Fire Emblem é, sem dúvidas, uma franquia marcada por personagens únicos. É difícil não gostar de vários e eleger "waifus" e "husbandos" dos jogos. Até aí, no entanto, eles são apenas favoritos, que podem perder seu posto a qualquer momento – afinal, sempre estamos suscetíveis a mudanças de gosto e opinião. Porém, com Fire Emblem: Three Houses (Switch), descobri que personagens podem ir muito além do favoritismo. Neste texto, contarei a vocês por que Marianne, dentre centenas de figuras emblemáticas, é a personagem com a qual posso me identificar.
Minhas impressões sobre Marianne
À primeira vista, ela me pareceu ser aquela típica personagem que só diz "Me desculpe" o tempo todo — e, confesso, esse arquétipo chega a me irritar às vezes, porque passa uma imagem negativa da personagem. Eu até tentei recrutá-la na primeira vez que joguei o Three Houses, mas não consegui passar da afinidade C. Na segunda vez, eu consegui chamá-la para a casa que eu havia escolhido (a Black Eagles; a Marianne é da Golden Deer) e então as impressões que eu tinha sobre ela começaram a mudar.
Os pais de Marianne não são citados no jogo, apenas seu pai adotivo (Margrave Edmund); a garota, inclusive, deixa transparecer certo medo e receio sempre que o menciona em seus diálogos. Ela é insegura, está sempre cabisbaixa (tanto que Ashe chega a confundi-la com um fantasma) e sua autoestima beira o inexistente.
Marianne está sempre sozinha, seja rezando para a deusa Sothis ou falando com animais (ela mesma diz que só consegue conversar e ser sincera com os animais). Ao juntar todos esses fatores, ela não consegue se aproximar de ninguém; está sempre inventando uma desculpa para não falar com Fulano, Sicrano e Beltrano — as famosas frases "sinto muito", "me desculpe, tenho que ir agora" e "prefiro ficar sozinha, se não se importa".
Ela também diz que é amaldiçoada, portanto repele instintivamente as pessoas, e em seu paralogue é contado o porquê de ela ser "amaldiçoada". No entanto, até poder acessar essa história paralela, tive que ver uma Marianne com a ideia de "eu estou destinada a ficar sozinha" enraizada em sua cabeça.
No entanto, assim como todos os outros personagens, Marianne interage com eles. A partir daí, pude ver que praticamente todo mundo tenta apoiar a garota, alguns de maneira mais sutil, outros de maneira mais abrupta, mas sempre com as melhores das intenções.
Lysithea, uma de suas colegas na Golden Deer, reforça que as adversidades fazem parte do crescimento pessoal — por meio da dualidade luz x escuridão — e, sem esse crescimento, não dá para seguir em frente. Particularmente falando, não sou fã do discurso "olhar para o lado bom da vida" e também não gosto de quando falam isso para mim, mas não condeno esse diálogo vindo da Lysithea, considerando a história dela.
Sylvain, o mulherengo galanteador da Blue Lions, incentiva Marianne, sempre cabisbaixa e com zero autoestima, a tentar fazer algo que nunca fez: sorrir. Ela mesma diz, quando Sylvain a convida para ir à cidade com ele, que prefere voltar para o quarto dela para praticar sorrisos; desta forma, ela estaria preparada para ir com ele em uma próxima vez.
Hilda faz Marianne rir ao tentar imitá-la. Alguns podem dizer que a garota estivesse tirando sarro da amiga, mas eu não vi o diálogo entre elas dessa maneira; pelo menos, a impressão que eu tive é a de que Hilda conseguiu mostrar para Marianne que andar sempre cabisbaixa e dizer "me desculpe" o tempo seja algo que não combina com ela.
Linhardt, da Black Eagles, primeiramente se aproxima de Marianne porque tem interesse em estudar seu Crest. No entanto, com o passar do tempo, ele decide ficar ao lado dela para apoiá-la e tentar fazer com que ela se livre do seu maior medo: achar que a presença dela causa "maldição" às pessoas.
