Conhecer outras culturas é algo que me fascina, tanto que em minha última aventura passeei pelo Japão. Por isso, quando vi o anúncio de Aztech: Forgotten Gods, simpatizei logo de cara.
Em meio a tantas adaptações de deuses nórdicos e greco-romanos, a possibilidade de ver a mitologia dos astecas em tela me pareceu uma boa oportunidade e um frescor em relação à temática. Será que a produtora mexicana Lienzo conseguiu entregar uma boa diversão utilizando a cultura da antiga civilização indígena mesoamericana?
Uma realidade alternativa
Quando se fala em povos indígenas, nosso senso comum aqui no Brasil imagina pessoas peladas vivendo na floresta, com pinturas corporais e arco e flecha em mãos. Isso porque vivemos séculos depois da colonização dos povos originários pelos invasores europeus, e aprendemos a história por meio desta visão: falando um idioma europeu, organizando a sociedade do modo que os habitantes do “velho mundo” fazem, lendo os livros escritos por eles… enfim, nosso desconhecimento sobre os primeiros habitantes da América é gigantesco.Mas o que teria acontecido se os europeus não tivessem conquistado o continente americano a partir do século 15? Como as civilizações que aqui viviam teriam se desenvolvido sem essa interferência externa? Esse exercício imaginativo muito interessante é a premissa de Forgotten Gods.
Os antigos deuses astecas tentam se tornar relevantes novamente |
Os astecas, longe das pequenas tribos imaginadas pelo senso comum, formaram um poderoso império na América Central antes da chegada dos espanhóis. Nessa realidade alternativa, sem a interferência espanhola, essa civilização floresceu ainda mais, desenvolvendo uma tecnologia própria. Séculos depois, esse desenvolvimento aproximou tanto as pessoas da ciência que os antigos deuses foram esquecidos (daí o nome do jogo).
Agora passando por uma crise energética, uma cientista descobre uma fonte alternativa que pode abastecer todo o império, mas que precisa ser manipulada por uma manopla especial, encontrada em uma escavação arqueológica. É aí que entra Achtli, filha da cientista. Seu nome significa “semente”, e não é à toa, pois é a partir dela que virá uma grande mudança. Ao vestir a manopla, a jovem entra em contato com esses deuses esquecidos e inicia uma aventura em que o passado vai determinar o futuro.
O peso do passado
Aztech: Forgotten Gods foi lançado em março de 2022. Ainda assim, algum desavisado poderia pensar que se trata de um título de quinze, vinte anos atrás. Para começar, a apresentação por vezes é pior do que muito jogo de Wii, tanto durante o gameplay quanto nas cenas cinemáticas. Chega ao ponto do cabelo da protagonista “entrar” na cama, ou o braço sumir numa cena em que ela se espreguiça.Eu encostei na parede, mas não sabia que seria absorvido por ela |
A textura é bem simplória, e os personagens parecem não estar pisando no chão. Por vezes não estão mesmo: em certos momentos, os pés entram pelo solo. O cenário não traz a sensação de uma cidade grandiosa, ainda que o jogo se passe numa grande metrópole de um império milenar. NPCs circulam pelas ruas para preencher o vazio, mas é normal pararem sem motivo aparente ou continuarem até bater numa árvore.
Outro problema é a câmera, que se movimenta de forma bastante estranha. Mesmo que você manualmente a coloque na posição mais confortável, ela fatalmente muda para um ângulo em que não é possível ver com clareza o caminho ao mover a personagem.
Algo parecido acontece ao pular, quando ocorre um zoom out automático que pode te levar a errar uma plataforma, e ao voar, vem o efeito contrário: um zoom in que impede uma visão do cenário, o que acaba sendo fatal nas batalhas contra os deuses, gigantescos seres que exigem um perspectiva mais ampla.
