O olho que tudo vê
Em Demon Gaze Extra controlamos o personagem Oz, que é encontrado inconsciente em uma cidade abandonada e infestada por monstros. Levado à hospedagem mais próxima por aventureiros, Oz logo descobre que carrega consigo um poder mais do que especial: seus olhos possuem o lendário “Demon Gaze”.
Neste universo fictício, o Demon Gaze permite que o usuário capture as almas de demônios — criaturas do mal que colocaram inúmeras cidades em ruínas —, e os liberte de suas terríveis formas maléficas. Na pele do Demon Gazer, então, Oz descobre que é o seu destino caçar e capturar todas essas fantásticas criaturas, restabelecendo a ordem no mundo.
Claro, vale lembrar que, como há diferenças entre a nossa cultura e a cultura oriental, a palavra “demônio” empregada aqui não está vinculada ao sentido religioso de fato, apesar de ainda se referir a algo poderoso e sobrenatural. Na prática, os carismáticos vilões de Demon Gaze Extra carregam uma grande influência dos Yokais, seres proeminentes no folclore japonês e abordados em inúmeros games como Yo-kai Watch 2: Psychic Specters (3DS) e Nioh 2 (Multi).
Mas isso não significa, logicamente, que a aventura de Oz será mais fácil. Pelo contrário: orientado inicialmente pela voluptuosa personagem Lancelorna, nosso protagonista logo se verá envolvido em confrontos bem desafiadores enquanto lida com a inesperada responsabilidade de pagar a dívida de sua hospedagem por tantos dias inconsciente.
Assim, sem entrar no mérito de spoilers, espere nesta obra uma narrativa leve e divertida, abrilhantada por um carismático elenco que torna os momentos de descanso entre as incursões pelas dungeons do jogo um destaque à parte, o que certamente agradará os fãs da temática anime.
De fã para fã
Logo ao iniciar Demon Gaze Extra, o jogador será recebido por uma dedicatória dos desenvolvedores — “A todos que amam Dungeon RPGs, com gratidão”. Confesso que inicialmente essa frase me pegou desprevenido, mas fiz questão de inseri-la nesta análise pois resume bem o que é este título: um jogo feito por fãs do gênero para outros fãs do gênero.
Isso significa que se você tem algum apreço por Dungeon RPGs, Demon Gaze Extra provavelmente será um dos seus títulos favoritos do Switch deste ano — já é um dos meus, inclusive. Por outro lado, caso você não tenha muita intimidade com esse estilo de jogo, aqui também se encontra uma bela porta de entrada para esse universo, que infelizmente já não vê bons lançamentos na atualidade.
Na prática, em Demon Gaze Extra você se verá explorando diversas dungeons em busca de dinheiro, itens e os poderosos chefes demônios que nelas habitam. Com uma equipe de até cinco personagens ativa, cada qual com suas próprias habilidades e recursos, há uma notável multiplicidade de estratégias possíveis, o que agradará em cheio aos jogadores que gostam de passar horas comparando equipamentos e atributos.
Uma vez nas dungeons, a exploração ocorre em primeira pessoa e a movimentação por grids utilizando-se dos dois analógicos. Pontos de interesse como inimigos, anéis e itens são evidenciados por ícones vistosos e coloridos, fazendo com que você nunca fique “perdido” na aventura. Adentrar uma área revela-a no mapa, e a qualquer momento é possível escrever uma anotação ou lembrete, fazendo com que a exploração nunca se torne enfadonha ou obtusa.
Ainda sobre esse último aspecto, o considero uma das grandes vitórias de Demon Gaze Extra. Infelizmente, não há como negar que DRPGs geralmente pecam na parte da exploração, que tende a ser monótona, especialmente quando se leva em conta que não se pode ver seu personagem e coisas do tipo. Mas com diversos segredos escondidos e uma boa quantidade de eventos, sair em jornada aqui é sempre divertido. Créditos aos desenvolvedores.
Quem poupa, tem?
O combate em Demon Gaze Extra se dá no sistema de turnos, cujos personagens mais rápidos atacam primeiro, enquanto o dano infligido e recebido depende dos stats de sua party, como ATK, DEF e HIT. Confrontos bem-sucedidos lhe recompensarão com uma quantia em dinheiro, além de experiência e itens de acordo com sua dificuldade.
Dinheiro e itens são especialmente valiosos aqui, pois após seu sono profundo, Oz acorda com uma dívida com Fran Pendoll, a administradora da hospedagem onde o herói e sua equipe estão alocados. Isso significa que toda vez que você retornar à sua base, deverá pagar uma quantia à administradora.
Como também é preciso gerenciar itens, comprar equipamentos e (ocasionalmente) reviver personagens, é comum que o dinheiro se torne um problema caso você não esteja recebendo espólios com frequência — o valor a ser pago sobe de acordo com o nível e número de membros de sua equipe.
Mesmo com a opção de escolher um nível de dificuldade em que a diária não é tão cara, sinto que esta é uma área do jogo que poderia ter sido melhor trabalhada nesta versão. Com o tempo de jogo, fica claro que a mecânica de “aluguel” funciona basicamente de duas formas: 1) como uma desculpa para interações regulares entre Fran e Oz e 2) um obstáculo arbitrário pensado somente para aumentar a dificuldade geral do título.