O diálogo com Claude, porém, foi um dos mais impactantes para mim. O líder da Golden Deer compartilha com Marianne parte de sua própria vida, mostrando que tanto ele quanto ela têm aspectos em comum. Claude tenta fazer com que Marianne perceba que ela não está sozinha no mundo e que ter problemas é normal, aceitá-los faz parte da vida, mas que eles não podem ser grilhões e algemas.
Há muitos suportes excelentes da Marianne com outros personagens, todos tentando ajudá-la à sua maneira, mas não quero dar spoilers do jogo. Na minha opinião, construir elos entre os personagens é uma das melhores partes de se jogar Fire Emblem.
O que eu penso de mim mesma
Carrego um fardo chamado depressão e, mesmo sendo medicada, às vezes acontece de eu ter minhas crises. Quando as tenho, sofro também de ansiedade, sinto-me desmotivada e sem perspectiva alguma, sempre pensando no pior. A depressão é uma doença silenciosa e, se não tratada, pode ser bastante destrutiva em diversos aspectos.
Embora eu não tenha muitos amigos, os poucos que tenho sabem o quanto falo "espero não estar sendo inconveniente", "não quero te atrapalhar" e coisas afins — e às vezes, falo essas coisas no automático, sem me dar conta. Talvez isso seja decorrente de outro fardo que carrego: o bullying que sofri na minha época de colégio, que até hoje luto, diariamente e pouco a pouco, para superar. Não vou mentir: não é nada fácil e por vezes me pego pensando em diversos cenários “e se” — o que não me ajuda em nada com a depressão.
Em 2019, meu presente de aniversário foi essa tatuagem |
Às vezes, também sinto que afasto as pessoas de mim. Preciso de ar para respirar, de um espaço só meu. Também tenho o péssimo costume de ficar dias sem dar notícia; hoje, com menos frequência, devido aos medicamentos, mas ainda “sumo”, ou dou respostas vagas ou que soam como desinteresse e por aí vai.
Esse é um dos piores momentos para mim, porque a ansiedade ataca com tudo. Fico pensando coisas como "será que as pessoas esqueceram que eu existo?", "elas devem ter se esquecido de mim", "ninguém se importa comigo", mesmo quando eu sei que todos os meus amigos se importam comigo e estão respeitando o momento. Infelizmente, isso é algo que ninguém além de mim consegue entender, porque a depressão é diferente para cada um.
A importância de ter um personagem para chamar de seu
Eu me identifico com a Marianne em vários aspectos. Claro, não posso dizer que ela sofre de depressão, apesar de seu comportamento ser típico de pessoas que sofrem com a doença, mas me identifico com ela exatamente pelo jeito dela ser semelhante ao meu — e fico feliz por ter encontrado uma personagem com a qual eu possa me identificar.
Em uma época em que a representatividade está presente em diversas mídias, ter encontrado um personagem entre centenas de outros fez com que eu conseguisse aprender maneiras de lidar comigo mesma e com as pessoas ao meu redor. Ao me imaginar no lugar da Marianne, sempre que revejo os diálogos dela com seus colegas, fico pensando nas minhas próprias amizades. É curioso ter percebido que tenho amigos que são Sylvains, Hildas, Claudes, Lysithea, Linhardts e muitos outros.
Quando temos um personagem que nos representa, fica muito mais fácil conseguir nos expressar para as pessoas ao nosso redor, porque passamos a ter um exemplo de coisas que fazemos e deixamos de fazer. Afinal, os outros sempre conseguem entender melhor quando conseguimos exemplificar o que sentimos — ou pelo menos essa é a impressão que tenho.
Por mais que eu tenha vários personagens favoritos espalhados pelos outros jogos da franquia, minhas “waifus” e meus “husbandos”, o fato de Marianne existir faz com que eu repense certas posturas que tenho e o modo como me porto diante das pessoas, sejam elas amigos ou não. Afinal, nossa realidade pode ser tão cruel quanto um cenário fictício de guerra.
Revisão: Janderson Silva