Uma nação assolada por guerras
O calendário marca o ano de 1105 no reino de Delia, pequeno país localizado no continente de Etlan. Apesar das últimas duas décadas terem sido relativamente pacíficas, a situação da região está prestes a mudar conforme o rei local, Varis, começa a suspeitar das atitudes dos territórios fronteiriços, como Aramoran.
De acordo com o soberano, a família real vizinha pode estar tramando algo de ruim, uma vez que ela é suspeita de ter causado disputas entre as duas nações no passado — inclusive uma que culminou na trágica morte de seu pai. O rei Varis, a partir de então, adota uma posição agressiva, enviando suas tropas com o objetivo de explorar e invadir outras regiões do continente.
Pensando em dispor de um exército ainda maior, o afobado monarca toma uma decisão inesperada: ele decide convocar guerreiros de todas as idades, até mesmo aqueles que ainda não se formaram nas instituições militares do país. Assim, entram em cena Irving, Garrick, Maren e Alden, quatro jovens que treinavam na renomada academia de Brookstead.
Com uma idade próxima dos 15 anos, eles se tornam os grandes protagonistas, passando a experienciar os horrores das guerras ainda cedo. Diante dessa premissa, Dark Deity nos apresenta seu rico enredo, contando-nos sobre os horrores dos conflitos territoriais e como eles se relacionam com o passado da região.
Sem sombra de dúvidas, temos na história um dos grandes destaques da aventura, que dispõe de incontáveis cutscenes e diálogos que dão profundidade e contexto aos seus personagens. Para nossa sorte, também podemos dizer que existe uma outra qualidade que se equipara ao grau de complexidade da trama: o setor de combates, que conta com muito repertório bélico e tático.
Batalhas, estratégias, role-playing e muito mais
Em sua essência, Dark Deity é um RPG de estratégia baseado em batalhas por turnos. Nelas, os jogadores devem comandar o exército de Delia, que é formado pelos quatro protagonistas e outros 26 personagens jogáveis que se juntam à jornada conforme progredimos. Tratando-se da jogabilidade, o título nos apresenta mapas que são segmentados por células. Através delas, podemos movimentar os personagens em nossas rodadas, sempre com o objetivo de sobreviver e de derrotar as unidades inimigas.
Com características que lembram os lançamentos da franquia Fire Emblem para o GBA, Dark Deity conta com um setor de combates profundo e igualmente divertido, o que é agraciado pelo fato de os mapas serem cuidadosamente planejados e exigirem um raciocínio tático significativo. Em partes, também há outro detalhe que colabora para isso: a diversidade de nosso rol de personagens.
Além de ostentarem histórias individuais, os guerreiros representam diferentes classes com diferentes possibilidades de armas, golpes e a chance de evolução ou upgrade, no melhor estilo de um RPG. Alden, por exemplo, é um feiticeiro com atributos voltados para os ataques mágicos, podendo evoluir para ser um ilusionista ou um especialista em golpes de fogo. Enquanto isso, Maren é uma maga da classe dos Clérigos, que pode seguir um caminho mais voltado para o suporte ou pode se tornar uma combatente mais ofensiva.
Diante disso, fica claro que os combates demandam muito trabalho em equipe, pois torna-se necessário coordenar os movimentos de nossa party em sinergia. Há, assim, uma profundidade que faz com que Dark Deity seja um interessante RPG de estratégia — o qual também vem a se destacar por outros fatores de gameplay.
Cultivando laços em uma linda jornada
Para que a jogatina tática não se torne exaustiva, o título nos presenteia com o que poderíamos chamar de “momentos de acampamento''. Eles funcionam assim: após as batalhas e nossos avanços territoriais, os personagens costumam montar uma base para repousar.
Com isso, passamos a ter acesso a um menu repleto de recursos. Entre eles, temos a opção Bond, que consiste em colocar os membros de nosso batalhão para conversar. Desse modo, no melhor estilo visual novel, passamos a conhecer melhor as narrativas particulares, assim como aumentamos os níveis de relação entre os personagens, o que garante determinados bônus dentro dos embates.
