo que leva para desferir os golpes e até mesmo objetos que podem ser usados como armas pelo cenário. A soma desses elementos faz com que o jogo estimule uma abordagem estratégica às partidas.
Além disso, a constante adição de monstros com poderes distintos e obstáculos que influenciam nas disputas, como correntes aquáticas, pilares de fogo, chuvas de areia e raios, fazem com que as táticas ofensivas tornem-se cada vez mais complexas. Assim, certas missões ficam mais instigantes.
Porém, nada disso exclui o fato de os personagens serem excessivamente lentos em alguns momentos. Batalhas mais intensas podem demorar vários minutos devido à morosidade dos protagonistas, atrapalhando o ritmo do gameplay. Não só isso, mas esse peso nos comandos faz com que eles sejam um pouco imprecisos. Há um lag nos inputs que pode incomodar, fazendo com que socos e chutes errem seus alvos.
No modo co-op local para duas pessoas, a experiência é mais divertida, pois permite uma comunicação melhor entre jogadores enquanto eles atacam inimigos distintos ao mesmo tempo. |
Upgrades aleatórios
Para trazer mais variedade ao combate, Dawn of the Monsters possui também uma mecânica de habilidades extras que podem ser customizadas para cada herói. Esse sistema é funcional, mas pende mais do que deveria em direção à sorte.
Os personagens jogáveis conseguem equipar até três aprimoramentos, que incluem invencibilidade temporária, mais velocidade nos golpes, aparecimento frequente de power-ups nos níveis, entre outros. Esses buffs também alteram atributos, como ataque, defesa e mobilidade, além de possuírem diferentes níveis — quanto maior ele for, mais pontos para esses parâmetros.
Tela de escolha de upgrades após cada nível |
A combinação certa de upgrades é crucial para que o jogador tenha uma experiência mais tranquila contra os Nephlim. Encontrar o trio perfeito de habilidades faz com que as batalhas se tornem ainda mais estratégicas. No entanto, a busca por essa tríade não é tão direta quanto poderia ser.
A única forma de obter melhorias de altos níveis é aleatoriamente, após concluir as missões com um bom rank. Embora esse seja um jeito de incentivar a conclusão das fases da melhor maneira possível, a natureza aleatória dos upgrades acaba fazendo com que você tenha que se virar com as habilidades que o game lhe permitiu escolher.
Dessa forma, pode acontecer de o jogador utilizar uma habilidade indesejada só porque ela tem um nível alto ou não se sentir incentivado a experimentar além dos upgrades que já se provaram úteis. Isso poderia ser amenizado caso fosse possível escolher, na loja do game, quais aprimoramentos adquirir com dinheiro in-game.
A loja permite gastar dinheiro recebido nas missões somente em upgrades e cores alternativas para os heróis |
Acessibilidade
A principal falha de Dawn of the Monsters é não possuir qualquer opção de acessibilidade. No menu de configurações, é possível alterar apenas o volume da música, das vozes e dos efeitos sonoros. Nada de remapeamento de controle, níveis de dificuldade ou modificações gráficas e de gameplay.
Pode-se argumentar que o Switch pelo menos possui customização de botões em seu sistema, mas isso não exclui a responsabilidade que a equipe de desenvolvimento tem na hora de tornar sua produção acessível. No final, a mensagem é clara: esse jogo não foi pensado para pessoas com deficiência.
Suco de kaiju
É bom ver quando um estúdio sai de sua zona de conforto e se aventura por um gênero novo. Melhor ainda quando o resultado é um título divertido. Dawn of the Monsters se encaixa bem nesse exemplo. Seu estilo gráfico, diálogos completamente dublados e jogabilidade estratégica agradam, fazendo dessa primeira empreitada da 13AM Games nos beat ‘em ups uma boa experiência.
Há, de fato, alguns pontos que incomodam, como comandos lentos, visuais eventualmente não atrativos e confusos, um sistema de aprimoramentos que depende muito da sorte e falta de acessibilidade. Porém, no conjunto da obra, este pode ser o jogo kaiju pelo qual muitos aguardavam há anos.
Prós
- Ótima construção de mundo, com conteúdos opcionais que aprofundam o universo do jogo;
- Dublagens de boa qualidade em praticamente todo o game, dando mais personalidade aos personagens;
- As inspirações em mangás, HQs e desenhos animados trazem bastante personalidade;
- A jogabilidade lenta exige mais uso de estratégia nas lutas.
Contras
- A falta de localização em português torna a história incompreensível para algumas pessoas;
- A direção artística pode fazer elementos não se destacarem contra cenários monocromáticos ou causar confusão quando há muitos efeitos na tela;
- A movimentação lenta dos personagens pode frustrar, assim como os lags nos comandos;
- O sistema de upgrades aleatórios tira o poder de opção do jogador na hora de customizar os heróis;
- Falta de opções de acessibilidade.
Dawn of the Monsters — Switch/PS5/PS4/XBX/XBO/PC/Stadia — Nota: 8.0Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Souza
Análise produzida com cópia digital cedida pela WayForward