Que belo ângulo o jogo escolheu para um momento de diálogo, não? |
Outro fator que faz Aztech parecer um jogo datado é a sua estrutura. Nos trailers e na sinopse oficial da produtora, o título é apresentado como representante da categoria “ação e aventura”. No entanto, em 99% do tempo você passa apertando o botão A para passar para a próxima linha de diálogo, o que é o máximo de interatividade oferecido.
Em determinada sequência, eu estava na oficina conversando com a mãe de Achtli, fui até a cozinha pegar um fio e voltei para mais diálogos. Em seguida saí de casa para a praça, onde encontrei um amigo para… conversar. Mesmo quando está sozinha, Achtli não está livre de diálogos, pois o deus Tez está em sua cabeça e aproveita esses momentos de privacidade para conversar com a protagonista.
Essa não era a minha expectativa para um jogo de ação e aventura, nem foi o que os trailers me venderam. E a movimentação que acontece entre essa tonelada de diálogos não é legal como se balançar em teias ou cavalgar a Epona, até porque envolve batalhar contra a câmera.
História para quê?
Já que Aztech: Forgotten Gods não é um primor técnico e abriu mão da ação para focar no diálogo, então a história deve ser incrível, certo? Errado. Em primeiro lugar, toda aquela premissa interessantíssima de imaginar o império asteca anos no futuro e sem ter sido derrotado pelos europeus, no fim das contas, não faz diferença. Os deuses, alguns termos e os nomes dos personagens nos lembram dessa localização ameríndia. Contudo, para além das citações ao cacau, nada disso interfere na história.Achtli mergulha de cabeça numa trama descolada da premissa inicial |
Um personagem (não precisa de muito esforço para adivinhar qual) é pintado como vilão apenas por ser o padrão neste tipo de história. Na real, ele apresenta questionamentos bastante sensatos sobre a irresponsabilidade da cientista em pôr a própria filha em risco ao lidar com equipamentos perigosos. A protagonista chega a verbalizar que fez determinadas escolhas porque a mãe não viu problemas.
Detalhe: há um trauma na família causado pela morte de um parente em um acidente. O peso desse fato é nulo para a decisão de correr riscos, muitas vezes tomada de forma bem displicente ou com tiradinhas que tentam ser engraçadas, mas que falham na comédia.
Achtli, numa das incontáveis conversas com Tez, diz que com esses fatos em mãos poderia escrever uma boa história de ficção científica. Não sei se a ideia era fazer um humor autodepreciativo ou apenas uma brincadeira de metalinguagem, mas o fato é que o roteiro definitivamente poderia ser muito melhor.
Deuses esquecidos em um jogo esquecível
O mundo proposto merecia um produto final melhor |
Este é um exemplo das decisões estranhas da Lienzo para este título. Enquanto jogamos em um cenário com gráficos feios, os momentos de flashback que exploram as memórias de Achtli possuem um estilo visual muito melhor executado e que daria um aspecto bem melhor se adotado para o game em si.
No fim das contas, Aztech: Forgotten Gods tinha uma premissa interessante e prometia enveredar por uma história que fugiria do que costumamos ver. No entanto, a trama é bem comum e poderia estar localizada em qualquer povo ou lugar da cultura ocidental.
As batalhas contra os deuses, vendidas pelo marketing como o prato principal, na verdade são bem pontuais e mal-executadas devido aos problemas de câmera e de movimentação. As diversas falhas técnicas são dignas de um título do início da era 3D, mas difíceis de relevar no atual momento do desenvolvimento dos games.
Prós
- A premissa de imaginar como o Império Asteca se desenvolveria sem o conflito com os europeus.
Contras
- Gráficos ultrapassados e com erros crassos;
- Diálogos sem interatividade;
- Trama fraca que ignora a premissa;
- Problemas graves com a câmera e a movimentação da personagem;
- As batalhas contra chefes não empolgam devido aos problemas de execução.
Aztech: Forgotten Gods - XBO/XBX/PC/PS4/PS5/Switch - Nota: 2,0Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Lienzo