Este recurso, por sua vez, não está sujeito a passar por baixas, pois o jogo não conta com um sistema de permadeath. No lugar de uma morte definitiva, os combatentes que perdem a vida nas guerras acabam sofrendo um decréscimo aleatório em um de seus stats. Esta é uma escolha que foi muito bem implementada, pois ela não afeta nas possibilidades e caminhos da história dos protagonistas.
Dessa forma, nota-se que Dark Deity é um título repleto de qualidades significativas. Além das já mencionadas, também poderíamos elogiar o seu estilo artístico, que se manifesta através de uma animada trilha sonora e animações pixel art ricas, principalmente dentro dos combates. Entre as singularidades gráficas dos personagens, meus movimentos preferidos são os da guerreira Bianca, que porta uma lança, tem muita agilidade em seus pés e constantemente figurava como o MVP das minhas partidas.
Problemas em Etlan para além dos embates
Apesar das maravilhas que encontrei nas terras de Etlan, pude notar duas peculiaridades consideradas problemáticas no indie de estratégia e que devem ser abordadas para um melhor entendimento do game, ainda mais se considerarmos que há uma potencial conexão entre elas.
Primeiramente, é notável que há uma escassez de explicações sobre muitos dos conceitos de Dark Deity, especialmente dentro das batalhas. Não há, efetivamente, tutoriais funcionais sobre as possíveis trocas de armas, as classificações internas das rodadas, as relações de forças e fraquezas entre as classes e afins.
Algumas destas informações até aparecem eventualmente no layout dos mapas, mas não com ícones e símbolos claros que poderiam ser entendidos desde o princípio. Assim, temos de aprender na marra, pois a impressão é que o título presume que os jogadores já estejam familiarizados com as mecânicas dos SRPGs.
Além de causar um começo de ritmo lento, isso também nos traz outra inferência: a de que Dark Deity é voltado para um público específico. Ora, ao longo de sua campanha, a aventura pouco faz para se tornar mais “digerível”, não se esforçando para atrair perfis distintos. Às vezes, até parece que o título se contenta com o seu rótulo de “Fire Emblem análogo”, tentando, a partir dessa definição, atrair fãs da franquia que estão com saudades das aventuras pixeladas.
Embora eu tenha evitado ao máximo fazer comparações entre as duas séries até então, há de se reconhecer que o novo indie resgata muito bem uma característica específica dos lançamentos da franquia nintendista nos anos 2000: o conceito de portabilidade. De maneira majestosa, Dark Deity é um título perfeito para ser vivido no modo handheld do Switch, tornando-se uma forte recomendação para os fãs de premissas táticas, RPG e afins.
Aventura profunda para ser levada no bolso
Mesmo sem trazer grandes inovações e surpresas, Dark Deity se manifesta como uma excelente surpresa para o primeiro trimestre de 2022 no Switch. Seu principal mérito está, de fato, em sua capacidade de trazer profundidade tanto para a sua narrativa, quanto para seus combates. Assim, fica difícil não entrar de cabeça nas terras de Etlan para viver uma viciante aventura ao lado de Irving, Maren, Garrick, Alden e companhia.Prós
- História interessante, rica em detalhes;
- Seus combates são profundos e igualmente divertidos;
- Variedade de personagens e possibilidades no formato role-playing;
- Os mapas e desafios são bem arquitetados;
- Aventura abrangente, extensa e, sobretudo, envolvente.
Contras
- Certos conceitos poderiam ser ensinados de maneira mais clara, o que evitaria uma lentidão inicial;
- Título é pouco convidativo para jogadores não familiarizados com SRPGs em geral.
Dark Deity — Switch/PC — Nota: 8.5Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: João Pedro Boaventura
Análise produzida com cópia digital cedida pela Freedom Games