Análise: Blackberry Honey (Switch) traz uma história para além de um romance ousado

O amor entre Lorina e Taohua também envolve problemas sociais da Inglaterra vitoriana do século XIX.

em 23/02/2022
blackberry honey switch
Blackberry Honey é a segunda visual novel de ebi-hime com a qual tive contato, a primeira sendo The Language of Love. Saindo do Japão do século XXI, viajamos para uma Inglaterra vitoriana do século XIX, onde um romance ousado se desenvolve em meio a todas as questões sociais da época.


Não posso dizer que Blackberry Honey me impactou tanto quanto The Language of Love, mas muitos dos temas discutidos no decorrer da leitura ainda persistem no nosso dia a dia, fazendo com que a visual novel seja outra excelente pedida para quem aprecia uma trama bem-escrita.

Era uma vez...

Lorina Waugh, de 16 anos, é a mais nova empregada contratada para trabalhar na residência dos Lennards. A jovem já exercia essa função antes, mas foi demitida, acusada de tentar seduzir o filho dos Pricklings. Esse infeliz episódio na vida de Lorina logo vira assunto em toda Ellesmere, uma pequena cidade no interior da Inglaterra, fazendo com que a protagonista ficasse conhecida como uma vadia.

Mesmo em Bly, Lorina sofre abusos das empregadas mais velhas com quem trabalha, Pauline e Isobel, além da filha dos Lennards, Lady Constance, que, apesar de ter apenas 12 anos, acredita que sua posição na hierarquia social está acima de qualquer respeito que ela possa vir a ter por outros seres humanos — em especial, seus criados.

O dia a dia da jovem é regado a árduas tarefas e abusos verbais, sendo seu único consolo os sermões de domingo, depois dos quais Lorina envia cartas à sua mãe. Porém, quando ela conhece a misteriosa Taohua, sua vida passa por significativas reviravoltas. O relacionamento entre as duas, conturbado no início, logo se transforma em algo a mais, e, em pouco tempo, Lorina vê na moça mais velha a figura de uma aliada e protetora; contudo, nossa heroína não sabe que Taohua também esconde seus segredos.

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Hierarquia social, preconceitos e ousadia

Por mais que Blackberry Honey se apoie no gênero girls love, isto é, um romance entre duas mulheres, a história se desenrola muito mais em torno das características sociais da época, sobretudo o eurocentrismo. É normal, no decorrer da trama, vermos comentários relacionados aos costumes da época, especialmente colocando os ingleses em um patamar de superioridade. Então, passagens que transparecem algum tipo de preconceito em relação a personagens advindos de outros locais (mesmo que europeus) são muito comuns.

Frente a isso, é ainda mais comum perceber que Taohua não é bem-vinda naquela sociedade: comentários em Ellesmere acerca da mulher a relacionam com o oculto e o paganismo em uma sociedade predominantemente católica. Seu trabalho para Madame Lennard consiste em servir convidados no salão principal, e a empregada é vista como uma “beleza exótica” por não ter os traços comumente europeus/ingleses; é devido a isso, inclusive, que Taohua não foi demitida, mesmo que as chances para isso não tenham sido poucas, de acordo com a empregada.

Lorina também é outro ponto fora da curva nessa sociedade inglesa do século XIX, pois ela é a única das criadas, com exceção de Taohua, que sabe ler e escrever. Esse é mais um dos motivos pelos quais Pauline e Isobel azucrinam a protagonista, já que, mesmo tendo contato com esses privilégios de uma classe social superior, ela não passa de uma “reles empregada”.

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O constante abuso de poder na figura de Lady Constance não se dá apenas em relação aos empregados de Bly. A herdeira dos Lennards também escrutiniza e esnoba suas governantas, em especial Lady Aimee, originária da França, já que a garota, por ser inglesa, não vê sentido em aprender francês, além de insistir em ser chamada por “lady” e não “mademoiselle”.

Frente a esses e outros problemas sociais da Inglaterra vitoriana do século XIX, é interessante ver que ebi-hime tenha escolhido como temática um romance entre duas mulheres — uma ousadia e afronta aos costumes da época, em especial aos ensinamentos da Igreja Católica. Em relação a esse conteúdo, é notório o esforço dela em relação ao estudo da época, dos costumes à ambientação, provando que pesquisa é o cerne de uma boa história.

Apresentação simples e completa, mas com alguns deslizes

Assim como em The Language of Love, Blackberry Honey traz um romance um tanto quanto clichê, mas que consegue abordar muito mais que uma simples história de amor. Isso faz com que a visual novel, mesmo que linear (ou seja, não apresenta escolhas no decorrer da trama), seja agradável de ler e não traga uma duração exageradamente longa — algo em torno de dez horas de jogatina, a depender da velocidade de leitura do jogador.