O problema dessas duas abordagens é que elas em nenhum momento se justificam. Assim como todo o restante do elenco, Fran é carismática o suficiente para roubar a cena sempre que aparece, não precisando extorquir os outros para tal. Do mesmo modo, Demon Gaze Extra não é um jogo fácil, em que mecânicas limitadoras se fazem necessárias para inflar o conteúdo do game. Pelo contrário, inclusive: embora um jogador experiente possa finalizar o jogo em aproximadamente 40 horas, a adição de equipamentos lendários e o novo recurso de síntese pode elevar o gameplay para números bem acima dessa estimativa.
De todo modo, fica registrada a crítica a essa que ao meu ver é a única falha significativa do jogo. Mas verdade seja dita, por mais que possa incomodar, um aluguel aqui e ali não é o bastante para tirar o brilho de um DRPG que acerta em praticamente todos os outros aspectos.
Também vale lembrar que, à la Mega Man, vencer um demônio significa poder utilizá-lo em sua party. Demon Gaze Extra conta com diversos pequenos recursos que ajudam na sensação de progressão, e nesse caso tem-se a recompensa perfeita para confrontos épicos com tais criaturas. Devo dizer que, por si só, estes destaques já valeriam o ingresso de admissão, portanto, fãs da proposta podem mergulhar sem medo neste universo.
Melhorando o que já era bom
Abordando agora o aspecto técnico da obra, esta versão Extra traz uma série de melhorias de qualidade de vida em relação ao jogo original, fazendo com que possa ser encarada de fato como a versão definitiva deste carismático título. Pra início de conversa, toda vez que você receber um Game Over em uma luta — e acredite, isso não é nem um pouco difícil de acontecer —, um novo menu se abrirá, permitindo reiniciar o confronto instantaneamente.
Particularmente, gostei muito dessa adição. Alguns confrontos contra chefes são realmente desafiadores até para veteranos, e na minha opinião há poucas coisas mais frustrantes em um RPG do que receber um Game Over e fazer todo o percurso até o chefe novamente (gastando recursos no processo), somente para ser recebido com uma nova derrota. Em um mundo onde diversas coisas estão clamando por nossa atenção, a opção de um rematch instantâneo em caso de infortúnio nos faz poupar um tempo precioso demais para não ser elogiada.
Similarmente, também há uma nova opção de “alta velocidade” para as batalhas, que resolve os turnos quase que instantaneamente (uma bênção para confrontos mais simples); e a função de piloto automático, que lhe permite selecionar um ponto do mapa em uma dungeon e deixar que o trajeto, obstáculos à parte, seja feito de forma automatizada. Ambos os recursos fazem com que explorar os labirintos do jogo seja bem menos trabalhoso e cansativo do que da primeira vez, e o resultado é que a aventura como um todo se torna ainda mais dinâmica e divertida.
Já no quesito apresentação, há um claro upgrade na resolução do título, que por sua vez se comporta muito bem tanto no modo portátil quanto no modo TV do Switch, sem quedas na taxa de quadros e com loadings praticamente inexistentes. Embora os cenários continuem em sua maioria bem simples se comparados aos RPGs mais modernos, as artes dos personagens se beneficiam e muito da definição maior, fazendo com que Demon Gaze Extra seja um título muito agradável visualmente.
O mesmo elogio também pode ser estendido a parte de áudio do jogo: como em outros RPGs japoneses, a trilha sonora de Demon Gaze Extra é bem marcante — prepare-se para adicionar algumas faixas em sua playlist particular. Deixo aqui um destaque especial para a faixa Natural Born Dolls, que com sua mescla empolgante de guitarra e teclado é um dos temas musicais mais “grudentos” que ouvi recentemente.
A única menção negativa, contudo, fica por conta da ausência completa de qualquer suporte ao português brasileiro, o que provavelmente limitará o alcance da obra por estas bandas. Fica então a sugestão para que os produtores pensem na possibilidade de adicionar suporte à nossa língua pátria em um patch futuro.
A versão extra e definitiva
Demon Gaze Extra é a versão definitiva de um dos muitos títulos cults que o PlayStation Vita abrigou em sua vida útil. Melhorias de qualidade de vida e um notável update gráfico para alta resolução fazem com que este carismático jogo confirme o seu lugar entre os melhores Dungeon RPGs disponíveis para o Switch. Particularmente, agora fico na torcida para que sua sequência receba esse mesmo tratamento. Fãs do gênero só têm a ganhar.
Prós
- Elenco carismático;
- Bastante conteúdo e opções de personalização;
- Batalhas com chefes são um destaque à parte;
- Quatro níveis de dificuldade promovem acessibilidade;
- Por sua origem portátil, adapta-se perfeitamente à natureza híbrida do Switch;
- Sem problemas de performance ou apresentação.
Contras
- Cenários básicos em termos visuais;
- Mecânica do aluguel pode incomodar um pouco;
- Sem suporte ao português brasileiro.
Demon Gaze Extra — Switch/PS4 — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Janderson Silva
Análise produzida com cópia digital cedida pela Clouded Leopard Entertainment