A arte é simples e condizente com a ambientação vitoriana da época; porém, na minha opinião, existem algumas discrepâncias entre os sprites das personagens e as CGs, em especial de Lorina, cuja escolha anatômica de sprite me deixou um tanto quanto desconfortável, enquanto mulher, devido à arte dos seios da protagonista — não pelo tamanho de seu busto, mas sim pela pose escolhida para desenhar a garota. Por mais que pareça um comentário irrelevante — e talvez seja, dependendo do ponto de vista —, faltou um pouco mais de cuidado nessa área, na minha opinião.

Outra crítica à simplicidade do game é o desenrolar da trama. Alguns pontos parecem desenvolvidos demasiadamente rápido, dada a contextualização da história, enquanto outros, mais lentos; essa inconsistência também se estende à presença de personagens secundárias — Pauline, Isobel, Ada, Lieselotte e as governantas de Lady Constance —, que parecem ter sido incluídas na história apenas para que esta pudesse se desenvolver, mas que não fariam tanta falta caso não existissem ou se fossem apenas mencionadas como personagens de fundo.

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No geral, a história é satisfatória, embora algumas passagens tenham sido deixadas propositalmente a cargo da imaginação do leitor. Essa é uma técnica recorrente em visual novels voltadas a todos os públicos, mas existe um patch 18+ gratuito para a versão para PC (via Steam) com as cenas excluídas da versão “all ages”. Como um todo, essa escolha não faz com que o aproveitamento da trama seja menor, mas vale ser mencionada caso exista interesse pela versão do Steam.

Infelizmente, os problemas técnicos que presenciei em The Language of Love também se estendem a Blackberry Honey. A navegação nos menus às vezes apresenta um pequeno lag, fazendo com que o jogo “congele” por alguns segundos, mesmo no modo portátil. Esse problema se provou particularmente incômodo ao tentar acessar alguns conteúdos extras que só podem ser desbloqueados mediante a conclusão da história, então não pude rever todas as CGs ou ouvir as músicas que compõem a ótima trilha sonora de Blackberry Honey.

O trabalho mais recente de ebi-hime no Switch traz opções de idioma para além do inglês e alemão, mas português continua não sendo uma delas. No caso de Blackberry Honey, ter pouca fluência em inglês, caso não haja entendimento das outras línguas presentes, pode ser prejudicial ao entendimento da história como um todo, já que existem termos e expressões que são típicos do inglês britânico do século XIX.

Por mais que pareça algo irrelevante, o inglês britânico e o inglês norte-americano apresentam expressões, terminologias e até mesmo grafias diferentes, tal qual ocorre com o português de Portugal e o brasileiro, então é importante ter isso em mente aqui. A falta de dublagem, mesmo que seja um elemento que varie de pessoa para pessoa, pode ser outro ponto negativo, tendo em vista quem se cansa com uma carga de leitura constante e ininterrupta.

Enfim, a grande vantagem do Switch em relação às outras plataformas nas quais a visual novel está disponível é o total suporte à tela sensível ao toque do console híbrido. Durante minha jogatina, preferi muito mais jogar no modo portátil, dada a praticidade de apenas tocar na touchscreen para avançar o texto, embora a abertura de menus ainda dependa de botões físicos.

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Resumo da ópera

Blackberry Honey traz um romance clichê, embora ousado por se tratar de um relacionamento entre duas mulheres, com grande foco na contextualização da época. ebi-hime fez um ótimo trabalho ao trazer a Inglaterra vitoriana do século XIX aos nossos tempos atuais, e é notória a importância da inclusão dos costumes da época, feita com muito esmero e fruto de pesquisa, fazendo com que a história ofereça algo para além de uma história de amor que, a bem da verdade, poderia se passar no século XXI. Apesar de suas pequenas falhas no console híbrido, continua sendo uma ótima pedida a quem gosta de visual novels ou simplesmente aprecia um bom romance.

Prós

  • Leitura fluida;
  • Artes e trilha sonora condizentes com o período no qual se passa a história;
  • Trama bem-desenvolvida e fortemente baseada em pesquisas sobre a Inglaterra vitoriana do século XIX;
  • Total suporte à tela de toque do Switch;
  • Temática LGBTQIA+ (girls love).

Contras

  • Sem localização para o português;
  • Pequenos travamentos e lag ao acessar alguns menus, sobretudo os extras pós-jogo;
  • Linguagem menos acessível se comparada à de The Language of Love;
  • Personagens secundárias sem muito desenvolvimento durante a trama;
  • Pequenas inconsistências nas artes (sprites x CGs) e em certas passagens da história.
Blackberry Honey — PC/PS5/PS4/XBX/XBO/Switch — Nota 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Ratalaika Games
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Também conhecida como Lilac, é jornalista e atualmente trabalha com assessoria de imprensa. Fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas. Icon por Heru.
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